domingo, 28 de outubro de 2012

BH, a capital do ‘caixa 2′

Mauricio Dias

Maurício Dias é jornalista, editor especial e colunista da edição impressa de CartaCapital. mauriciodias@cartacapital.com

Em breve, como se espera, o Supremo Tribunal Federal, após o julgamento do chamado “mensalão petista”, se encarregará do Inquérito 3.530, conhecido, mas ainda não popularizado, como mensalão tucano, igualmente originado em Minas Gerais e até agora ainda sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa, que assumirá a presidência do STF em novembro, pelo princípio do rodízio. Não se sabe se abrirá mão da tarefa. Provavelmente, sim.
O mensalão tucano, e não mineiro, como às vezes se diz e se escreve, ora por descuido e, principalmente, por má-fé, montado a partir de Belo Horizonte, em 1998, para a reeleição do então governador mineiro Eduardo Azeredo, está intimamente ligado ao processo eleitoral nacional e, por consequência, à reeleição de Fernando Henrique Cardoso.
Marcos Valério, o publicitário, ou operador financeiro, como é caracterizado, passou a ser o fio condutor de todo esse moderno processo de formação de caixa 2 que ainda norteou, em 2002, a primeira eleição de Aécio Neves para o governo de Minas Gerais. O dinheiro gerado em Minas se espalhava pelo País.

Nacional. O caixa 2 tucano alimentou campanhas Brasil afora

Nada pode ser entendido se for descartado, por exemplo, o livro O Voo do Tucano, do deputado petista Durval Ângelo, publicado em 1999. Praticamente circunscrito ao fechado mundo mineiro, onde tudo acontece e nada transpira, a obra ganhou alguma notoriedade na CPI dos Correios (2005), após as denúncias de Roberto Jefferson.
Valério era somente consultor financeiro quando se envolveu no processo de salvação da empresa de publicidade SMP&B. Por intermédio dele, o hoje senador Clésio Andrade aportou recursos na agência. Integrante, como vice, da chapa de Aécio Neves, ele repassou as ações para Valério numa operação cuja legalidade é discutida.
A sequência dessa história, que passa pela famosa Lista de Furnas, que a mídia tentou desqualificar, é conhecida e comprovada pelo advogado Dino Miraglia Filho, uma voz sem repercussão em Belo Horizonte.
Miraglia se ofereceu como assistente do Ministério Público na ação do mensalão tucano. Ele articula a esse processo a figura controvertida de Nilton Antônio Monteiro e a complexa história do assassinato de uma modelo que transitava com desenvoltura pelos caminhos abertos pela elite política e empresarial de Belo Horizonte.
Miraglia é um acusador implacável e que não usa meias palavras quando trata do que chama de “crimes de corrupção praticados pelos ocupantes do governo de Minas desde 1987 e que perduram até hoje”. Ele não sonega nomes: Eduardo Azeredo, hoje deputado, ex-governador de Minas, e Dimas Toledo, ex-presidente de Furnas, ambos envolvidos na construção de caixa 2 na campanha de Aécio Neves.
“Diante da robustez das provas e após perícias que comprovaram serem autênticos os documentos apresentados por Monteiro, o grupo criminoso montou um riquíssimo esquema jurídico e midiático para desacreditá-lo perante a opinião pública”, argumenta.
Miraglia tem em seu poder “muitos originais” aguardando a intimação do STF para depositar no cofre da secretaria, especialmente o documento aqui reproduzido parcialmente. Os tucanos, na ausência de barba, devem botar o bico de molho.

Andante Mosso

De Beccaria a Barbosa. Se mais severo que a lei, o juiz vira injusto. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
 Recado
“E a partir do momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto.” (Do filósofo e jurista Marquês de Beccaria à meditação do ministro Joaquim Barbosa)

Erro de cálculo
O tucano José Serra sustentou duas semanas de fogo contra o petista Fernando Haddad,  usando o “mensalão” como munição para ganhar a eleição municipal. Foi o suficiente para perder a disputa com um tema que colou nele, de vez e para sempre, a imagem de que sempre
disputou a prefeitura paulistana de olho na Presidência da República, em Brasília.
Se não se aposentar desta vez, só voltará à cena como candidato a deputado.

