Por Roberto Amaral
O Brasil, considerando apenas a área até aqui prospectada, é o sexto
país em reservas de urânio em todo o mundo. Esta reserva é suficiente
para manter em funcionamento as atuais usinas Angra I e Angra II, e a
futura Angra III e mais 4 novas usinas de 1000 Mw cada, por cerca de 100
anos. Não é para ser desconsiderado, portanto.
Mas possuir reservas minerais não é tudo, embora o Brasil esteja se
descuidando de suas terras raras. Para ser utilizado, e para ter valor
comercial, o urânio precisa ser transformado industrialmente em
combustível nuclear, processo que compreende algumas etapas, entre elas o
enriquecimento, com enorme valor agregado, inumeráveis fases de
tratamento e o acesso a segredos tecnológicos guardados a cinco chaves
pelos países que dominam essa tecnologia.
É o que se descreve a seguir.
Inicialmente, o minério bruto é processado de maneira a extrair a
maior quantidade possível do urânio nele contido. Isso gera um material
sólido chamado yellow cake, ou concentrado de urânio. Antes do
enriquecimento propriamente dito, o yellow cake puro deve ser
transformado em gás. Nas usinas de enriquecimento esse gás é processado
para aumentar a proporção de Urânio 235, o urânio físsil, responsável,
quando fissionado, pela geração de energia no gás. Em seguida ele é
reconvertido para a fase sólida, constituindo-se num pó, que é
compactado em pastilhas (pellets) e acondicionado em varetas que compõem
o chamado elemento combustível.
Precisamos de urânio enriquecido para alimentar Angra I e II e Angra
III, e, se o país tiver juízo, as demais usinas projetadas, projetadas,
projetadas e de execução adiada. Qual o procedimento atual? Produzimos o
yellow cake e o remetemos para processadores no exterior para
transformação em gás enriquecido, retornando ao país para ser
reconvertido, produzidas as pastilhas e acondicionadas nos elementos
combustíveis.
Hoje, após anos de investimentos em pesquisa e equipamentos, e
enfrentando a sabotagem das grandes potências nucleares, EUA à frente,
como sempre, já dominamos a tecnologia para enriquecimento isotópico do
urânio, desenvolvida pela Marinha (CTMSP) em colaboração com o IPEN, e
brevemente estaremos produzindo nosso combustível, na fábrica da INB. A
tecnologia não é pioneira, mas nossas centrífugas, principal
equipamento da planta, apresentam importantes conquistas que as tornam
mais eficientes que as atualmente em uso em todo o mundo. E motivo de
cobiça.
O domínio dessa tecnologia decorre de decisões políticas cruciais de
vários governos e da persistência de pesquisadores e militares
devotados. Dele tanto resulta o acúmulo de pesquisas, como determina
igualmente novos avanços científicos e tecnológicos, os quais estarão
refletidos em novas conquistas; além da conclusão do ciclo nuclear,
disporemos de maior segurança no fornecimento do combustível, economia
de custos e de divisas e, de futuro, a possibilidade de fornecermos
urânio enriquecido para clientes no exterior. O ganho econômico pode ser
medido pela diferença de preço, no mercado internacional, entre o
minério bruto e o elemento combustível.
Uma vez mais se coloca para o país optar entre permanecer como mero
fornecedor de matéria-prima in natura, ou transformar-se em exportador
de conhecimento, rejeitar como destino a condição dependente, optando
pela emancipação nacional como base de seu futuro. E não há futuro nem
independência se renunciarmos ao desenvolvimento científico e
tecnológico. Não se veja nessa política a revisão do velho projeto do
Brasil-potência, nem eivos de um militarismo arcaico. Trata-se,
simplesmente, de optar entre independência e dependência e caminhar no
sentido contrário das políticas do neoliberalismo.
Nossa tecnologia, voltada para os usos pacíficos da energia nuclear,
nada tem a ver com a produção de bombas, que requer urânio enriquecido a
mais de 90% em seu isótopo 235, enquanto a planta de enriquecimento
isotópico da INB em Rezende foi projetada para a produção de
enriquecimento até 5%, destinando-se, portanto, exclusivamente, para uso
na fabricação de elementos combustíveis dos reatores de potência do
sistema Angra e em alguns tipos de reatores para propulsão naval, como
do nosso futuro submarino.
Portanto, nosso país nada tem que esconder. E jamais escondeu.
Precisa apenas decidir se deseja mesmo (pois precisa) dominar o
conhecimento científico e tecnológico pondo-o a serviço de seu
desenvolvimento e de sua soberania.
Além de haver aderido, em 1997, ao Tratado de não-proliferação de
Armas Nucleares (TNP), unilateralmente, ou seja, sem negociar, isto é,
sem cobrar contrapartidas, como, por exemplo, transferência de
tecnologia, ou, a redução dos estoques das potências nucleares e
guerreiras (EUA à frente), o Brasil é o único país do mundo a
determinar, em sua Constituição (art.21, XXIII, a) que “toda atividade
nuclear em território nacional somente será admitida para fins
pacíficos” e, igualmente, é o único país do mundo que permite inspeções
em suas instalações militares. E o único submetido a inspeções de duas
agências internacionais, a Agência Internacional de Energia
Atômica-AIEA, e a ABACC, Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e
Controle de Materiais Nucleares- ABACC.
O país recebe anualmente cerca de 50 inspeções anunciadas e seis
inspeções não anunciadas, isto é de surpresa, sem programação prévia, em
suas instalações nucleares.
Quando foi levantado o pleito da AIEA com vistas à assinatura de um
novo Acordo de Salvaguardas, a posição brasileira foi a de assegurar, às
Agências, a aplicação de um controle efetivo do material nuclear
utilizado, ao mesmo tempo que defendíamos outras questões como
desarmamento e, principalmente, nosso acesso às conquistas tecnológicas,
além de igualdade de condições entre os signatários.
É querer muito? Não. O diferencial é que esses devem ser os termos de
discussão de um país preocupado em preservar seus interesses, para
continuar soberano.
É oportuno lembrar que o programa nuclear brasileiro não se reduz à
produção de combustível. São notáveis suas aplicações na área médica,
seja com vistas a diagnóstico, seja com vistas à terapia (radioterapia e
braquiterapia; biotecnologia, irradiação de materiais biológicos); no
meio ambiente, na indústria, na agricultura e irradiação de alimentos,
nas indústrias do petróleo e do papel e na siderurgia, no beneficiamento
de gemas, esterilização de materiais e no melhoramento genético e
controle de pragas, nas áreas de materiais, processos físicos, químicos e
tecnologia de suporte.
E, por fim, é fundamental o aproveitamento do urânio para a geração
de energia elétrica, como fonte complementar às hidrelétricas e em
substituição às fontes fósseis (petróleo e carvão), caras e poluentes.
Até porque as hidrelétricas, independentemente das delimitações impostas
pelo regime das chuvas (acabamos de viver ameaças de ‘apagões’),
enfrentam crescentes restrições ambientais as quais, por exemplo, estão
determinando hidrelétricas a fio-d’água, isto é, sem reservatórios,
donde a necessidade de o Estado investir em alternativas.
Trata-se, portanto, o nuclear, de programa estratégico, que decide hoje o futuro do país.
Carta Capital
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