Yoani Sanchez, a blogueira cubana, recebe uma cobertura enorme da
mídia brasileira e internacional por uma razão: ela critica Cuba.
Por isso ela será tratada como estrela pop na turnê mundial que
começa agora, entre os brasileiros. (O governo cubano deu uma absurda
contribuição à aura de ‘martírio’ de Yoani com sua indefensável política
restritiva para viagens e para o livre debate político, mas isto é
outro assunto.)
No Brasil, sabemos que escrever contra Lula encurta o caminho rumo a
colunas no Globo, na Veja, no Estadão e na Folha. Ou a participações na
CBN e na Globonews, e assim a vida caminha.
No mundo, escrever contra Cuba, ainda mais se você é cubano e ainda
mais se você vive lá, como Yoani, é garantia de ampla cobertura da mídia
americana, cuja repercussão é planetária.
Ao longo dos anos, esse tipo de conteúdo serviu aos interesses
americanos de fazer propaganda contra qualquer coisa parecida com
socialismo.
Ajudou também a dar argumentos, perante a opinião pública mundial,
para que os Estados Unidos mantivessem um abjeto bloqueio econômico que
impediu Cuba de se desenvolver desde a Revolução de Fidel.
Essa propaganda serviu também de apoio às inúmeras tentativas que os
Estados Unidos fizeram de matar Fidel e de tornar Cuba outra vez um
quintal americano encostado em Miami — ou um bordel, como era antes.
O que teria sido de Cuba sem a impiedosa perseguição americana?
Os Estados Unidos descobriram, nos anos 1950, a receita de golpes no
exterior. Propaganda para desestabilizar regimes, e depois a presença
nas sombras da CIA.
A receita funcionou na Guatemala e no Irã. Na Guatemala, o presidente
progressista Jacobo Arbens foi sabotado por ter desapropriado terras
(não cultivadas) de uma empresa americana que produzia bananas, a United
Fruits. Arbens queria melhorar a vida de camponeses miseráveis.
Os americanos o tacharam de comunista por meio de aliados na mídia,
financiaram um exército de mercenários sob o comando de um general
assassino exilado em Honduras e acabaram derrubando Arbens.
Nasciam assim as Repúblicas das Bananas.
Num documentário, lembro a cena de Nixon, então vice-presidente,
saudando diante das câmaras de televisão o general. “Pela primeira vez
na história, um povo derruba um governo comunista”, disse Nixon.
O povo guatemalteco nada tivera a ver com o golpe. Foi mais uma das
múltiplas mentiras contadas por Nixon em sua vitoriosa carreira.
Vale a pena uma pausa para ver Nixon em ação, logo no início do documentário.
A mesma receita foi aplicada no Irã do
progressista Mossadegh, com os mesmos resultados. Num livro sobre o
golpe no Irã do renomado jornalista investigativo americano Stephen
Kinzer, ele ouviu um agente da CIA que, naqueles dias, era pago para
escrever artigos anti-Mossadegh que eram imediatamente publicados na
imprensa iraniana conservadora.
Dois sucessos não levam necessariamente a três.
Os americanos usaram a mesma tática para derrubar Fidel, e sofreram
uma avassaladora derrota no episódio que passou para a história como a
Invasão da Baía dos Porcos.
O povo cubano, mais que o próprio regime de Fidel, rechaçou os
americanos. Os cubanos foram mais firmes que os guatemaltecos e os
iranianos – provavelmente porque conhecessem muito bem os reais
interesses dos Estados Unidos por trás do discurso de campeões do mundo
livre.
Nos últimos anos, você recebe tratamento heroico dos Estados Unidos
se falar mal do islamismo, ainda mais se for oriundo do universo
muçulmano.
O melhor exemplo disso é a somali Ayaan Hirsi Ali, que ganha a vida
nos Estados Unidos dando pancadas no Islã. Ayaan, antes de terminar nos
Estados Unidos, viveu como refugiada na Holanda. Lá, convenceu um
descendente de Van Gogh a fazer um filme antiislâmico e o resultado é
que o pobre Van Gogh foi morto por um radical. Ficou pesado o ar para
ela na Holanda e então os Estados Unidos a receberam com tratamento vip.
Yoani e Ayaan são casos parecidos, filhas da mesma lógica.
O maior mérito de ambas é falar o que os americanos querem que seja
falado. São, para usar a expressão de Boff, escaravelhas internacionais.
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