terça-feira, 23 de julho de 2013

Brickell Street: Onde a grama é realmente bacana

publicado em 22 de julho de 2013 

O candelabro exótico no spa de um dos três prédios do condomínio onde Joaquim Barbosa comprou apartamento, em Miami

De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana
[De Paulo Leminski]

por Luiz Carlos Azenha

Não nos interessa a transação, em si, nem eventuais manobras para pagar menos impostos no futuro, nos Estados Unidos.

O que nos chama atenção é o fato de um profissional de formação intelectual sólida ter optado por colocar os ganhos — provavelmente de uma vida — num apartamento em Miami, cidade onde o balizamento intelectual se dá nas águas onde baleias e golfinhos encarcerados disputam a atenção do distinto público (não há diferença detectável entre Miami, Orlando e adjacências).

Falamos do apartamento que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, adquiriu na Brickell Street, em Miami.

A Brickell é onde latinos de todas as origens, encantados com os Estados Unidos, despejam suas economias — de origem duvidosa ou não — para viverem a ilusão de que também são parte do “sonho americano”, que aprendem nos programas originais de TV ou nas cópias colonizadas.

Certamente não sabem do status de Miami em Boston, Nova York ou São Francisco.

Não sabem que os norte-americanos ricos de verdade vivem em Palm Beach, os latinos ricos de verdade compram casas em Key Biscayne e os estadunidenses de classe média, especialmente os aposentados, vivem em condomínios distantes dos centros urbanos, para evitar… o exibicionismo dos latinos recém-chegados.

Portanto, a classe média compra apartamentos na rua Brickell exclusivamente por uma questão de status, já que mesmo como negócio imobiliário é um investimento ruim, tema ao qual voltaremos mais tarde.

O que nos interessa, como dizia antes, é especular sobre os motivos que teriam levado um homem de sólida formação intelectual a escolher… Miami.

Certamente o ministro Barbosa não deve ser homem de frequentar a Disney, nem o Sea World. 
Estaria em busca de um refúgio tropical, para por em dia as leituras?

Se sim, por que não investir o dinheiro em Salvador, Recife ou Fortaleza, onde compraria imóvel com mais de 73 metros quadrados, possivelmente numa localização melhor que o condomínio da Brickell?

Afinal, o condomínio onde Joaquim Barbosa investiu tem três torres e lotação garantida nos meses de férias do fim do ano, quando a elite decadente de nuestra América superlota Miami.

Registre-se que, se for apenas mais um caso de mente colonizada — duvidamos que seja –, Joaquim Barbosa não está só.

Façam vocês mesmos a experiência: procurem nas ruas brasileiras dez camisetas com estampas. Certamente, 8 ou 9 delas farão menção a algum produto ou terão palavra ou frase em inglês.

Simular uma existência cultural distante de sua própria origem e entorno parece ser um traço dos brasileiros.

Ano passado, viajando com um casal de profissionais de TV pelo interior de Pernambuco, notei que ambos passavam o tempo assistindo a episódios do seriado House em um laptop.

Ouviam exclusivamente rock britânico ou norte-americano.

O alarme começou a soar quando ambos, moradores de bairros periféricos de São Paulo, não demonstraram qualquer empatia pelos moradores ou pela cultura pernambucana, uma das mais fascinantes do Brasil. Frequentemente, ao chegar a uma pequena cidade, procuravam a “familiaridade” de um shopping center, onde o mundo invariavelmente se iguala.

O alarme disparou quando ambos se disseram incomodados com o rádio do carro, que eventualmente tocava música brasileira.
Foi assustador, mas há quem argumente — não foi o caso deles — que o brasileiro pode se dar ao luxo de exibir tal despreendimento justamente por ter uma cultura forte, inabalável e uma capacidade inigualável de triturar as influências externas para produzir novidades híbridas. Será?

Depois do casal, nada mais nos surpreende. Nem as placas que a companhia aérea United espalha, em inglês, no saguão do aeroporto de Guarulhos, anunciando possível punição aos passageiros… baseada em leis dos Estados Unidos.

Tentativas de encontrar placas equivalentes, em português, no aeroporto JF Kennedy, foram infrutíferas.

Se fosse apenas mais uma pequena demonstração de que ainda não nos livramos de nossa histórica síndrome de viralatas, tudo bem. Mas, estamos na prática regredindo?

Sim, temos a tradição de beber em fontes externas. O problema é que, se no passado algumas de nossas referências foram as universidades de Coimbra ou de Paris, agora aspiramos à atmosfera cultural de Miami!

Uma cidade de extrema-direita, que deriva seu dinamismo do medo, da insegurança e da rejeição das elites da América Latina às suas próprias origens.

Miami é um simulacro da vida nos Estados Unidos, com atores e atrizes convidados tentando imitar os originais.

Por conta de quase 20 anos de vida nos Estados Unidos, que incluiram um período trabalhando com o ex-piloto de automobilismo Emerson Fittipaldi — este sim, morava bem, em Key Biscayne, com a lancha “estacionada” no quintal — frequentei muito a cidade.

Lembro-me perfeitamente do primeiro boom imobiliário, inclusive por ter feito reportagens a respeito dele. A ideia era capturar investimento da América Latina de maneira permanente, oferecendo imóveis que rendessem mais que o dinheiro da compra. Por isso, os condomínios deveriam incorporar serviços que seriam oferecidos com um custo-extra aos moradores. De spas a massagistas, de lavanderias a cineclubes.

A ideia é a mesma que foi adotada, mais tarde, pelos cassinos de Las Vegas, muitos dos quais foram demolidos e reconstruídos do zero. Não bastava atrair os jogadores. Agora, era preciso trazer também as esposas, filhos e parentes. Enquanto um estava no cassino, as crianças se divertiam num parque e outro fazia compras. Ou seja, um processo contínuo de ordenhar o investidor/turista, de arrancar dele todo o dinheiro disponível.

Mas o estouro da bolha imobiliária, em 2008, comprometeu tanto Miami quanto Las Vegas.

Conhecedores disso, os corretores da Flórida passaram a depositar toda a esperança em estrangeiros para sustentar, no mercado, valores que um norte-americano dificilmente pagaria — Joaquim Barbosa investiu pelo menos R$ 546 mil por 73 metros quadrados, segundo a Folha, numa torre do condomínio que não tem vista para o mar.

Como dizem os corretores gringos, “location, location, location”, ou seja, o valor está no endereço “nobre” da rua Brickell. Faria sentido se Barbosa morasse em Miami e precisasse ter fácil acesso ao centro da cidade, por exemplo. Fora disso, o presidente do STF conseguiria um apartamento muito melhor em outros bairros gastando bem menos.

Um filho na universidade, tratamento médico especializado, cidadania dos Estados Unidos… são inúmeras as razões pelas quais alguém faz investimento na Flórida. A escolha específica de Barbosa pode ser, no entanto, bem parecida com a de muitos outros brasileiros: um investimento anti-econômico para satisfazer a vaidade e sossegar a permanente ansiedade do status.

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Viomundo

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