segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Judiciário sem freio


Por Maurício Dias

O esforço do Supremo Tribunal Federal para impor à Câmara dos Deputados a decisão final sobre a cassação dos parlamentares condenados na Ação 470, o chamado “mensalão” petista, é a causa mais aguda e temerária daquilo que os acadêmicos costumam chamar de “judicialização da política”.
Se essa questão gerou uma crise institucional entre o Judiciário e o Legislativo, contida e ainda não resolvida, ela promove também um avanço da intromissão pessoal dos magistrados em causas menores em outras instituições, em iniciativas controvertidas, para dizer o mínimo, como a que é patrocinada agora por Luiz Fux.
Do barulho. Fux, Fischer e Mello, especialistas em nepotismo. Fotos: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF, Renato Araújo/ ABr e Nelson Jr./ SCO/ STF
Do barulho. Fux, Fischer e Mello, especialistas em nepotismo. Fotos: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF, Renato Araújo/ ABr e Nelson Jr./ SCO/ STF

O peso da toga de ministro do STF causou grande constrangimento na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio de Janeiro, para onde ele telefonou e falou com os atuais e com os ex-dirigentes da entidade. Pediu a inclusão do nome da filha dele, Marianna, uma jovem advogada de 31 anos, na lista a ser feita pela OAB para preencher vaga de desembargador, no Tribunal de Justiça do Estado, pelo Quinto Constitucional da advocacia.
A vaga será aberta em julho. O ministro, no entanto, trabalha desde já. Parece repetir, em nome da filha, o padrão usado em benefício próprio quando buscou a vaga no STF: a conquista a qualquer preço.
O ritual oficial é comum. A OAB faz uma lista sêxtupla que é encaminhada ao Tribunal de Justiça. Os desembargadores cortam três nomes e enviam lista tríplice para o governador do estado. Ele faz a escolha.
É preciso lembrar que Sérgio Cabral jogou forte na indicação de Fux ao STF. Por coincidência, dessas que os cristãos costumam atribuir a desígnios divinos, Fux favoreceu o Rio de Janeiro em liminar que interferiu na pauta da Câmara. A decisão do ministro suspendeu a votação sobre os vetos feitos por Dilma à Lei dos Royalties. Eles seriam derrubados pelos deputados e isso prejudicaria o Rio.
Iniciativas em causa própria, como faz Fux, geram espanto e mancham a toga. E, mais grave, denunciam uma prática utilizada nos tribunais corriqueiramente.
Tarefa semelhante à de Fux tem, também, Felix Fischer, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele batalha para incluir o filho, Octávio, na lista do Quinto da OAB do Paraná. Para isso, também pressiona os dirigentes daquela seccional da OAB.
Do STF ao STJ. Do STJ de volta ao STF.
A filha do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, foi incluída, no fim de 2012, na lista do Quinto, nesse caso elaborada pelo Conselho Federal da OAB. Ela busca a vaga de desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, no Rio de Janeiro. A escolha será da presidenta Dilma Rousseff.

Em 1998, Carlos Eduardo Moreira Alves, filho do ministro José Carlos Moreira Alves, hoje aposentado, tomou posse como Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pelo atalho de sempre, o Quinto Constitucional. Foi indicado em lista sêxtupla pelo Ministério Público Federal e, em lista quádrupla, pelo TRF – 1ª Região.
Vista de certo ângulo, a árvore que retrata a Justiça brasileira se assemelha a uma árvore genealógica. A inadequada intromissão dos pais togados citados aqui, seguramente, mostra a falência do sistema de escolha. E isso, neste momento em que o Judiciário perdeu o freio de contenção, revigora a observação do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1616), que, aqui, é oferecido à meditação do Congresso Nacional: “Os juízes são leões, mas leões sob o trono em que se assenta o Poder Político”.


Andante Nosso
Estilo. Gurgel parece adepto das tocaias. Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF
Estilo. Gurgel parece adepto das tocaias. Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF

Tocaia em Minas I  
Os movimentos do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, são demoradamente calculados, como ocorreu agora com a ação contra Lula. A base da decisão de Gurgel é a certeza de que a denúncia está preclusa.
Assim, a tentativa de envolver o ex-presidente no “mensalão” não foi empurrada para Minas Gerais pelo fato de ser QG das operações de Marcos Valério. Essa decisão passa por suposto conflito entre Gurgel e José Adércio Leite, secretário-geral do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), oriundo de Minas Gerais, onde mantém residência e ocupou a função de procurador-chefe da República.

