Do PMDB dos dias de hoje, que diria o Doutor Ulysses? Digo, aquele
que enfrentou os cães raivosos da ditadura, ironizou a “eleição” de
Ernesto Geisel ao criar sua anticandidatura e liderou a campanha das
Diretas Já. E do PDT, que diria Leonel Brizola, um dos poucos a
esboçarem uma tentativa de resistência ao golpe de 1964, cassado e
exilado, no retorno vigiado pelo poder ditatorial no ocaso, e
ininterruptamente perseguido pela Globo? Quem ainda recorda as duas
notáveis figuras tem todas as condições para imaginar o que diriam.
A CPI do caso Cachoeira acaba de escantear a convocação do jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal de Veja em Brasília, que por largo tempo manteve parceria criminosa com o contraventor. As provas irrefutáveis da societas sceleris apresentadas por CartaCapital
na edição da semana passada não somente foram olimpicamente ignoradas
pela mídia nativa, o que, de resto prevíamos, mas também não surtiram
efeito algum junto à CPI. A qual, como se sabe, teria de apurar em todos
os aspectos os crimes cometidos pelo talentoso Carlinhos e seus
apaniguados. Entre eles, está demonstrado, Policarpo Jr.
Se as façanhas da semanal da Editora Abril não
entraram na pauta da CPI é porque aqueles que nela representam PMDB e
PDT são contrários à convocação do jornalista de Veja. Há
precedentes para explicar. Sem justificar, é óbvio. Quando dos primeiros
sinais de que Policarpo Jr. estava envolvido no entrecho criminoso, um
dos filhos de Roberto Marinho foi a Brasília para um encontro com o
vice-presidente da República e líder peemedebista Michel Temer. Tomava
as dores de Roberto Civita, nosso Murdoch subtropical, sob a alegação de
que alvejar Veja significaria mirar na mídia nativa em geral e
pôr em xeque a liberdade de imprensa. Outro encontro, no mesmo período,
Temer teve com o presidente-executivo da Abril, Fábio Barbosa. Cabe
lembrar que fato igual não se deu nos tempos da censura dos ditadores a
alguns órgãos de imprensa, quando os Marinho se relacionam com extrema
cordialidade com os ministros da Justiça (Justiça?), e Veja estava sob censura feroz.
E eis que surgem as provas cabais da participação de Policarpo Jr.,
mas a vontade dos barões midiáticos prevalece, com a inestimável
contribuição do PDT, escudado nos argumentos de um notório simpatizante
das Organizações Globo, Miro Teixeira, idênticos, palavra por palavra,
àqueles usados por um dos Marinho na conversa com Temer. Donde, caluda,
como se nada tivesse ocorrido, de sorte a cumprir a recomendação da
casa-grande: nada de encrencas, deixemos as coisas como estão. Encrencas
para quem? Para a minoria privilegiada, omissa. E a liberdade de
imprensa? É a de Veja agir como bem entende.
Encaro meus acabrunhados botões, e pergunto: e que diria vovô Brizola
de Brizola Neto? Será que Miro Teixeira pesa mais na balança do poder
do que o ministro do Trabalho? Pesa ao menos dentro do PDT, a ponto de
ofender impunemente a memória do engenheiro Leonel. É a observação dos
botões, sugerida como conclusão inescapável.
Confesso algo entre o desconforto e o desalento. Indignação e revolta
eu experimentava durante a ditadura, hoje sobrevém a desesperança. A
mídia nativa é o próprio alicerce da casa-grande. Não há, dentro do seu
espaço, impresso ou não, uma única voz que se levante para pedir
justiça. É o silêncio compacto da turba, enquanto os seus porta-vozes
invectivam contra a corrupção, sempre e sempre petista, e desde já
decidem o resultado do processo do chamado “mensalão”. Pretendem-se
Catões, são piores que Catilina.
Os botões me puxam pela manga. Ah, sim, esqueci: uma voz se levanta, a
do Estadão, para noticiar que Gilmar Mendes, este monstro sagrado da
ciência jurídica nativa, solicita um inquérito público a respeito de CartaCapital.
Motivo: a nossa denúncia da sua participação do valerioduto mineiro.
Mendes diz até ter estudado na Alemanha, deveria saber, porém, que no
caso o único caminho é nomear advogado e mover demanda no Penal.
Em compensação, esta semana Roberto Jefferson se tornou personagem de
destaque por ter apontado no ex-presidente Lula o chefão da quadrilha.
Ele mesmo, o Jefferson que no começo da história, quando já havia
embolsado 4 milhões de reais despejados pelo valerioduto nos seus
bolsos, cuidou de isentar o então presidente.
Nem tudo é desgraça nas pregas do momento: na terça
14, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou por unanimidade a
decisão de primeiro grau que reconhece como torturador o coronel Carlos
Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi por certo período dos anos de
chumbo. É a primeira vez que um órgão colegiado da Justiça brasileira
afirma os crimes de um agente da ditadura civil-militar. Com isso,
abre-se a porta para processos similares no Cível. A demanda movida pela
família Teles, que conta com cinco torturados na masmorra do coronel
Ustra, valeu-se do destemor e do saber do jurista Fábio Konder
Comparato, infatigável na defesa da causa. Seu desfecho, pelo menos até
agora, representa um avanço, mas a lei da anistia, condenada nas
instâncias internacionais e tão limitativa das nossas aspirações
democráticas, continua em vigor.
Ao cabo da semana, os botões sustentam condoídos que a casa-grande
está de pé, inabalável, certa da cordialidade da senzala, como diria
Sérgio Buarque de Holanda
Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário