Após 12 anos e duas derrotas seguidas, o PT voltou a vencer uma
eleição na maior cidade do País. Neste domingo 28 o ex-ministro da
Educação Fernando Haddad, de 49 anos, foi eleito prefeito de São Paulo
com 55,94% dos votos contra 44,06% do tucano José Serra. Cerca de 93%
das urnas estavam apuradas quando o resultado foi anunciado
oficialmente. O ex-governador, ex-prefeito e ex-presidenciável
protagoniza assim uma das mais duras derrotas do PSDB em seu principal
reduto eleitoral.
Haddad, ungido candidato pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, será o terceiro petista a governar a metrópole. Repete em 2012 os
feitos de Luiza Erundina, em 1988, e Marta Suplicy, em 2000. Nos três
casos o partido triunfou nas urnas após o eleitor demonstrar cansaço com
a força política até então vigente. Erundina foi eleita depois do
insosso governo Jânio Quadros e Marta, após oito anos da dobradinha
Maluf-Pitta. A vitória de Haddad acontece num momento de má avaliação do
atual prefeito, Gilberto Kassab (PSD), pupilo e sucessor de José Serra.
Um dos principais nomes do PSDB, Serra chegou à segunda derrota em dois
anos (em 2010, perdeu a disputa pela Presidência para Dilma Rousseff) e
atingiu em 2012 um índice de rejeição superior a 50% dos eleitores, o
que indica o esgotamento de sua força política em sua própria base.
Haddad liderou as pesquisas de intenção de voto durante todo o
segundo turno. Ele começou a campanha com 3% das preferências e
desbancou na reta final da primeira fase o então líder Celso Russomanno
(PRB). Serra, que encerrou o primeiro turno à frente, teve dificuldade
em convencer o eleitor de que, desta vez, cumpriria o mandato até o fim –
em 2006, ele deixou o posto após dois anos para se candidatar ao
governo do estado.
Em desvantagem nas pesquisas, Serra, que lançou seu programa de
governo a poucos dias da votação, elevou na reta final o tom contra o
adversário petista ao tentar associá-lo com o escândalo do “mensalão”,
julgado hoje pelo Supremo Tribunal Federal e que funcionou em meados de
2003, quando Haddad era professor de Teoria Política da Universidade de
São Paulo. A estratégia tucana soou “falsa e oportunista”, nas palavras
até mesmo de Roberto Jefferson, o delator do “mensalão”.
O tucano se desgastou ainda ao se aliar ao pastor Silas Malafaia,
líder religioso que ganhou notoriedade por incitar a violência contra
gays. Ele levou ao centro do debate a mal sucedida tentativa do
Ministério da Educação de distribuir uma cartilha anti-homofobia nas
escolas, chamada preconceituosamente como “kit gay”. Para Serra, o
material incentivava a prática do “bissexualismo” entre os alunos. A
ideia era espalhar a ideia de que, caso eleito, o “kit”
seria ressuscitado em São Paulo. A tentativa, mostraram as urnas, também
não funcionou.
Haddad foi escolhido candidato pelo ex-presidente Lula após sua
passagem pelo Ministério da Educação, quando ampliou o Enem, consolidou o
Prouni e bancou o Plano Nacional da Educação, antiga demanda da
sociedade civil que, entre outros pontos, prevê metas específicas de
investimentos no setor. A exemplo do que havia feito com a então
ex-ministra Dilma Rousseff dois anos atrás, Lula projetou em Haddad a
“novidade” para rejuvenescer o quadro petista na maior cidade do País.
Para isso, barrou os planos da então senadora Marta Suplicy, favorita
durante a pré-campanha nas pesquisas eleitorais. Contrariada, a
ex-prefeita, bem avaliada sobretudo na periferia paulistana, só se
engajou na campanha de Haddad após ser nomeada ministra da Cultura.
Idealizador do projeto Haddad, Lula também costurou o acordo com o
Partido Progressista de Paulo Maluf, que garantiu mais tempo de tevê ao
seu candidato mas criou uma saia-justa que acompanharia Haddad até o fim
da campanha. A imagem do abraço na casa do ex-prefeito e ex-governador
de São Paulo, preso e investigado por evasão de divisas e símbolo de
tudo o que o PT combateu em seus primórdios, até hoje não foi bem
digerida por parte da militância histórica.
Azarão durante boa parte da disputa, Haddad só se tornou favorito na
virada do segundo turno. Ele contou com o apoio de Gabriel Chalita
(PMDB), quarto colocado na disputa, e foi beneficiado pela neutralidade
anunciada por Russomanno. Herdou naturalmente os votos dos ex-rivais sem
precisar posar em fotos ao lado do ex-candidato do PRB, a quem combateu
durante o primeiro turno.
Desde então, não deixou mais a liderança da corrida. Com o resultado,
Serra terá agora de digerir a sua maior derrota política e tende a se
isolar no PSDB. Em 2014, tudo indica que o partido não dará a ele uma
terceira chance na disputa pela Presidência. Como o governador Geraldo
Alckmin (PSDB) é o candidato natural para a reeleição, Serra só teria
chance de disputar um cargo majoritário em 2016, quando terá 74 anos.
O clamor por renovação das lideranças tucanas foi ensaiado antes
mesmo da abertura das urnas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
foi um deles. Dentro do QG da campanha tucana, no centro de São Paulo, o
vice-governador paulista, Guilherme Afif Domingos (PSD), afirmou que a
vitória de Haddad é um “recado” dos eleitores. “A vitória do Haddad
mostra a preferência do eleitorado de SP pela renovação política. Sem
dúvida o Serra era um candidato com mais experiência e mais história,
mas há no Brasil uma tendência de renovação. Fica aqui o recado desse
processo”.
Os rivais também não o perdoaram. Ao votar pela manhã, Marta Suplicy, derrotada por Serra em 2004, afirmou que “desta vez (José Serra)
se enforcou com a própria corda”. “Ficaram evidentes as armadilhas que
fazia, a pessoa que ele é. Foi bom ver que os paulistanos perceberam e
deram o troco”.
Para o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, batido em 2006 para
Serra na disputa pelo governo paulista, esta é a maior derrota da
história do PSDB em eleições municipais.
Como previsível, no entanto, o “enterro” de Serra não foi anunciado
oficialmente. Kassab, por exemplo, manifestou apoio ao padrinho político
pouco após o resultado das urnas. Para ele, o tucano é “uma das pessoas
mais preparadas e que mais ocupou cargos de destaque no Brasil”. “Ele
vai continuar contribuindo para o País”, disse o prefeito. Se o
prognóstico tem base lógica, só a história dirá.
Carta Capital
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