A provável derrota de José Serra, para a prefeitura de São Paulo,
para o adversário Fernando Haddad e pelos seus próprios índices de
rejeição, marca simbolicamente o fim de uma era, a dele e de seu
padrinho FHC.
A grande questão pela frente é sobre quais bases se sustentará a política brasileira, o partido da situação e a oposição.
Nenhum partido que se pretende hegemônico, disputando o poder, se
constrói a partir do vazio de propostas. Os alicerces, a base central
são um conjunto de ideias sobre as quais se assentarão as primeiras
lideranças, os primeiros quadros, as primeiras bases sociais para depois
se expandir pelo país.
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Desde o século passado, na política brasileira, a formação de ideias
políticas se dava a partir dos grandes movimentos ocidentais, as grandes
ondas ora pendendo para o liberalismo financeiro, ora para a maior
participação do Estado.
Competia aos líderes políticos nacionais farejar os ventos externos e
adaptá-los aos movimentos internos, geradores de um pensamento
autônomo.
Embora fundamentalmente intuitivo, JK não prescindia do arcabouço
teórico dos nacionalistas do ISEB (Instituto Superior de Estudos
Brasileiros).
No final dos anos 80, Fernando Collor assimilou os conceitos do
tatcherismo, trouxe um discurso liberalizante mas temperado com
conceitos desenvolvidos internamente – desde a teoria da “integração
competitiva”, de Júlio Mourão, aos princípios de gestão e inovação.
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Quando FHC assumiu o poder, o PSDB dispunha dos seus isebianos, um
conjunto de pensadores capazes de dar racionalidade aos rumos da
liberalização.
Tudo foi deixado de lado pela falta de vontade crônica de FHC de
costurar um pensamento autônomo sequer, de adaptar os princípios do
neoliberalismo às condições brasileiras, de perceber os ventos que
sopravam os coqueiros daqui, não as nogueiras de lá.
Tivesse um mínimo de sensibilidade em relação ao mundo real
brasileiro, teria percebido a importância da inclusão social, não apenas
como objetivo de governo mas como projeto de país.
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Nos próximos anos, o PT continuará surfando nas ondas da inclusão e
da redução das desigualdades. Como lembrou André Singer, em seus estudos
sobre o lulismo, trata-se de uma tendência irreversível, duradoura, a
ser abraçada por qualquer partido que ambicione o poder, seja o PT ou
outro que vier.
Com Dilma Rousseff, à bandeira da inclusão somaram-se as da gestão e
do desenvolvimentismo – mais duas bandeiras deixadas de lado pelo PSDB,
preso ao discurso monocórdico das privatizações de FHC.
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Qual será o desenho, então, da oposição? Nos últimos anos, FHC e
especialmente Serra, limitaram-se a entrar na onda do rancor, do
negativismo, refletindo a posição de alguns articulistas.
É bem provável que, depois da radicalização liberalizante de FHC, o
pêndulo da economia volte-se cada vez mais para o intervencionismo
estatal da nova era. Como em todo movimento pendular, no início obedece a
demandas racionais e legítimas. Depois, cria sua própria lógica e vira o
fio.
É possível que em um futuro distante, uma das bandeiras da oposição possa voltar a ser a redução do papel do Estado.
No entanto, a discussão sobre o papel do Estado não pode estar
divorciada da discussão maior: a busca do bem estar dos cidadãos e a
ampliação da inclusão social.
O neoconservadorismo – 1
Os conservadores autênticos sempre amarraram o tema redução do Estado
ao da promoção da igualdade de oportunidades. Ocorre que a crítica ao
Estado – formulada pelo pensamento neoconservador que se apossou da
mídia – vem acompanhada de um discurso deplorável contra qualquer forma
de inclusão social, de políticas igualitárias. Com isso tirou toda a
legitimidade, restringiu o discurso no cercadinho da intolerância.
O neoconservadorismo – 2
Políticas sociais brasileiras – Bolsa Família, Prouni, Luz para Todos
– são incensadas internacionalmente. Tornaram-se um contraponto à falta
de sensibilidade social do neoliberalismo. Principalmente porque deixam
a opção de gastar o dinheiro (ou escolher a Faculdade) para o próprio
beneficiário, sem interferência do Estado. Esse tipo de política sempre
foi bandeira liberal. Não por aqui, com trogloditas políticos.
O neoconservadorismo – 3
No novo quadro político brasileiro haverá espaço para um partido
conservador, mas que não ambicione disputar poder. E esse partido não
será o PSDB. Ao longo de sua história política, a atual cara mais
visível do PSDB – Serra – comportou-se com um oportunismo que o tornou
alvo de desconfianças gerais, à esquerda e à direita, e afastou do
partido toda uma nova geração de intelectuais.
O neoconservadorismo – 4
Dias atrás FHC criticou-o por supostamente ter jogado o PSDB no
conservadorismo do pastor Malafaia e companhia. Na fase inicial da
intolerância religiosa e política, o próprio FHC estimulou essa
radicalização. Serra nunca teve fôlego intelectual para montar um
conjunto articulado de princípios-guia. Essa tarefa cabia a FHC. Mas seu
tempo político passou.
A nova oposição
Agora, há duas lideranças despontando, Aécio Neves e Eduardo Campos,
governador de Pernambuco. Aécio não disse a que veio, sequer demonstra
vontade política de abdicar dos prazeres da vida. Campos tem se mostrado
o melhor governador da atual safra. Em caso de desgaste na agenda
petista, seria uma alternativa presidencial (provavelmente em 2020), mas
preservando os princípios originais do lulismo.
Ventos externos
Restaria aguardar por ventos externos. Mas internacionalmente
assiste-se aos estertores do neoliberalismo, com políticas
antipopulares, economicamente desastrosas, sendo impostas goela abaixo
dos países europeus. Para a falta de ideias de FHC, não haverá 7o
de Cavalaria que o salve dos ataques indígenas. Assim, só restará o
esperneio da intolerância reiterada e politicamente suicida.
Carta Capital
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