Tocaia em Minas II  
Adércio pediu remoção para Minas e Gurgel negou. Ele, então, contestou a recusa no Supremo Tribunal Federal (STF). Inexplicavelmente, porém, por causa do conflito, Gurgel manteve Adércio na função no CNMP.
Em Minas, onde Adércio opera politicamente, o Ministério Público deve oferecer denúncia contra Lula, mas na Justiça Federal será declarada a preclusão da ação. Caberá, no entanto, recurso ao Tribunal Regional Federal, em Brasília.
Esse movimento contra Lula criará constrangimento ao sucessor de Gurgel, em agosto, e talvez seja a última tentativa do procurador-geral de influir na escolha do sucessor dele. O modo de Roberto Gurgel operar lembra as tocaias no sertão mineiro.

Vale-tudo  
Jeferson Coelho, Corregedor Nacional do Ministério Público (CNMP), sugeriu a suspensão de Demóstenes Torres, por 60 dias, das funções de procurador de Justiça de Goiás. Há quem aposte que a decisão não será mantida.
A punição de Demóstenes não diz quando a suspensão começa ou quando acaba. Além disso, a Lei Orgânica do Ministério Público de Goiás não admite que procuradores vitalícios sejam suspensos preventivamente.
Apesar de tudo que fez e prometeu fazer, o ex-senador ainda tem direitos.

Bola de cristal  
Às vésperas da escolha do substituto do ministro Cezar Peluso no STF, foi publicada uma lista com 12 nomes, da qual sairia a escolha de Dilma. O nome de Teori Zavascki, o escolhido, não constava da relação. Agora, o colunista corre  risco mais delicado e faz um rol de apenas dois nomes: José Roberto Barroso, advogado constitucionalista que tem no arquivo carta de apoio de Raymundo Faoro dirigida a Lula, quando presidia o País, e Eugênio Aragão, subprocurador-geral da República que não frequenta reuniões do procurador-geral Roberto Gurgel.
Barão de Itararé. "O homem primitivo era udenista". Foto: Helena Torelly
Barão de Itararé. “O homem primitivo era udenista”. Foto: Helena Torelly

Reencarnação do udenismo  
Os tucanos reagiram ao discurso de Dilma, em cadeia de rádio e tevê, contra o pessimismo exagerado da oposição à redução da tarifa de energia. Sérgio Guerra, presidente do PSDB, acusou a presidenta de romper a barreira democrática revivendo a divisa da UDN de que a eterna vigilância era o preço da liberdade.
Esse alerta, refrão conservador dos anos 1950, levou o Barão de Itararé a uma dedução: o sono era conquista recente. O selvagem, sem meios de defesa, permanecia insone para se proteger das feras. E concluiu: “O homem primitivo era udenista”.
 

Togados: A escolha
Além da indicação para uma vaga no STF, salvo incidentes, a última que fará até 2014, a presidenta Dilma Rousseff começa o terceiro ano de governo com três vagas para preencher no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda instituição em importância política na hierarquia do Judiciário brasileiro.
No momento, Dilma tem à disposição as vagas abertas no STJ com as aposentadorias dos ministros Cesar Asfor Rocha, Massami Uyeda e, a terceira, com a cadeira vazia do ministro Teori Zavascki, alçado ao STF. A presidenta talvez seja forçada a descascar mais tarefas espinhosas desse tipo.
Especula-se sobre a aposentadoria antecipada de dois ministros. Um deles é o enaltecido vice-presidente do STJ, Gilson Dipp, internado há quatro meses em São Paulo, com problemas de saúde. O outro é o ministro Ari Pargendler, que fala em renúncia.
Esse é o tema preferido dos cochichos nas salas, antessalas e corredores do Judiciário. Neles variam os bons e os maus anseios. Felizmente, até agora, não há registro de propostas
de envenenamento do cafezinho dos adversários.


Carta Capital

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