Operação de guerra para tirar as pessoas de Pinheirinho
Você tem uma ideia de quanto o mídia brasileira é ruim quando vê um documentário como “Derrubaram o Pinheirinho”, de Fabiano Amorim, um jovem e talentoso idealista alagoano nascido em Palmeira dos Índios e residente em Maceió.
Sem orçamentos remotamente parecidos com os das grandes empresas
jornalísticas, Amorim conta magistralmente em 85 minutos a história de
Pinheirinho, o bairro improvisado no qual moravam 6 000 sem teto em São
José dos Campos.
O documentário chega quando completa um ano a brutal desocupação do
terreno por forças policiais do governo paulista e da prefeitura de São
José.
Venceu, ali, a infâmia — e também o poder de influência do dono do
terreno, Naji Nahas, um empresário de duvidosa lisura que se revezou por
muito tempo entre as colunas sociais, as seções de economia e as
páginas policiais.
Nahas era o dono de um terreno abandonado em São José no qual se
estabeleceram brasileiros que jamais chegaram a ser incluídos por
governo nenhum – municipal, estadual ou federal.
Nahas estava quebrado, depois de ter sido condenado por trapaças na
extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. O terreno fazia parte da
massa falida quando foi ocupado.
Você vê no documentário de Amorim o capricho com que as pessoas cuidaram do bairro que
fizeram sozinhas. Tudo foi medido, do tamanho dos lotes até a extensão e
largura das ruas. À medida que o tempo foi passando, o material das
casas melhorou, sem nenhum recurso público.
Nahas entrou na justiça com um pedido de reintegração. Depois de uma
série de idas e vindas judiciais, acabou vencendo graças a uma decisão
da juíza Márcia Loureiro que ajuda a entender por que os brasileiros têm
em tão baixa conta a justiça brasileira.
Os moradores de Pinheirinho sempre estiveram sozinhos, acompanhados de uns poucos ativistas abnegados.
A prefeitura tucana de São José não olhou por eles, e nem o governo
igualmente tucano do estado – e tampouco a presidência petista. No seu
documentário, Amorim mostra que o governo federal poderia ter comprado o
terreno e regularizado a situação. Mas acabou também se omitindo,
primeiro sob Lula e depois sob Dilma.
Uma presidência não pode cuidar de tudo, é verdade. Mas não dar
atenção máxima, em situação de emergência, à situação dramática de 6 000
excluídos é simplesmente intolerável para um partido cuja bandeira é a
justiça social.
O fim de Pinheirinho é conhecido muito mais pela internet do que pela
mídia. Uma operação de guerra destruiu o acampamento. Retiradas as
pessoas, tratores devastaram as casas. As imagens são perturbadoras, e
são uma amostra indelével da chocante da abjeta iniquidade social
brasileira.
Amorim teve a virtude contar o caso cartesianamente, pedagogicamente –
com uma clareza e uma profundidade não vista na mídia brasileira.
Também controlou o tom: a narrativa é sóbria mesmo quando aparecem
crianças que contam como viram as casas em que moravam ser destruídas
por tratores com seus brinquedos dentro.
Ele fez uma coisa que ninguém fez: foi ver o que aconteceu com os
deslojados. As casas prometidas não saíram do papel. O auxílio para
aluguel se revelou insuficiente para que fosse encontrado um novo teto.
Naji Nahas, reintegrado na posse, não fez nada com o terreno. Sequer o
limpou, Foi a prefeitura local que providenciou a limpeza, depois de
sucessivas multas a Nahas que jamais foram pagas.
A vida piorou para os brasileiros e os brasileirinhos – eram muitos, nascidos lá mesmo – de Pinheirinho.
Se houve alguma justiça poética, o PSDB perdeu a prefeitura de São
José nas eleições de 2012. Alckmin provavelmente terá que encontrar boas
explicações sobre sua (patética) atuação no episódio para não ser
retirado do Palácio dos Bandeirantes nas eleições de 2014.
“Não tolerem nem a riqueza extrema e nem a pobreza extrema”, ensinou no século 18 Rousseau, o inspirador da Revolução Francesa.
Pinheirinho é uma lembrança dolorida de que nós, brasileiros, jamais aprendemos esta lição simples, virtuosa, vital de Rousseau.
Diário do Centro do Mundo
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