22 de julho de 2013
Por trás da campanha antifisco das empresas de mídia se esconde a vontade de pagar ainda menos impostos.
Estava na Folha, num editorial recente.
A carga tributária brasileira é alta. Cerca de 35% do PIB. Esta tem
sido a base de incessantes campanhas de jornais e revistas sobre o assim
chamado “Custo Brasil”.
Tirada a hipocrisia cínica, a pregação da mídia contra o “Custo
Brasil” é uma tentativa de pagar (ainda) menos impostos e achatar
direitos trabalhistas.
Notemos. A maior parte das grandes empresas jornalísticas já se
dedica ao chamado ‘planejamento fiscal’. Isto quer dizer: encontrar
brechas na legislação tributária para pagar menos do que deveriam.
A própria Folha já faz tempo adotou a tática de tratar juridicamente
muitos jornalistas – em geral os de maior salário – como PJs, pessoas
jurídicas. Assim, recolhe menos imposto. Uma amiga minha que foi
ombudsman era PJ, e uma vez me fez a lista dos ilustre articulistas da
Folha que também eram.
A Globo faz o mesmo. O ilibado Merval Pereira, um imortal tão
empenhado na vida terrena na melhora dos costumes do país, talvez
pudesse esclarecer sua situação na Globo – e, transparentemente, dizer
quanto paga, em porcentual sobre o que recebe.
A Receita Federal cobra uma dívida bilionária em impostos das
Organizações Globo, mas lamentavelmente a disputa jurídica se trava na
mais completa escuridão. Que a Globo esconda a cobrança se entende, mas
que a Receita Federal não coloque transparência num caso de alto
interesse público para mim é incompreensível.
A única vez em que vi uma reprovação clara em João Roberto Marinho,
acionista e editor da Globo, foi quando chegou a ele que a Época fazia
uma reportagem sobre o modelo escandinavo. Como diretor editorial da
Editora Globo, a Época respondia a mim. O projeto foi rapidamente
abortado.
Voltemos ao queixume do editorial da Folha.
Como já vimos, a carga tributária do Brasil é de 35%. Agora olhemos
dois opostos. A carga mais baixa, entre os 60 países que compõem a
prestigiada OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, é a do México: 20%. As taxas mais altas são as da
Escandinávia: em redor de 50%.
Queremos ser o que quando crescer: México ou Escandinávia?
O dinheiro do imposto, lembremos, constrói estradas, portos,
aeroportos, hospitais, escolas públicas etc. Permite que a sociedade
tenha acesso a saúde pública de bom nível, e as crianças – mesmo as mais
humildes — a bom ensino.
Os herdeiros da Globo – os filhos dos irmãos Roberto Irineu, João
Roberto e José Roberto – estudaram nas melhores escolas privadas e
depois, pelas mãos do tutor Jorge Nóbrega, completaram seu preparo com
cursos no exterior.
A Globo fala exaustivamente em meritocracia e em educação. Mas como
filhos de famílias simples podem competir com os filhos dos irmãos
Marinhos? Não estou falando no dinheiro, em si – mas na educação pública
miserável que temos no Brasil.
Na Escandinávia, a meritocracia é para valer. Acesso a educação de
bom nível todos têm. E a taxa de herança é alta o suficiente para
mitigar as grandes vantagens dos herdeiros de fortunas.
O mérito efetivo
é de quem criou a fortuna, não de quem a herdou. A meritocracia deve
ser entendida sob uma ótima justa e ampla, ou é apenas uma falácia para
perpetuar iniquidades.
Recentemente o site da Exame publicou um ranking dos 20 países mais prósperos
de 2012 elaborado pela instituição inglesa Legatum Institute. Foram
usados oito critérios para medir o sucesso das nações: economia,
empreendedorismo e oportunidades, governança, educação, saúde, segurança
e sensação de segurança pessoa, liberdade pessoal e capital social. A
Escandinávia ficou simplesmente com o ouro, a prata e o bronze: Noruega
(1ª), Dinamarca (2ª) e Suécia (3ª).
Se quisermos ser o México, é só atender aos insistentes apelos das
grandes companhias de mídia. Se quisermos ser a Escandinávia, o caminho é
mais árduo. Lá, em meados do século passado, se estabeleceu um consenso
segundo o qual impostos altos são o preço – afinal barato – para que se
tenha uma sociedade harmoniosa. E próspera: a qualidade da educação
gera mão de obra de alto nível para tocar as empresas e um funcionalismo
público excepcional. O final de tudo isso se reflete em felicidade:
repare que em todas as listas que medem a satisfação das pessoas de um
país a Escandinávia domina as posições no topo.
O sistema nórdico produz as pessoas mais felizes do mundo.
A Escandinávia é um sonho muito distante? Olhemos então para a China.
À medida que o país foi se desenvolvendo economicamente, a carga
tributária também cresceu. Ou não haveria recursos para fazer o
extraordinário trabalho na infraestrutura – trens, estradas, portos,
aeroportos etc – que a China vem empreendendo para dar suporte ao
velocíssimo crescimento econômico.
Hoje, a taxa tributária da China está na faixa de 35%, a mesma do
Brasil. E crescendo. Com sua campanha pelo atraso e pela iniquidade, os
donos da empresa de mídia acabam fazendo o papel não de barões – mas de
coronéis que se agarram a seus privilégios e mamatas indefensáveis.
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