Agora vai…
As forças partidárias se salientam em torno da candidatura de Aécio Neves para a Presidência da República, em 2014. Cesar Maia, eleito vereador, afirmou que o DEM “fará aliança nacional em torno de Aécio Neves”.
Assim é possível dimensionar a base inicial de apoio de Neves entre os cariocas, a partir do desempenho de Rodrigo Maia à prefeitura em 2012. Obteve em torno de 100 mil dos cerca
de 3 milhões e 300 mil votos válidos.
Aplica-se, no caso, o adágio: “Não é nada, não é nada, não é nada mesmo”.

O efeito da exceção
As características de “julgamento de exceção” do mensalão, impostas pela maioria do STF, como foi definido pela primeira vez nesta coluna por Wanderley Guilherme dos Santos, e o rigor tirânico das penas impostas aos réus podem reativar a força adormecida no PT: a  militância.
Os petistas cresceram na adversidade e, de certa forma, se acomodaram e se incomodaram
ao chegar ao poder. Ganharam um bom motivo para voltar às ruas.

O PMDB e o petróleo
Luiz Fernando Pezão, anunciado como candidato do PMDB ao governo do Rio, em 2014, pode ter de enfrentar um problema terrível na campanha.
A lei dos royalties, batizada por Sérgio Cabral como “covardia” com o estado que governa, tem um rastro claro de autoria: nasceu e cresceu alimentada pelos peemedebistas. Ibsen Pinheiro na Câmara e Pedro Simon no Senado.

Assim na terra…
Frase inquietante na traseira de uma van de transporte no Rio de Janeiro: “Bíblia sim,  Constituição não”. É para onde empurraram a atividade política no Brasil. Sem lenço e sem direção Caetano Veloso votou em Marcelo Freixo (PSOL-RJ), apoiou ACM Neto (DEM-BA)
e, se fosse eleitor em São Paulo, cravaria o nome de Fernando Haddad (PT).
Compositor de sensibilidade e de grande qualidade lírica, a cabeça dele, politicamente, é uma mixórdia.
Individualista, usa um método simplista de escolha: a simpatia pelo candidato. Assim, foge da raia e declara que não é de esquerda ou de direita. O establishment gosta muito de gente assim.

Exclusão elétrica brasileira. Fonte: Ministério de Minas e Energia


Postes iluminados
Após ganhar a eleição presidencial com Dilma Rousseff e, confirmada a paulistana com Fernando Haddad, uma frase de Lula marcará as eleições de 2012: “É de poste em poste que
o Brasil vai ficar iluminado”. Usada pelo ex-presidente, a metáfora (“poste”), que identifica candidatos sem qualquer  experiência eleitoral, remete também para um segundo significado.
Trata-se do Programa Luz para Todos, criado em 2003, quando Dilma Rousseff comandava o Ministério de Minas e Energia. Em setembro de 2012, o programa chegou a quase 3 milhões de famílias rurais.

Tragicômico: Cai a toga
O ministro Marco Aurélio Mello esperou a cena final do julgamento do mensalão para buscar o  destaque que julgava merecido e não lhe era atribuído. Assim, com o furor de “injustiçado”,  montou um palanque imaginário e, sob o foco da televisão, tirou a toga e  desnudou o objetivo político do voto que deu. Falou para eleitores do segundo turno das eleições municipais.
Ele atacou o “abandono de princípios e a perda de parâmetros” na última década no País. A  década de Lula. Isso facilitou julgar o mensalão como o maior escândalo da República. O corte no tempo foi calculado. Em 1992, o primo dele, Fernando Collor, foi apeado da Presidência, com a participação intensa dos petistas, acusado de corrupção.
Collor deu a ele a cadeira no Supremo. É explicável a retribuição. Ou Marco Aurélio não  conhece a história do Brasil ou administra a memória em causa própria. Talvez por ambas, esqueceu-se das infâmias históricas orquestradas pela UDN (o PSDB de então) e executadas pela mídia em nome da moralidade. Foi o caso do “mar de lama” que, em 1954, levou o  presidente Getúlio Vargas ao suicídio.

Carta Capital

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