"Não há como tapar o sol com a peneira – há um
indiscutível consenso formado entre especialistas brasileiros e
estrangeiros em relação às fragilidades do cenário econômico e as
desconfianças geradas pela ação do governo em áreas diversas", diz o
senador tucano, sobre o relatório do Fundo Monetário Internacional, que
rebaixou o potencial de crescimento do País em razão da política fiscal;
para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o FMI foi "equivocado" e
"incoerente"; além disso, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior,
representante do Brasil no Fundo, faz a crítica à crítica do FMI; quem
tem razão?
247 -
A crítica do Fundo Monetário Internacional à economia brasileira,
rebaixando o potencial de crescimento do País, foi destacada pelo
senador Aécio Neves (PSDB-MG), presidenciável tucano, em sua coluna
desta segunda. Segundo ele, formou-se um "consenso" em relação aos
supostos erros da política fiscal. Antes, Aécio já havia participado de
um seminário em Nova York, apontando abalos na confiança internacional
em relação ao Brasil (leia aqui). Para o ministro Guido Mantega, da Fazenda, o FMI é "equivocado" e "incoerente" (leia aqui).
Abaixo, o artigo de Aécio:
Consenso
Mais uma vez não foi diferente. O
governo federal reagiu com desdém aos relatórios divulgados na última
semana pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e pela OCDE (Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), carregados de
advertências sobre a equivocada condução da política econômica em
vigência no país, como já vinham apontando as agências internacionais de
risco.
Essas análises, delineando um
cenário de dificuldades e incertezas à frente, apenas reproduzem os
alertas de muitos brasileiros --e não apenas das oposições. Sem
respostas para os problemas, a estratégia oficial é a de sempre:
desqualificar a crítica e o interlocutor, como se estivesse em curso um
verdadeiro complô contra o governo.
Trata-se da contumaz terceirização
de responsabilidade pelos problemas, que parecem nunca estar na órbita
de quem tem o dever de decidir e governar. A verdade é que o discurso
otimista das autoridades econômicas não corresponde aos fatos descritos
com riqueza de detalhes nos relatórios e muito menos nos indicadores da
economia brasileira.
A principal e mais grave conclusão é
a crescente deterioração das contas públicas e a utilização de recursos
que ficaram conhecidos como "contabilidade criativa", cuja face mais
visível é a promiscuidade das relações entre Tesouro Nacional, bancos
públicos e empresas estatais, no processo de fechamento de resultados
fiscais sem transparência e descolados da realidade.
Em vez de imaginar conspirações
fantasiosas e inimigos invisíveis, melhor seria que se reconhecesse a
existência dos problemas. Afinal, não haverá solução para distorções e
falhas graves como as atuais se, na órbita do governo, elas simplesmente
não existem.
A responsabilidade pela crônica
falta de planejamento governamental ou disfarçada leniência com a farra
dos gastos públicos e os desperdícios em série são intransferíveis.
Não há como tapar o sol com a
peneira --há um indiscutível consenso formado entre especialistas
brasileiros e estrangeiros em relação às fragilidades do cenário
econômico e as desconfianças geradas pela ação do governo em áreas
diversas.
A má gestão dos recursos públicos
tem impacto importante nos males que afligem a economia do Brasil, como
inflação elevada, a escalada das taxas de juros, o baixo nível de
investimentos, o fracasso do programa de concessões de obras de
infraestrutura e, como consequência desta sinergia, o baixo crescimento.
É fundamental que tenhamos a
compreensão do momento delicado porque passa o país e das decisões que
estão sendo tomadas, tanto quanto daquelas que estão sendo adiadas.
Ambas terão papel decisivo na vida dos brasileiros, nos próximos anos.
A crítica do FMI ao Brasil,
no entanto, foi contestada pelo economista Paulo Nogueira Batista
Júnior, representante brasileiro na instituição. Leia abaixo:
A crítica do FMI
Paulo Nogueira Batista Jr.
Teve repercussão a divulgação do
relatório anual do FMI sobre a economia brasileira. Entre as críticas
reproduzidas pelos jornais brasileiros destaca-se a de que estaria
ocorrendo deterioração das contas públicas e gradual erosão da política
fiscal.
Tem cabimento essa crítica? Um dos
principais argumentos dos técnicos do Fundo é a diminuição do superávit
primário nos anos recentes e os efeitos que isso teria no controle da
demanda agregada e na sustentabilidade da dívida governamental a médio e
longo prazos.
Deve-se reconhecer que essas
preocupações podem ser relevantes. Em determinadas circunstâncias, a
queda do superávit primário pode indicar que as políticas de gastos e
tributária estão excessivamente frouxas, ameaçando o controle da
inflação ou o equilíbrio das contas externas. Por outro lado, a queda do
superávit, combinada com uma carga elevada de juros, pode levar a um
déficit alto demais e ao rápido crescimento da dívida pública, ameaçando
a solvência do governo.
Mas não parece que essas preocupações
sejam centrais no caso atual do Brasil. A diminuição do superávit
primário é em parte cíclica, pois reflete o efeito adverso do baixo
crescimento da economia brasileira sobre a arrecadação de impostos.
Além disso, a política fiscal foi utilizada — de forma moderada — como
instrumento anticíclico em alguns períodos, para fazer face à
desaceleração da economia. Assim, certa redução do superávit é normal e
pode ser até bem-vinda.
O quadro fiscal está muito longe de
perfeito, é claro. Mas não se deve perder de vista que houve certo
fortalecimento das contas governamentais desde o início da década
passada. O déficit público é baixo para padrões internacionais, tendo se
reduzido de 5% do PIB em 2003 para 3% em 2013. A dívida pública iíqüida
caiu de 60% do PIB em 2002 para menos de 35% atualmente. A dívida bruta
— na definição discutível adotada pelo FMI — diminuiu de 80% para 68%
do PIB no mesmo período.
A discrepância entre a queda das
dívidas líquida e bruta se deve, em larga medida, à acumulação pelo
Brasil de reservas internacionais desde 2006. Reflete também as
transferências do Tesouro aos bancos públicos para financiamento dos
investimentos na economia brasileira.
A forma de cálculo adotada pelo FMI
tende a superestimar a dívida bruta, por incluir todos os títulos
públicos na carteira do Banco Central, inclusive aqueles que não são
usados em operações de absorção de liquidez e não representam passivos
junto ao público. A diferença em relação à metodologia adotada pelo
Banco Central desde 2008 é grande — o critério de cálculo do Fundo
superestima a dívida bruta em quase dez pontos de percentagem do PIB.
A economia brasileira tem, sem dúvida, muitos problemas. Mas a erosão da política fiscal não parece estar entre os principais.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário