Em nota sobre o caso Alstom, Ministério
Público Federal atribui a uma "falha administrativa" o erro que
permitiu o arquivamento de investigação contra personagens ligados ao
PSDB acusados de distribuir e receber propinas da Alstom em São Paulo;
texto, no entanto, é cuidadoso, para não dar margem a acusações de
prevaricação contra o procurador Rodrigo de Grandis, responsável pelo
caso; reportagem do portal Conjur o acusa de ter "gaveta profunda"
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É delicada, no Ministério Público Federal, a situação do procurador
Rodrigo de Grandis, que esteve encarregado de tocar as investigações
sobre o caso Alstom, em São Paulo. Uma suposta "falha administrativa",
ocorrida em seu gabinete, permitiu que parte relevante do caso fosse
arquivada na Suíça.
Diante do vexame internacional, que levanta também a suspeita de prevaricação da Procuradoria no caso (leia mais aqui), o Ministério Público divulgou nota ontem à noite a respeito. Leia abaixo:
28/10/13 - NOTA DE ESCLARECIMENTO - CASO ALSTOM
Em
relação à cooperação internacional entre o Ministério Público Federal
em São Paulo e o Ministério Público da Suíça no Caso Alstom, o
Ministério Público Federal esclarece que:
A
Procuradoria da República em São Paulo cumpriu as diligências que
constavam do pedido originário do MP suíço. O pedido chegou ao MPF em
maio de 2010, e ainda naquele mês tiveram início as oitivas dos
investigados solicitadas pelas autoridades estrangeiras.
Com
relação a diligências suplementares pedidas pelo MP suíço, informamos
que, segundo apurado até o momento, em razão de uma falha
administrativa, um pedido suplementar de diligências enviado pelas
autoridades suíças em 2011, deixou de ser atendido até o momento uma vez
que foi arquivado erroneamente em uma pasta de documentos auxiliares,
quando deveria ser juntado ao processo de cooperação internacional
principal.
Ainda
cumpre informar que o MPF já comunicou o ocorrido a todas as
autoridades diretamente interessadas na investigação, inclusive ao
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI).
Vale
ressaltar, por fim, que ainda existe investigação em andamento sobre o
caso e que o Ministério Público Federal não recebeu comunicação formal
das autoridades suíças no sentido de arquivamento das investigações
naquele país.
O texto é cauteloso.
Aponta erro humano e sinaliza que novas providências relacionadas ao
caso poderão ser tomadas. Especialmente porque, se ficasse comprovada a
prevaricação, De Grandis poderia ser punido pelo Conselho Nacional do
Ministério Público.
Eis o que diz a lei brasileira sobre o crime de prevaricação:
Código
Penal – Prevaricação (art. 319): Retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa
de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Lei
8429/92 – Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que
atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade,
e lealdade às instituições, e notadamente:
(…) II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
Regimento
Interno do CNMP – Art. 82. A representação contra membro do Ministério
Público por inércia ou excesso injustificado de prazo na realização de
atos processuais ou administrativos poderá ser formulada por
Conselheiro, de ofício, ou por qualquer interessado.
Sob pressão, Rodrigo de Grandis foi rotulado como "gaveta profunda" pelo portal Consultor Jurídico. Leia abaixo:
GAVETA PROFUNDA
Caso Alstom exemplifica falhas já conhecidas de procurador
O arquivamento de parte
do inquérito que investiga os negócios da companhia francesa Alstom no
Brasil não é o primeiro exemplo de falta de cooperação do procurador da
República Rodrigo De Grandis com uma investigação. Sentença judicial e o
advogado Renê Ariel Dotti apontam o procurador como um dos responsáveis
pela falta de conclusão das apurações sobre as ilegalidades da
famigerada operação satiagraha, que hoje aguarda julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal.
A desistência de parte do inquérito no caso Alstom foi noticiada pela Folha de S.Paulo
no dia 26 de outubro. O motivo foi que, mesmo depois de intimado, o
Ministério Público Federal em São Paulo não prestou as informações
pedidas pelo Ministério Público da Suíça. Rodrigo De Grandis (foto),
responsável pelas apurações no Brasil, disse ter havido “falha
técnica”: os documentos teriam sido catalogados na gaveta errada.
Já no caso da
satiagraha, além de documentos engavetados, houve ainda falta de ação e
ações pela metade por parte do procurador, que é acusado de tomar
depoimentos e não incluí-los no processo.
A satiagraha é a mais
célebre megaoperação da Polícia Federal. Investigou crimes financeiros
supostamente cometidos pelo banco de investimentos Opportunity e seus
donos, Daniel Dantas e Dório Ferman. Decorreu da chamada operação
chacal, que investigou crimes de espionagem industrial, também imputados
a Dantas, durante a disputa pelo controle acionário da Brasil Telecom. A
interessada em assumir o controle, que pertencia ao Opportunity Fund,
presidido por Dantas, era a Telecom Italia.
