sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A longo prazo estaremos todos mortos

O combate à desigualdade pode estar mais lento do que deveria.
Quanto Zé Dirceu importa pode-se medir por uma jornada, no final do ano, da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. Mônica às 5h30 da manhã estava à porta do prédio em que Dirceu mora, na Vila Mariana, para acompanhar sua eventual prisão.

Isso significa que ela acordou por volta de 4 horas. Jornalistas costumam dormir nessa hora, e só saem da rotina boêmia em circunstâncias especiais. Foi o caso de Mônica. Não houve prisão, mas ela acabou fazendo um relato excelente em torno de uma não notícia.
Logo era o artigo mais lido no site da Folha.
Dirceu não estava se comportando exatamente como Sêneca diante da ordem de Nero para que ele cortasse os pulsos, mas o artigo de Mônica mostra que ele estava razoavelmente firme diante da possibilidade de passar já o Natal na cadeia, conforme solicitara, num gesto de extraordinária severidade malévola, o procurador Roberto Gurgel.
Dirceu já estava fazendo planos para a reclusão. Como é tão comum na linhagem da esquerda, falou em estudar. Os russos de esquerda que foram presos transformaram as prisões czaristas em universidades, no final do século 19 e início do 20, e estabeleceram um padrão de comportamento para esquerdistas de todas as partes.
Dirceu disse a Mônica que espera ir para a prisão do Tremembé. Você também desejaria isso, se fosse preso.  É para presos ‘especiais’. Numa reportagem da Veja SP de 2009, há uma boa descrição do presídio.

Considere.
Comparada a boa parte das 74 penitenciárias do estado de São Paulo, a P-II, como Tremembé é conhecida,  proporciona vida diferenciada a seus presos. As celas de 15 metros quadrados do segundo pavilhão, por exemplo, com capacidade para seis pessoas, não são ocupadas por mais que cinco. A comida, feita por 24 presos e que alimenta tanto os confinados como os diretores do presídio, é boa. Aulas de música e inglês, campeonatos de xadrez e concursos de poesia são algumas das atividades regulares. A unidade tem ainda duas oficinas de usinagem e montagem de torneiras, templo ecumênico e um campo de futebol.”

Ao falar das prisões brasileiras, Dirceu fez para a jornalista uma autocrítica. Nenhum governo fez muito para melhorar a vida nas cadeias brasileiras. Nem o PT.
É interessante esta reflexão. Se você vai além das cadeias, pode ser assaltado por um sentimento semelhante, por uma quase frustração.
A visão de tantas favelas em São Paulo, num giro pela cidade que fiz ao chegar de Londres para as festas de final de ano, me trouxe isso. Dez anos de governos com foco declarado nos 99% e não no 1%, e ainda assim tanta miséria, tanta iniquidade?
Quanto tempo é necessário para chegarmos perto da Escandinávia, então? Meio século? Um século? E então me ocorre a grande frase de Keynes: “A longo prazo estaremos todos mortos”.
Meus filhos verão uma São Paulo com ares de Copanhague? Meus netos? Bisnetos, talvez?
Estará faltando uma taxa de urgência, na administração petista, para mitigar a desigualdade?
É uma possibilidade.
Tendo a pensar nisso quando vejo algumas declarações de Lula. Com uma certa frequência ele diz que os empresários jamais ganharam tanto dinheiro como em seu governo.
Talvez seja apenas uma frase para aplacar a raiva que boa parte dos empresários sente por ele.
Mas talvez também seja verdade.
Se for verdade, isso significa que, a despeito da melhora na distribuição de renda, se fez menos do que poderia e deveria ser feito.
A riqueza nacional é um bolo. A fatia dos empresários já era suficientemente grande para que eles ganhassem mais dinheiro que nunca, para seguir na retórica de Lula. Como o bolo é um só, a parcela dos miseráveis brasileiros – ainda que tenha aumentado — ficou aquém do que deveria.
A ditadura militar fez o Brasil abjeto socialmente que está aí. O ensino público de alta qualidade foi destruído pelos generais, e a maior escada para a ascensão desapareceu.
Ainda durante a ditadura, os empregados foram proibidos de fazer greve, e assim não puderam reagir à perda de direitos trabalhistas como a estabilidade.
Nesse ambiente, floresceu uma monstruosa concentração de renda. Viramos uma contrafação da Escandinávia. O Brasil se tornou uma Dinamália, parte (pequena) Dinamarca, parte (enorme) Somália.
Foi este o país que a ditadura militar semeou – com o apoio das grandes empresas de mídia, como a Globo de Roberto Marinho, a Folha de Frias e o Estadão dos Mesquitas.
Todas elas abriram as portas para os generais, e se deram bem financeiramente com isso – ao contrário da imensa massa miserável de brasileiros.
Foi a exaustão com esse modelo predador que levou Lula ao poder em 2002.
Passados dez anos, e não dez semanas, ou dez meses, o país não deveria ter andado mais na direção de uma sociedade harmoniosa, à escandinava?

Roberto Marinho com Costa e Silva, Figueiredo e ACM: a Globo se deu bem com a ditadura militar

Faltou dinheiro para melhorar as cadeias, como disse Dirceu? Se sim, a Receita Federal está verificando, como acontece hoje em todo o mundo, se as grandes corporações estão pagando o que deviam? A Receita cobra da Globo 2,6 bilhões de reais, e brasileiro nenhum sabe do que se trata, quando é tão grande o interesse público na disputa?
Nos últimos meses, nos Estados Unidos e na Europa, os governos começaram a publicar os impostos pagos por grandes corporações – do Google à Amazon, da Microsoft à Starbucks – que encontraram maneiras variadas de fugir dos impostos previstos. (Dentro do que se poderia chamar de legalidade imoral.)
E no Brasil, não fazemos nada? A Receita deixa prosperar a tese de que a carga tributária brasileira é abusiva (35% do PIB) quando na Escandinávia ela é de 50%?
É com dinheiro do imposto que, para voltar a Dirceu, você melhora cadeias – e faz escolas, hospitais, estradas, portos etc etc.
A velocidade com que está sendo enfrentada a injustiça social pode transmitir a sensação de que é baixa demais.
Nessas situações, a melhor alternativa é acelerar.

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