Janio de Freitas
Movimento de Marina pode sistematizar a repulsa intuitiva do eleitor a tudo que leva o nome de partido
Dê no que der como resultado eleitoral, o movimento que Marina Silva
começa para constituir um partido seu na disputa pela Presidência tende a
cumprir um papel político e social de muita utilidade. A ideia de
denominá-lo Rede já é sugestiva, nem tanto por sugerir internet, mas
pela identificação com a repulsa tão difundida a tudo que leve o nome de
partido.
Difuso e confuso, o movimento até já existe na população. Existe como
opinião intuitiva e generalizada a respeito do desregramento vigente no
Congresso, das chantagens partidárias por cargos, da dinheirama nas
eleições, da corrupção generalizada, e de tanto mais. Existe, em suma,
muito mais emocional do que racional, como um sentimento de traição dos
políticos, assim vistos quase sem o reconhecimento das exceções.
Os princípios preliminares do regimento da Rede são satisfações dadas à
opinião pública desencantada. Representam os desejos de restrição a
determinados doadores de campanhas políticas, limitação do número de
mandatos de um parlamentar, fidelidade dos seus políticos às posições
básicas do programa partidário, renúncia ao mandato parlamentar caso
aceite cargo em governo, e por aí vai.
Marina Silva tem audiência no país todo. Apesar da base partidária
mínima, sua candidatura à Presidência em 2010 foi encorpada por cerca de
um quinto dos votos totais. Com a já iniciada organização de ideias e
propostas, a pregação da Rede para constituir-se e, se obtido o
registro, para a campanha eleitoral, pode transmitir ao eleitorado
alguma dose de sistematização, digamos, de racionalidade ao que até
agora não passa de uma força emocional caótica e sem proveito.
O PT cumpriu essa função em vários segmentos sociais, mas deixou de
cumpri-las. O PSDB nasceu com o projeto de tal função, mas se
descaracterizou depressa. Não falta quem possa cair na Rede.
UM HOMEM DE BEM
Todos os que desejaram a vitória da oposição em 1985, resultante na
eleição de Tancredo Neves, têm uma dívida de gratidão com Fernando Lyra.
Foi o grande artífice político, desde os primeiros passos, daquela
consagração do sonho de democracia sobre a vocação de ditadura.
Morto na quinta-feira, ao fim de longas e sucessivas doenças, Fernando
Lyra só pôde cumprir seu enorme papel histórico em razão de duas
características pessoais: a acuidade incomparável para a interpretação
política, exposta sempre com brilho fascinante, e a integridade moral.
Deputado de repetidas legislaturas, ministro da Justiça no governo
composto por Tancredo e encampado por José Sarney, Fernando Lyra
afastou-se do centro da política no final dos anos 90. Muito por
desencanto.
LATINA
A frase "Antes que o ano [2012] findasse, Bento 16 e a Cúria Romana
restabeleceram o uso do latim", no artigo de quinta passada, gerou
algumas estranhezas, a propósito de missa em latim desde 2007. Bem, não
só de missas se fazem o catolicismo e o latim. A liberação de missa
nessa obscuridade idiomática, já praticada pela oposição que o cardeal
francês Lefèvre liderou contra o Concílio Vaticano 2 e o papa João 23,
foi complementada pela criação, no final do ano passado, da Academia
Pontifícia para o Uso do Latim. Como "idioma da Igreja Católica
Apostólica Romana".
Daí, por exemplo, e exemplo definitivo, que Bento 16 comunicasse em
latim a sua renúncia. Para aturdimento de muitos doutores da Igreja, que
devem voltar aos bancos escolares para aprender seu idioma exclusivo.
Folha de São Paulo
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