De Grandis era o
responsável pelo inquérito da satiagraha e, depois, pela ação penal que
dela decorreu. A operação foi derrubada pelo Superior Tribunal de
Justiça. Ficou descoberto que o delegado da PF responsável pelas
apurações, Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB de São
Paulo), contratou, ilegalmente, agentes da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) para “ajudar” nas apurações. Aplicou-se a teoria dos
frutos da árvore envenenada: se as provas foram colhidas de maneira
ilegal, toda a operação está contaminada.
A atuação de De Grandis é
questionada em diversos momentos das apurações da satiagraha. A mais
contundente das reclamações é feita pelo professor e criminalista Renê
Ariel Dotti, que, em petição, acusa o procurador de ter interrogado mal
uma testemunha e depois ter se recusado a mostrar o resultado do
questionamento à defesa. De Grandis foi procurado pela revista Consultor Jurídicopara responder às acusações feitas por Dotti, mas não respondeu às solicitações de pronunciamento.
Visita por engano
Durante as investigações da satiagraha, a PF fez uma diligência na sede da Angra Partners, sucessora do Opportunity no fundo de investimentos que controlava a BrT, o Opportunity Fund. Nessa visita de busca e apreensão, foram apreendidos diversos discos rígidos, computadores e uma agenda, em que o presidente do Angra, Alberto Guth, fez anotações.
Essas notas insinuavam o
pagamento em dinheiro a pessoas envolvidas no episódio, e até de juízes
e ministros. Mas são apenas insinuações, sem provas concretas. E em
busca de provas, Rodrigo De Grandis inquiriu Guth, supostamente a fim de
saber o que aquelas anotações queriam dizer.
No entanto, conforme
petição entregue pela defesa de Dantas ao STF no inquérito que apura a
motivação da satiagraha, “o que deveria se constituir em interrogatório
transmudou-se em declaração epidérmica”. O documento, assinado por Renê
Ariel Dotti, afirma que o resultado do questionário “denota o interesse
do procurador de não perquirir fatos com prováveis características de
crime”.
“A oitiva enrubesce quem
a lê, dada a superficialidade. Não se questionou sobre a corrupção de
autoridades indicada nos manuscritos, cujo teor poderia suscitar
pesquisa da verdade material. E pior, o procurador não instaurou
procedimento investigatório, nem, ao que consta, tomou qualquer
providência em relação a esse termo de declarações, mantendo-o oculto”,
diz a petição, entregue ao STF em março deste ano.
Renê Dotti afirma, ao
contrário, que “grande foi seu esforço” para que a defesa de Dantas
jamais tivesse acesso ao depoimento de Guth. No fim de 2011, o Supremo
proferiu liminar garantindo a Daniel Dantas o acesso às provas colhidas
pela PF durante a diligência na Angra Partners. Diante disso, houve
receio de que a PF se movimentaria para atraplhar o acesso a esses HDs e
computadores.
Por isso, as
Procuradorias Regionais da República no Rio de Janeiro, Brasília e São
Paulo (onde trabalha De Grandis) foram intimadas para informar aos
advogados de Daniel Dantas e Dorio Ferman se havia algum procedimento
administrativo criminal relacionado ao caso. Rio e Brasília, segundo
Dotti, prontamente responderam. De Grandis, não.
Diante da desídia na
resposta à solicitação feita, passados mais de quatro meses sem qualquer
resposta, Dório Ferman impetrou Mandado de Segurança perante o TRF-3 em
face do procurador Rodrigo De Grandis. "Somente com a prestação de
informações pela autoridade coatora foi que o recorrente viu confirmada a
informação sobre a realização da dita oitiva".
Apuração do método
A atuação do hoje deputado Protógenes Queiroz na operação satiagraha rendeu-lhe uma condenação por fraude processual e violação de sigilo profissional, conforme sentença do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Crimnal de São Paulo.
Na sentença, Mazloum
afirma que “o caso é emblemático”, pois representa “a apuração de um
método”, descrito pelo próprio juiz: monitoramento clandestino,
participação da Abin, “sérios indícios de infiltração de interesses
privados na investigação oficial” e espionagem de autoridades. A
conclusão de Mazloum é que Protógenes procedeu dessa forma porque tinha
pretensões eleitorais, já que, entre os grampeados, estavam diversas
autoridades ligadas a diversos partidos.
O que chamou a atenção
de Ali Mazloum no caso foi o “completo esvaziamento da investigação”
pelo Ministério Público. “O MPF nem ao menos quis investigar a ilegal
participação da Abin na realização de funções exclusivas da Polícia
Judiciária. Particulares, agentes (...) foram simplesmente deixados de
lado pelo MPF”, discorre o juiz na sentença.
Ainda está para ser
comprovada a atuação do empresário Luis Roberto Demarco, ex-empregado de
Dantas e concorrente no mercado de ações, na satiagraha. Os autos da
acusação de fraude e violação de sigilo de Protógenes constataram a
existência de mais de cem ligações entre o delegado e o empresário. Mas o
procurador Rodrigo De Grandis, à época, achou que essas provas não
deveriam ser levadas ao caso, também conforme a leitura da sentença de
Ali Mazloum.
Brasil 247
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