Quanto Zé Dirceu importa pode-se medir por
uma jornada, no final do ano, da colunista Mônica Bergamo, da Folha de
S. Paulo. Mônica às 5h30 da manhã estava à porta do prédio em que Dirceu
mora, na Vila Mariana, para acompanhar sua eventual prisão.
Isso significa que ela acordou por volta de 4 horas. Jornalistas
costumam dormir nessa hora, e só saem da rotina boêmia em circunstâncias
especiais. Foi o caso de Mônica. Não houve prisão, mas ela acabou
fazendo um relato excelente em torno de uma não notícia.
Logo era o artigo mais lido no site da Folha.
Dirceu não estava se comportando exatamente como Sêneca diante da
ordem de Nero para que ele cortasse os pulsos, mas o artigo de Mônica
mostra que ele estava razoavelmente firme diante da possibilidade de
passar já o Natal na cadeia, conforme solicitara, num gesto de
extraordinária severidade malévola, o procurador Roberto Gurgel.
Dirceu já estava fazendo planos para a reclusão. Como é tão comum na
linhagem da esquerda, falou em estudar. Os russos de esquerda que foram
presos transformaram as prisões czaristas em universidades, no final do
século 19 e início do 20, e estabeleceram um padrão de comportamento
para esquerdistas de todas as partes.
Dirceu disse a Mônica que espera ir para a prisão do Tremembé. Você
também desejaria isso, se fosse preso. É para presos ‘especiais’. Numa
reportagem da Veja SP de 2009, há uma boa descrição do presídio.
Considere.
Comparada a boa parte das 74 penitenciárias do estado de São
Paulo, a P-II, como Tremembé é conhecida, proporciona vida diferenciada
a seus presos. As celas de 15 metros quadrados do segundo pavilhão, por
exemplo, com capacidade para seis pessoas, não são ocupadas por mais
que cinco. A comida, feita por 24 presos e que alimenta tanto os
confinados como os diretores do presídio, é boa. Aulas de música e
inglês, campeonatos de xadrez e concursos de poesia são algumas das
atividades regulares. A unidade tem ainda duas oficinas de usinagem e
montagem de torneiras, templo ecumênico e um campo de futebol.”
Ao falar das prisões brasileiras, Dirceu fez para a jornalista uma
autocrítica. Nenhum governo fez muito para melhorar a vida nas cadeias
brasileiras. Nem o PT.
É interessante esta reflexão. Se você vai além das cadeias, pode ser
assaltado por um sentimento semelhante, por uma quase frustração.
A visão de tantas favelas em São Paulo, num giro pela cidade que fiz
ao chegar de Londres para as festas de final de ano, me trouxe isso. Dez
anos de governos com foco declarado nos 99% e não no 1%, e ainda assim
tanta miséria, tanta iniquidade?
Quanto tempo é necessário para chegarmos perto da Escandinávia,
então? Meio século? Um século? E então me ocorre a grande frase de
Keynes: “A longo prazo estaremos todos mortos”.
Meus filhos verão uma São Paulo com ares de Copanhague? Meus netos? Bisnetos, talvez?
Estará faltando uma taxa de urgência, na administração petista, para mitigar a desigualdade?
É uma possibilidade.
Tendo a pensar nisso quando vejo algumas declarações de Lula. Com uma
certa frequência ele diz que os empresários jamais ganharam tanto
dinheiro como em seu governo.
Talvez seja apenas uma frase para aplacar a raiva que boa parte dos empresários sente por ele.
Mas talvez também seja verdade.
Se for verdade, isso significa que, a despeito da melhora na
distribuição de renda, se fez menos do que poderia e deveria ser feito.
A riqueza nacional é um bolo. A fatia dos empresários já era
suficientemente grande para que eles ganhassem mais dinheiro que nunca,
para seguir na retórica de Lula. Como o bolo é um só, a parcela dos
miseráveis brasileiros – ainda que tenha aumentado — ficou aquém do que
deveria.
A ditadura militar fez o Brasil abjeto socialmente que está aí. O
ensino público de alta qualidade foi destruído pelos generais, e a maior
escada para a ascensão desapareceu.
Ainda durante a ditadura, os empregados foram proibidos de fazer
greve, e assim não puderam reagir à perda de direitos trabalhistas como a
estabilidade.
Nesse ambiente, floresceu uma monstruosa concentração de renda.
Viramos uma contrafação da Escandinávia. O Brasil se tornou uma
Dinamália, parte (pequena) Dinamarca, parte (enorme) Somália.
Foi este o país que a ditadura militar semeou – com o apoio das
grandes empresas de mídia, como a Globo de Roberto Marinho, a Folha de
Frias e o Estadão dos Mesquitas.
Todas elas abriram as portas para os generais, e se deram bem
financeiramente com isso – ao contrário da imensa massa miserável de
brasileiros.
Foi a exaustão com esse modelo predador que levou Lula ao poder em 2002.
Passados dez anos, e não dez semanas, ou dez meses, o país não
deveria ter andado mais na direção de uma sociedade harmoniosa, à
escandinava?
Faltou dinheiro para melhorar as cadeias, como disse Dirceu? Se sim, a
Receita Federal está verificando, como acontece hoje em todo o mundo,
se as grandes corporações estão pagando o que deviam? A Receita cobra da
Globo 2,6 bilhões de reais, e brasileiro nenhum sabe do que se trata,
quando é tão grande o interesse público na disputa?
Nos últimos meses, nos Estados Unidos e na Europa, os governos
começaram a publicar os impostos pagos por grandes corporações – do
Google à Amazon, da Microsoft à Starbucks – que encontraram maneiras
variadas de fugir dos impostos previstos. (Dentro do que se poderia
chamar de legalidade imoral.)
E no Brasil, não fazemos nada? A Receita deixa prosperar a tese de
que a carga tributária brasileira é abusiva (35% do PIB) quando na
Escandinávia ela é de 50%?
É com dinheiro do imposto que, para voltar a Dirceu, você melhora cadeias – e faz escolas, hospitais, estradas, portos etc etc.
A velocidade com que está sendo enfrentada a injustiça social pode transmitir a sensação de que é baixa demais.
Nessas situações, a melhor alternativa é acelerar.
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