Do Blog Resistência
Depois do acarajé, a Fifa proíbe Mané Garrincha nos estádios
O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke pensa com a cabeça
do colonialista e fala a linguagem dos antigos becos de Paris, da época
em que o Châtelet-Les Halles não fora ainda desratizado.
Em março do ano passado, deu-se o direito de acusar o Brasil de
indolência na organização dos torneios internacionais agendados para
2013 e 2014 – a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, o que só teria
remédio com um “pé no traseiro” dos brasileiros. Embora o impulso seja
forte, não vamos usar, para referir-nos à Fifa e ao seu insolente
burocrata, a linguagem lúdica com que a sofrida e gloriosa torcida
brasileira se expressa nas arquibancadas e gerais.
Mas não vamos disfarçar a indignação com a impertinência, a má
educação e a ingerência da Organização (e do seu burocrata) que se julga
toda-poderosa a ponto de considerar a Copa das Confederações e a Copa
do Mundo - eventos que nosso País tem orgulho de sediar - monopólio seu e
de seus financiadores e motivo para ofender a cultura, a inteligência e
a alma nacional.
No ano passado, na sequência dos destemperos verbais do seu
secretário-geral, a Fifa anunciou a proibição da venda de acarajé no
Estádio da Fonte Nova. Decerto quer obrigar o povo baiano a ingerir as
fast-porcarias que acompanham suas venenosas bebidas.
Na última sexta-feira (6), o burocrata-geral da Fifa voltou a
dar o ar da sua graça, pois estava meio calado desde a gafe do ano
passado. Em comunicado vazado em frio e boçal estilo nórdico, o
secretário-geral da Fifa voltou a criticar a organização da Copa no
Brasil, afirmando que "não estará 100%", já que segundo os seus
cronogramas os prazos acertados para a entrega dos estádios caíram de
seis para dois meses.
Vejam: "O feedback que recebi das reuniões operacionais do
governo com o Comitê Organizador Local – em cada uma das seis
cidades-sede - foi positivo. A Copa das Confederações será um torneio
fantástico, mas todas as operações organizacionais não estão 100%. É
impossível esperar que isso aconteça com o tempo de preparação reduzido –
na maioria dos casos, em menos de dois meses – ao invés dos seis
programados". (Folha de S.Paulo on line, 6/4/2013)
"Organizar uma Copa do Mundo é um trabalho infinitamente
mais complexo e exigente do que o da Copa das Confederações, que tem
apenas 25% do número de partidas. A escala e a magnitude da Copa do
Mundo requer um mínimo de seis meses do enquadramento operacional",
continuou o professoral secretário-geral da Fifa. (Idem)
Mas a insolência da Fifa não ficou por aí e seu último decreto
terá tido no mínimo o efeito de revolver os túmulos dos craques de todos
os tempos e despertar a ira dos
deuses do Futebol, inclusive as temíveis entidades que se nutrem na
Bahia de oferendas de acarajé. Agora, a toda-poderosa decidiu que,
durante as competições que organiza, o nome "Mané Garrincha" não será
permitido para referir-se ao Estádio de Brasília, que já nasceu batizado
assim. E mais, disse a Fifa que a ordem terá de ser respeitada em
propagandas e divulgações dos eventos. Aqui nesta página, pode ter
certeza a senhora, a única designação admissível para o estádio da Capi
tal Federal, já padronizada em norma editorial, será “Mané Garrincha”.
Nunca se viu tamanha ofensa à inteligência nacional, tal
escracho à alma de cada moleque, adulto ou velho que aprendeu desde a
fase uterina a idolatrar a mais brasileira dentre todas as figuras do
mundo do Futebol – Mané Garincha.
Despudorada, a entidade secretariada pelo senhor Valcke,
confessa que o decreto é uma imposição do "interesse internacional" e
uma obrigação derivada da necessidade de "manter a consistência dos
nomes dos estádios".
Os burocratas da Fifa, em sua sacrossanta ignorância, acham que
nomes como Mané Garrincha, Maracanã, Mineirão, Itaquerão e outros
inventados pelo povão são de difícil compreensão para quem não fala o
vernáculo e muito menos conhece os jargões da patuleia. Com a propensão
de adaptar-se a quaisquer circunstâncias desfavoráveis, o nosso povo
resolveu o suposto impasse à sua maneira safa e malandra. Desde o começo
do século 20, quando o futebol começou a ser jogado aqui com exóticas
palavras britânicas, o brasileiro foi capaz de naturalizar vocábulos e
sem cerimÃ?nia compreendeu que Foot-ball é “Futebol”, goleiro é
“golquíper”, defensor recuado é “beque”, meio-campista é “centerralfe”,
escanteio é “córner”, penalidade máxima é “pênalti”, e assim por diante.
Cada um desses vocábulos narrados pelos locutores de rádio do passado e
repetidos nas arquibancadas e bares com as variantes de sotaque
próprias da imensidão do País enriqueceu a língua nacional e nunca
impediu que as regras do futebol e a maneira de escalar as equipes
fossem bem assimiladas.
Mas, devemos confessar que não ficou claro se no afã de
assegurar o “interesse internacional” e os indeclináveis contratos
comerciais para exibir melhor as marcas dos seus anunciantes, a Fifa tem
implícito algum plano de “alfabetização” às avessas, para que alguns
sonoros vocábulos com que se designam as mães dos juízes (de futebol)
sejam pronunciados em inglês ou, quem sabe, no francês de Monsieur
JerÃ?me.
E para completar o rol de estupidezes, bateu em nós essa
estranha mania de chamar campo e estádio de arena. Talvez tudo tenha
coerência com os costumes da época. O povão, que gosta de uma boa dose
de Serra Grande, Pitú, Saborosa ou 51, e antes dos jogos forra as tripas
com acarajé, abará, sarrabulho, feijoada, panelada ou maniçoba ou
churrasco de gato, já não frequenta os estádios. Vê os jogos em
aparelhos de televisão comprados a prazo, pois o ingresso, cotado em
Euro ou Dólar é privilégio da elite cosmopolita, que não compreende que o
futebol – pelo menos no Brasil – não é um evento de consumo, mas uma
manifestação da alma nacional. Somente numa época como esta um Valcke
qualquer se transforma em autoridade supranacional.
José Reinaldo Carvalho
Blog do Luis Nassif
Nenhum comentário:
Postar um comentário