Por Claudio Bernabucci
John K. Galbraith, um dos mais importantes economistas do século XX,
pronunciou-se algumas vezes sobre a “imbecilidade dos capitalistas”. A
observação factual da crise sistêmica que o mundo está vivendo, sem
perspectiva de solução equilibrada dentro das regras existentes, levaria
a pensar que a afirmação do economista canadense tivesse fundamento.
No entanto, do ponto de vista das ideias, devemos reconhecer que, nas
últimas décadas, o capitalismo neoliberal teve a capacidade de exercer
uma hegemonia ímpar sobre todas as atividades humanas. Sofisticados
instrumentos teóricos e culturais permitiram a esta nova ideologia
eliminar qualquer resistência e crítica significativas, a ponto de se
configurar como um “pensamento único”. Só recentemente, diante dos
graves escândalos no coração do sistema, este primado começou a ser
posto em discussão de forma incisiva.
Já mencionamos a batalha de ideias em curso e a relação de
forças existentes. Vale a pena reiterar que estamos assistindo a uma
autêntica guerra global dentro do sistema capitalista, da qual o
neoliberalismo sairá derrotado ou vencedor. No último caso, podemos
estar certos: o que resta da democracia no planeta estaria seriamente
comprometido. Neste quadro, a circulação das ideias em escala planetária
é fundamental para a definição do resultado. Somente por meio da
difusão de pensamentos plurais e antitéticos ao dominante, poderão ser
conquistadas as mentes e os corações habilitados a criar uma nova
civilização para superar as injustiças de um mundo onde minorias não
eleitas decidem o destino de bilhões de seres humanos.
A ferramenta principal é a mídia. A livre difusão da
internet – com a grave exceção da China –, apesar de limitada, permite
uma informação de baixo para cima que tem aberto brechas importantes no
monólito do pensamento único. Os jornais independentes sempre foram
minoria e, na chamada grande imprensa, as vozes autônomas são escassas,
relegadas aos espaços de debates: espécie de reserva
indígena-intelectual, que visa demonstrar o pluralismo de um jornal,
enquanto a informação transmitida em todas as outras páginas defende
pura e simplesmente a ordem existente. Mundo afora, o cidadão é
informado sobre a crise econômico-financeira de forma
predominantemente mecanicista, tecnicista e distorcida. As causas
principais das convulsões em curso são eludidas: in primis a desregulamentação insensata do sistema financeiro, origem de fraudes e falências.
As análises de economistas e jornalistas alinhados ao neoliberalismo,
e que ainda são maioria, chegam de hábito a um beco sem saída, a um
porto das névoas, quando tocam o tema “mercados”. Neste ponto, as
dúvidas desaparecem, as perguntas se extinguem – Ipse dixit! – em obséquio aos inomináveis e onipotentes titereiros donos dos “mercados”.
Sendo assim, os cortes sociais realizados pelos governos europeus,
alvos de ataques especulativos, são descritos mecanicamente como
respostas obrigatórias, para satisfazer às exigências ou aos humores dos
“mercados”. Obviamente, isso é feito sem informar quais grupos de
interesses e forças concretas estão por trás dos tais “mercados”. As
imponentes transferências de riquezas provocadas pela gangorra dos spreads
ou negociatas das bolsas de valores, a existência de imensas fortunas
escondidas nos “paraísos fiscais”, são fatos descritos de forma fria e
tecnicista, incompreensível para o cidadão comum, oferecendo uma
representação da realidade absolutamente surrealista, sem análise alguma
sobre as causas e consequências.
A situação da mídia brasileira cabe perfeitamente neste quadro,
com algum agravante. O “pensamento único” da chamada grande imprensa é
bem mais extenso aqui do que em outros países de democracia madura. A
esse aspecto acrescenta-se um partidarismo acentuado, unilateralmente
antigovernamental, que contrasta com uma concepção da informação como
serviço pluralista à cidadania. O governo brasileiro não pode ser isento
de críticas, mas o mérito de ser um dos poucos no mundo que na última
década conseguiram crescimento econômico e diminuição das desigualdades,
deveria ser reconhecido em homenagem aos fatos.
Em suma, a opinião pública mundial padece de uma informação parcial ou distorcida,
que esconde a realidade de um planeta onde a desigualdade sem freios e a
avidez do lucro estão comprometendo as possibilidades de construir um
futuro comum. Esta “cegueira” é na maioria das vezes fruto de
partidarismo ideológico, que esconde interesses oligárquicos
supranacionais; outras vezes é consequência da incapacidade de sair do
esquema prefixado de pensar e agir. Para reverter esse quadro perigoso, é
preciso que se difunda o pensamento crítico, hoje minoritário. O papel
da mídia independente é de informar sobre os fatos e ideias que os
outros não querem ou não podem contar.
Carta Capital
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