Valeu a pena que o ministro Celso de Mello dispusesse de mais cinco dias
para enriquecer a substância do seu voto, como consta haver feito
madrugadas adentro desde quinta-feira passada.
Se o espichamento palavroso dos votos de Gilmar Mendes e Marco Aurélio
Mello, naquela quinta-feira, teve o propósito nele identificado, de
forçar o intervalo --em que Celso de Mello estaria sujeito a mais
pressões, inclusive as dos dois pelos jornais--, o que saiu pela culatra
não foi um tiro. Foi um canhonaço.
Pena que Gilmar Mendes se retirasse do plenário quando Celso de Mello
recordou, pela primeira vez no tribunal, a tentativa de obter da Câmara e
do Senado a extinção dos embargos infringentes, feita pelo então
presidente Fernando Henrique. Do qual Gilmar Mendes ganhou a cadeira no
Supremo e a cujo governo prestou importantes serviços, com atividades
não só de advogado-geral da União. A tentativa contra os embargos
infringentes, incluída como item em projeto mais amplo, era
burocraticamente assinada pelos então ministros da Justiça e da Casa
Civil, que não elaboraram aquele texto --repelido nas duas Casas do
Congresso, que mantiveram o embargo infringente-- nem qualquer outro de
fins jurídicos. O autor era pessoa da área.
Será interessante acompanhar, agora, os desdobramentos da aceitação de
recursos pelos réus que receberam ao menos quatro votos favoráveis (às
vezes entre dez ministros, às vezes entre nove, com as aposentadorias de
Cezar Peluso e, depois, também de Ayres Britto). As previsões vão desde
a queda do Supremo "no precipício", segundo a antevisão do ministro
Marco Aurélio, à "duração infinita" do processo do mensalão, na
aritmética infringente de Gilmar Mendes.
Sem falar nas previsões, não menos assustadoras, do que serão as reações
"das ruas". Se bem que o Datafolha tenha jogado um balde de água
geladíssima no asfalto. A exposição discreta do número apurado pela
pesquisa é inversamente proporcional à sua eloquência: os que se dizem
devidamente informados sobre o mensalão somam apenas 19% dos
paulistanos. Ou seja, nem um quinto dos que vivem sob o mais numeroso e
intenso fragor de meios de comunicação, incluída a prolixidade da
internet.
A RESPOSTA
A suspensão, sine die, da visita de Dilma Rousseff dá solução a duas questões.
A primeira foi a necessidade da soberania nacional de afirmar-se com uma
resposta audível às várias transgressões implícitas na espionagem do
governo americano a comunicações da Presidência, de partes do governo,
de empresas e de cidadãos do Brasil. Uma agressão branca, na verdade.
A segunda é a limitadíssima possibilidade de respostas audíveis por
parte do Brasil. Estão feitas críticas no sentido de que a atitude
correta de Dilma Rousseff seria a negociação. É um desconhecimento, por
certo de origem mais política do qualquer outra, das iniciativas
adotadas: ministro da Justiça foi mandado a Washington, reuniu-se até
com o vice-presidente americano, e mais recentemente lá esteve em busca
de negociações o novo ministro das Relações Exteriores. Sem resultado.
Não só neste caso brasileiro, negociações diplomáticas não fazem o
gênero dos americanos.
Suspender a visita, descabida até pelas circunstâncias que a dominariam
de um e de outro lados, tudo indica ser a única resposta mundialmente
audível que o Brasil poderia dar. E deu.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na
versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e
quintas-feiras.
Folha de S. Paulo
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