Os primeiros passos de Serra na largada do 2º turno em São Paulo ilustram o ponto a que está disposto chegar para reverter o prenúncio da derrota que nem o Datafolha dissimula mais.
Saul Leblon
O
tucano reuniu-se nesta 3ª feira com um interlocutor cirurgicamente
escolhido para reforçar a musculatura do vale tudo na disputa: o pastor
radialista, Silas Malafaia, que veio diretamente do Rio de Janeiro
apresentar armas à campanha. Acompanhado do pastor Jabes Alencar, do
Conselho de Pastores de São Paulo, teve um encontro fechado com Serra.
O
pacto do além com o aquém foi festejado em manchete do caderno de
política da 'Folha de SP'. Assim: "Líder evangélico diz que vai
'arrebentar' candidato petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia
ativistas gay".
O título em 3 linhas de 3 colunas, ladeado de um
foto imensa de Serra (meia pág. em 3 colunas), empunhando uma criança
adestrada em fazer o '45', inspira calafrios.
Deliberadamente
ou não, o conjunto ilustra um conceito de harmonia que envolve
arrebentar a tolerância, de um lado, para preservar a pureza, de outro.
Concepções assemelhadas levaram o mundo a um holocausto eugênico de
consequências conhecidas.
A hostilidade beligerante de Serra em
relação a adversários --inclusive os do próprio partido-- incorporou
definitivamente uma extensão regressiva representada pela restauração
do filtro religioso na política. Como recurso de caça ao voto popular,
que escapa maciçamente ao programa do PSDB --liquefeito na desordem
neoliberal--, é mais uma modernidade que devemos ao iluminismo dos
intelectuais de Higienópolis.
O pastor Malafaia foi importado do
Rio de Janeiro exatamente com essa finalidade. Veio dizer aos fiéis de
São Paulo em quem votar e a quem amaldiçoar. Os critérios escapam aos
valores laicos da independência democrática em relação às convicções
religiosas. Mas isso não importa à ética de vernissage de certa
inteligência paulista. Faz tempo que em certos círculos incorporarou-se a
licença do vale-tudo para vencer o PT, a quem se acusa de sepultar os
princípios éticos de esquerda...
Serra aperfeiçoa, não inova na
promoção do eclipse das consciências e dos valores laicos que sustentam a
convivência compartilhada.
Na campanha presidencial de 2010, a
água benta da sua candidatura foi o carimbo de 'aborteira' espetado
contra Dilma Rousseff. A esposa do tucano, culta bailarina Mônica Serra,
pregava nas ruas da Baixada Fluminense, como uma mascate da
intolerância: 'Ela (Dilma) é a favor de matar as criancinhas'.
Não
era uma voz no deserto. Recorde-se que Dom Bergonzini, um bispo de
extrema direita, da zona sul de São Paulo, já falecido, encomendou então
20 milhões de panfletos com o mesmo calibre.
Os impressos
falseavam a chancela da Igreja católica para atacar, caluniar e
desencorajar o voto na candidata da esquerda nas eleições presidenciais.
Um lote do material foi descoberto na gráfica da irmã do coordenador de campanha de Serra.
A imprensa sem escrúpulos teve então, curiosamente, todo o escrúpulo,
omitindo-se de perguntar: --De onde veio o dinheiro, Dom Bergonzini?
Tampouco se cogitou indagar se o bispo e os donos da gráfica tinham
contato com outro personagem sombrio da campanha tucana, Paulo Preto
--que o candidato da hipocrisia conservadora chamava de 'Paulo
afro-descendente'.
Apontado como o caixa 2 da campanha, Paulo,
fixemos assim, teria desviado R$ 4 milhões em doações para proveito
próprio. Mas compartilhava segredos protegidos por recados ameaçadores:
--'Não se abandona um líder no meio do caminho'. A senha era enfática o
suficiente para obrigar Serra a interromper a campanha e convocar os
jornais, declarando-o um cidadão acima de qualquer suspeita.
A
transformação do eleitor em rebanho, a manipulação do discernimento
político pela mídia e o retorno das togas a uma simbiose desfrutável
pelo estamento conservador, configuram hoje os requisitos de uma
sociedade capaz de dar a vitória a Serra neste 2º turno.
Não se
trata de uma denúncia. São os ingredientes mobilizados pelo candidato
tucano que arredonda assim a biografia com um toque de Tea Party
tropical. O pacto da intolerância selado com o eloquente bispo Malafaia
ilustra a travessia edificante de um quadro originalmente tido como o
zangão desenvolvimentista da colméia neoliberal.
A
intelectualidade iluminista que ainda apoia José Serra tem condições de
enxergar essa marcha batida que empurra São Paulo para um Termidor de
malafaias.
A intelectualidade iluminista tem, sobretudo, a co-
responsabilidade nos desdobramentos dessa distopia obscurantista que a
candidatura tucana enseja, agrega, patrocina e encoraja. A tentativa
algo desesperada de evitar a derrota desenhada em São Paulo tem um preço
--os intelectuais honestos que orbitam em torno do PSDB vão rachar a
conta? A ver.
Saul Leblon
Carta Maior
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