O que está por trás da maneira como as Organizações Globo cobrem o caso Chávez.
Noto, nas redes sociais, revolta contra a maneira como a Globo vem cobrindo o caso Chávez.
Estaria havendo um golpe na Venezuela, segundo a Globo.
Não existe razão para surpresa. Inimaginável seria a Globo apoiar
qualquer tipo de causa popular. Acaba de sair uma pesquisa segundo a
qual quase 70% dos venezuelanos aprovam a postergação do juramento de
Chávez, e mais de 60% estão satisfeitos com o grau de informação oficial
sobre seu estado clínico.
Mas esse tipo de coisa você não saberá em nenhum veículo da Globo, e muito menos em seus colunistas.
Chávez e Globo têm um história de beligerância explícita. Ambos
defendem interesses antagônicos com paixão, com ênfase, com clareza.
Se estivéssemos na França de 1789, a Globo defenderia a Bastilha e
Chávez seria um jacobino. Em vez de recitar Bolívar, ele repetiria
Rousseau.
Chávez cometeu um crime mortal para a Globo: não renovou a concessão
de uma emissora que tramara sua queda. Veja: um grupo empresarial usara
algo que ganhara do Estado — a concessão para um canal de tevê — para
tentar derrubar o presidente que o povo elegera. Chávez fez o que tinha
que fazer. E o que ele fez é o maior pesadelo das Organizações Globo: a
ruptura da concessão.
Há uma cena clássica que registra a hostilidade entre Chávez e a
Globo. Foi, felizmente, registrada pelas câmaras. É um documento
histórico. Você pode vê-la no pé deste artigo.
Chávez está dando uma coletiva, e um repórter ganha a palavra para
uma pergunta. É um brasileiro, e trabalha na Globo. Fala num espanhol
decente, e depois de se apresentar interroga Chávez sobre supostas
agressões à liberdade de expressão.
Toca, especificamente, numa multa aplicada a um jornalista pela justiça venezuelana.
Chávez ouve pacientemente. No meio da longa questão, ele indaga se o
jornalista já concluiu a pergunta. E depois diz: “Sei que você veio aqui
com uma missão e, se não a cumprir, vai ser demitido. Não adianta eu
sugerir a você que visite determinados lugares ou fale com certas
pessoas, porque você vai ter que fazer o que esperam que você faça.”
Quem conhece os bastidores do jornalismo sabe que quando um repórter
da Globo, vai para a Venezuela a pauta já está pronta. É só preencher os
brancos. Não existe uma genuína investigação. A condenação da
reportagem já está estabelecida antes que a pauta seja passada ao
repórter.
Lamento se isso desilude os ingênuos que acreditam em objetividade
jornalística brasileira, mas a vida é o que é. Na BBC, o repórter
poderia de fato narrar o que viu. Na Globo, vai confirmar o que o seu
chefe lhe disse. É uma viagem, a rigor, inútil: serve apenas para
chancelar, aspas, a paulada que será dada.
“Como cidadão latino-americano, você é bem-vindo”, diz Chávez ao repórter da Globo. “Como representante da Globo, não.”
Chávez lembrou coisas óbvias: o quanto a Globo esteve envolvida em
coisas nocivas ao povo brasileiro, como a derrubada de João Goulart e a
instalação de uma ditadura militar em 1964.
Essa ditadura, patrocinada pela Globo, tornou o Brasil um dos
campeões mundiais em iniquidade social. Conquistas trabalhistas foram
pilhadas, como a estabilidade no emprego, e os trabalhadores ficaram
impedidos de reagir porque foi proibida pelos ditadores sua única arma –
a greve.
Não vou falar na destruição do ensino público de qualidade pela
ditadura, uma obra que ceifou uma das mais eficientes escadas de
mobilidade social. Também não vou falar nas torturas e assassinatos dos
que se insurgiram contra o golpe.
Chávez, na coletiva, acusou a Globo de servir aos interesses americanos.
Aí tenho para mim que ele errou parcialmente.
A Globo, ao longo de sua história, colocou sempre à frente não os
interesses americanos – mas os seus próprios, confundidos, na retórica,
com o interesse público, aspas.
Tem sido bem sucedida nisso.
O Brasil tem milhões de favelados, milhões de pessoas atiradas na
pobreza porque lhes foi negado ensino digno, milhões de crianças
nascidas e crescidas sem coisas como água encanada.
Mas a família Marinho, antes com Roberto Marinho e agora com seus três filhos, está no topo da lista de bilionários do Brasil.
Roberto Marinho se dizia “condenado ao sucesso”. O que ele não disse é
que para que isso ocorresse uma quantidade vergonhosa de brasileiros
seria condenada à miséria.
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