terça-feira, 8 de outubro de 2013

O ataque moralista da direita - Luiz Carlos Bresser-Pereira

Nestes últimos meses vimos a direita recuperar o dom da palavra. Em 2002 ela se apavorara com a perspectiva da eleição de um presidente socialista. O medo foi tanto e contaminou de tal forma os mercados financeiros internacionais que levou o governo FHC a uma segunda crise de balanço de pagamentos.

O novo presidente, entretanto, logo afastou os medos dos ricos que então perceberam que não seriam expropriados. Pelo contrário, viram um governo procurando fazer um pacto político com os empresários industriais e que não hostilizava a coalizão política de grandes e médios rentistas e dos financistas.

Por outro lado, o novo governo de esquerda pareceu haver logrado retomar o crescimento econômico, ao mesmo tempo que adotava uma politica firme de distribuição de renda. Na verdade, beneficiava-se de um grande aumento nos preços das commodities exportadas pelo país, e da possibilidade (que aproveitou de forma equivocada) de apreciar a moeda nacional que se depreciara na crise de 2002.

Lula terminou seu governo com aprovação popular recorde, e com a direita brasileira sem discurso. Deixou, porém, para sua sucessora, a presidente Dilma, uma taxa de câmbio incrivelmente sobreapreciada, que, depois de haver roubado das empresas brasileiras o mercado externo, agora (desde 2011) negava-lhes acesso ao próprio mercado interno.
Sem surpresa, os resultados econômicos dos dois primeiros anos de governo foram decepcionantes. E, no seu segundo ano, foram combinados com o julgamento do mensalão pelo STF, transformado em grande evento político e midiático.

Com isto o governo se enfraqueceu, e a direita brasileira recuperou a voz. Mas uma voz vazia, liberal e moralista. Liberal porque pretende que a solução dos problemas é liberalizar os mercados ainda mais, não obstante os maus resultados que geraram. Moralista porque adotou um discurso de condenação moral de todos os políticos, tratando-os de forma desrespeitosa, ao mesmo tempo que continuava a apoiar em voz baixa os partidos de direita.

Quando, devido às manifestações de junho, os índices de aprovação da presidente caíram, a direita comemorou. Não percebeu que caíam também os índices de aprovação de todos os governadores. Nem se deu conta de que a presidente logo recuperaria parte do apoio perdido.
Quando o STF afinal garantiu a doze dos condenados do mensalão um novo julgamento de alguns pontos, essa direita novamente se indignou. Agora era a justiça que também era corrupta.

Quando o deputado José Genoino (condenado nesse processo porque era presidente do PT quando as irregularidades aconteceram) manifestou o quanto vinha sofrendo com tudo isso -ele que, de fato, sempre dedicou a sua vida ao país, e hoje é um homem pobre-, essa direita limitou-se a gritar que o Brasil era o reino da impunidade, em vez de perceber que o castigo que Genoino já teve foi provavelmente maior do que sua culpa.

Os países democráticos precisam de uma direita conservadora e de uma esquerda progressista. Mas cada uma deve ter um discurso que faça sentido, em vez do mero moralismo que a direita vem exibindo. 

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da "Revista de Economia Política" desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve a cada duas semanas, aos domingos, na versão impressa de "Mundo".



Folha de S. Paulo

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