As gaúchas Eloah Teixeira e
Márcia* são amigas e vizinhas no bairro de Astoria, no distrito do
Queens, que concentra grande parte da comunidade brasileira em Nova
York. Suas histórias, no entanto, revelam faces distintas da realidade
vivida pelos brasileiros nos EUA.
Eloah decidiu voltar ao Brasil depois de 27 anos
vivendo em Nova York. Ela diz que seus motivos foram pessoais, mas o
caminho de volta vem sendo seguido por muitos brasileiros desde que a
crise econômica atingiu os EUA e que a economia brasileira começou a se
destacar pelo bom desempenho em relação aos países desenvolvidos.
Segundo o Itamaraty, desde 2008, no auge da crise mundial, o número de
brasileiros no exterior foi reduzido em cerca de 30%.
Márcia, que chegou a Nova York em
1993, nunca mais voltou ao Brasil. Ela diz sofrer com a saudade da
família, mas quer continuar vivendo nos EUA e não pode deixar o país por
medo de ser impedida de retornar, já que está em situação irregular.
Seu caso é semelhante ao de milhares de
brasileiros descritos pela antropóloga americana Maxine Margolis como
"prisioneiros no paraíso": obrigados a ficar anos sem viajar ao Brasil
pelo temor de serem barrados no retorno aos EUA, especialmente após o
endurecimento da fiscalização de imigração desde os atentados de 11 de
setembro de 2001.
Pioneira no estudo do tema, Margolis acaba de lançar o livro Brazil: Émigrés from the Land of Soccer and Samba (ou Goodbye, Brasil: Emigrantes Brasileiros no Mundo, título com que chegará às livrarias brasileiras no segundo semestre), que traz um retrato da diáspora brasileira.
Em busca de um Green Card
Assim como milhares de brasileiros, Márcia, 47
anos, chegou aos EUA com um visto de turista, que logo expirou. Desde
então, ela vem tentando conseguir um Green Card, documento que permite
residência permanente no país.
Todas as tentativas até agora foram frustradas
e, sem a documentação, ela não pode realizar o sonho acalentado há 20
anos de passar férias no Brasil e visitar a mãe, os oito irmãos e 14
sobrinhos.
"É muito difícil, muito triste. Tenho muita
saudade da minha família. Quando alguém fica doente, fico nervosa",
disse à BBC Brasil. "A última vez que vi meu pai foi em 1998, quando ele
veio me visitar. Ele morreu em 2005."
Márcia costuma ouvir que sua trajetória em busca
do Green Card daria um livro. A primeira tentativa foi em 1996, três
anos após chegar aos EUA. Ela pagou US$ 5 mil para se casar com um
colombiano que tinha cidadania americana. A entrevista com os oficiais
de imigração foi marcada para março de 1998.
"Um mês antes da entrevista, ele morreu", relata. "Ainda tentei obter o Green Card como viúva, mas foi negado."
"Aprendi tanta coisa aqui. Estudei inglês, fotografia, budismo. Não tenho vontade de voltar a viver no Brasil, mas sim de visitar."
Márcia
Algum tempo depois, Márcia começou a namorar um
americano. Em poucos meses, foi pedida em casamento. "Eu queria fazer
uma festa, trazer minha mãe, pedi para esperarmos um pouco", diz.
Em setembro de 1999, com a presença da mãe e de
testemunhas, Márcia viu o namorado americano entrar e sair do recinto
onde seria oficializado o casamento. "Ele simplesmente disse: 'não posso
fazer isso, não te amo'. E foi embora."
'Sistema arcaico'
Ela conta que entrou em depressão e ficou anos
sem namorar. Dois anos atrás, uma amiga disse que conhecia um brasileiro
com cidadania americana disposto a casar com Márcia por US$ 20 mil. Ela
pagou a quantia e embarcou em um novo casamento. "Mas ele não veio para
a entrevista. Fugiu para o Brasil com o dinheiro", conta.
Márcia afirma que buscou outras opções para
conseguir o Green Card, mas ouviu de seus advogados que o casamento é
atualmente a única alternativa. "O sistema de imigração dos EUA é
arcaico, não é eficiente", diz.
Diante de tantas frustrações, Márcia - que hoje
diz estar feliz namorando um brasileiro com cidadania americana - chegou
a se perguntar por que quer tanto continuar nos EUA. "Me sinto bem
aqui, é a minha casa", diz.
No Rio Grande do Sul, Márcia trabalhava em uma
empresa de exportação e importação. Nos EUA, com o dinheiro que ganha
trabalhando como babá e faxineira ajudou a mãe a construir uma casa no
Brasil.
"Aprendi tanta coisa aqui. Estudei inglês,
fotografia, budismo. Não tenho vontade de voltar a viver no Brasil, mas
sim de visitar."
Caminho de volta
Ao contrário da amiga, Eloah, 68 anos, costuma
passar férias todos os anos no Brasil, onde tem duas irmãs e muitos
sobrinhos em Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre.
Ela chegou a Nova York em 1985 e logo conseguiu o
Green Card. "Fui beneficiada com a anistia durante o governo do
(presidente Ronald) Reagan (1981-1989)", disse à BBC Brasil.
No Brasil, trabalhava como gerente de uma loja
de lustres. "Eu ganhava bem, mas queria viajar, conhecer outras
culturas", conta. Em Nova York, com o dinheiro que ganha limpando casas
leva uma vida confortável, com viagens, passeios e idas ao teatro - uma
de suas paixões.
No entanto, nos últimos anos, uma doença no
coração a fez começar a pensar em deixar os EUA. "Começo a me sentir
mais cansada quando trabalho. Vou voltar ao Brasil para descansar",
conta Eloah, que planeja passar temporadas no litoral no verão e na
serra gaúcha durante o inverno.
A data da viagem ainda é surpresa. Depois de
quase 30 anos nos EUA, Eloah diz que ainda nem pensa sobre o que esperar
no Brasil, mas sabe do que vai sentir falta nos EUA. "Vou sentir muita
falta daqui. Das caminhadas, principalmente à noite", diz.
"Vou sair com o coração apertado. Foi o país que
escolhi para viver", afirma. "Mas pretendo voltar para visitar já no
ano que vem."
*Sobrenome omitido a pedido da brasileira.
BBC Brasil
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