Ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu fala pela
primeira vez sobre o livro "Dirceu", escrito pelo jornalista Otávio
Cabral, de Veja. "Fui vítima – isso mesmo, vítima – de uma das piores
biografias recentemente publicadas", diz ele. "Não foi autorizada, porém
o mais grave não é o fato de ter sido produzida à revelia, mas sim o de
oferecer aos leitores um livro repleto de erros – graves e em dezenas
–, inverdades, impropriedades e com trechos de pura ficção". Apesar
disso, ele afirma ser contrário à proibição defendida por artistas, mas
condena o que chama de "intolerância" da mídia ao debate, citando ainda
uma capa recente de Veja que apontou Caetano, Chico, Gil e Roberto
Carlos como censores
30 de Outubro de 2013
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Pela primeira vez, o ex-ministro José Dirceu falou sobre o livro
"Dirceu", escrito pelo jornalista Otávio Cabral, editor de Veja. Segundo
ele, trata-se uma obra repleta "erros", "impropriedades" e
"inverdades". Ou seja, uma obra de ficção, apresentada como biogafia não
autorizada.
No entanto, apesar das
supostas falhas do livro, Dirceu se coloca contra a restrição,
defendida por alguns artistas, a biografias não autorizadas. "Em nenhum
momento cogitei proibir sua publicação porque acredito e aposto na
liberdade de expressão em regime democrático", diz ele.
O que não significa
que Dirceu se coloque contra o debate relacionado ao tema privacidade
versus liberdade de expressão. Segundo ele, há uma intolerância dos
meios de comunicação, que se mostram refratários a qualquer tipo de
regulação.
Leia abaixo seu artigo publicado na Folha:
Entre tapas e beijos
A crítica feroz
ao Procure Saber se traduz, na prática, como o medo atávico de nossa
mídia a qualquer proposta que signifique regulação.
Fiquei estarrecido --e sei que não
deveria-- com a agressividade da resposta de grande parte da mídia e
mesmo de alguns biógrafos às propostas apresentadas por artistas do
Procure Saber no debate sobre as biografias sem autorização.
Embora me espante com o ataque, sou
contra a bandeira levantada pelo grupo porque acredito que o direito à
liberdade de expressão e o veto a qualquer forma de censura de natureza
política, ideológica ou artística, como diz claramente o artigo 220 da
Constituição, é um bem maior que se sobrepõe à interpretação de proteção
à privacidade do cidadão comum estabelecida pela reforma do Código
Civil, em 2001.
Sabemos que artistas e políticos, ao
assumirem tais papeis de destaque em sociedades democráticas, abdicam
de seu direito à privacidade absoluta.
A crítica à causa do Procure Saber
deve, portanto, ficar restrita à saudável esfera do debate das ideias. O
que se viu nos últimos dias foi uma reação de intolerância e, como se
dizia antigamente, de muita patrulha ideológica, na imprensa e nas redes
sociais.
Exemplo maior é a reportagem de capa da revista "Veja" sobre o tema na semana passada.
Fui vítima --isso mesmo, vítima-- de
uma das piores biografias recentemente publicadas. Mas nada me anima a
ser favorável à atual proibição inscrita no nosso Código Civil que exige
autorização do retratado e da família.
A "biografia" escrita sobre mim é um
bom exemplo para o debate em questão. Não foi autorizada, porém o mais
grave não é o fato de ter sido produzida à revelia, mas sim o de
oferecer aos leitores um livro repleto de erros --graves e em dezenas--,
inverdades, impropriedades e com trechos de pura ficção.
Do primeiro ao último capítulo,
lê-se uma história que não condiz com a verdade. Jornalistas e críticos a
debateram, alguns enaltecendo, outros criticando.
Em nenhum momento cogitei proibir
sua publicação porque acredito e aposto na liberdade de expressão em
regime democrático. Por ela lutei toda a minha vida e ainda luto.
Acredito no debate de ideias e no contraditório. Acredito na lei e na
justiça. Por ela luto e lutarei sempre.
Mas é preciso garantir tanto a
liberdade de expressão quanto a reparação em caso de ofensa. Deve-se
garantir plena isonomia entre o direito de publicar biografias e o
direito de resposta e proteção à honra --o que em boa hora a Câmara dos
Deputados parece fazer no debate do projeto do deputado do meu partido
Newton Lima (SP) que libera biografias sem autorização.
No Brasil, a Justiça não é nada cega
em se tratando de mídia e é raro se observar a garantia ao direito de
resposta. O receio do Judiciário de colocar uma empresa de comunicação
no banco dos réus se torna ainda mais latente em tempos de exibição pela
TV dos julgamentos da suprema corte. Os processos de reparação não
andam e raramente um jornal ou uma revista é condenado, assegurando o
direito de resposta a quem teve sua honra ameaçada em reportagens
tendenciosas.
Mais uma vez cito o meu próprio
caso, na invasão de meu apartamento residencial em um hotel de Brasília
por um jornalista de "Veja". Ele não foi acusado formalmente, apesar de
réu confesso, sob o argumento de que a camareira impediu que o crime se
consumasse. Imagine se fosse o contrário: eu tentando invadir o
apartamento de um jornalista?
No caso das biografias não
autorizadas, é preciso deixar a patrulha ideológica de lado e
privilegiar o debate com o objetivo de assegurar o pleno cumprimento do
Estado democrático de Direito.
O veto às biografias é, antes da
defesa da privacidade do biografado, uma censura velada à liberdade de
expressão, conquista que a sociedade brasileira alcançou depois de anos
de regime militar.
Esse é o debate que deve ser feito. É
preciso entender que a crítica feroz ao Procure Saber se traduz, na
prática, como o medo atávico de nossa mídia a qualquer proposta que
signifique regulação, sob o argumento falso de que seria censura e
controle da informação. Dessa forma, ela fica livre para atacar a honra
alheia, sem direito de resposta e proteção da imagem, como manda a
Constituição de 1988, no mesmo nível de proteção da liberdade de
imprensa e de informação.