21 de julho de 2013
No mundo, até os plutocratas se preocupam com a concentração de renda, mas no Brasil não.
Não conhecia o Instituto Millennium.
Depois de conhecer, concluí imediatamente que poderia ter continuado a não conhecer.
É o triunfo do arquiconservadorismo nacional. Naveguei pelo site, e
vi basicamente uma duplicação desinspirada do que você já vê na grande
mídia brasileira: as mesmas pessoas, os mesmos articulistas, as mesmas
ideias, o mesmo nhenhenhém.
E a mesma desconexão com o mundo moderno.
Vejamos o que o Millennium tem a dizer sobre o tema mais importante
da agenda dos líderes globais: a questão da desigualdade social.
Nada. Simplesmente nada. É como se isso não existisse no Brasil. A
história está abarrotada de situações em que a extrema desigualdade
levou ao caos social, ou a revoluções. Mas para o Millennium isto não é
um problema brasileiro.
Vejamos.
A desigualdade é o tema de uma reportagem especial desta semana da
excelente revista The Economist, conservadora como o Millennium – mas
com a diferença de que é competente, lúcida e persuasiva na defesa de
seu ideário.
A Economist afirma, com razão, que o movimento Ocupe Wall St trouxe a
desigualdade para a mesa dos debates mundiais. Nos Estados Unidos, ela
está no centro da campanha de Obama para derrotar Romney e ganhar uma
nova temporada na Casa Branca.
Nos últimos 30 anos, escreve a Economist, uma “dramática”
concentração de renda nos Estados Unidos remeteu a uma situação
“parecida ou pior” do que a que marcou a infame “Gilded Age” do começo
do século 20. Foi a era dos “barões ladrões”, como passaram para a
história magnatas americanos como os Vanderbilts, e da miséria para a
maior parte da sociedade.
Foi um tempo de extravagâncias chocantes. George Vanderbilt II, por
exemplo, ergueu ao longo de seis anos na Carolina do Norte a Biltmore,
uma mansão de 250 quartos na qual trabalharam 1000 pedreiros. Passados
cem anos, a casa de Bill Gates em Seattle não faz feio diante de
Biltmore.
A fatia da riqueza nacional das 16 000 famílias mais ricas dos
Estados Unidos – 0,01% — quadruplicou nas três últimas décadas. “A
ampliação da desigualdade começa a preocupar até os plutocratas”, afirma
Economist.
Não os nossos, aparentemente. Ou não, pelo menos, os agrupados no
Millennium. Eles parecem ignorar que, quanto menos desigual uma
sociedade, menores as chances de radicalismos ou extremismos
florescerem.
A despeito dos avanços recentes, o Brasil tem uma iniquidade
pavorosa. No mundo da economia, há uma medição para isso, o chamado
Coeficiente Gini. Os países escandinavos, como sempre, são os que
aparecem no topo dos lugares em que a distribuição de renda é boa.
O Brasil é um dos últimos colocados. Tem disputado com a África do
Sul a duvidosa honra de ser o primeiro da relação dos iníquos.
Segundo números do Banco Mundial, os 20% mais ricos do Brasil concentram 43,3% da riqueza nacional. Os 20% mais pobres têm 2,9%.
O Millennium se bate por esse status quo. Brotam de lá as habituais
ladadinhas em relação ao excesso de impostos do Brasil. Isso lembra a
pregação cínica de Romney, um especialista em achar maneiras de evadir
impostos – com o assim chamado planejamento fiscal, uma arte disseminada
entre a plutocracia brasileira. (A Receita cobra na Justiça uma dívida
de 2,6 bilhões de reais da Globo, presentíssima no Millennium pelo
acionista João Roberto Marinho e mais os colunistas de sempre.)
O Millennium defende um mundo velho, feito de privilégios – e é por isso que não influencia e não comove os brasileiros.
Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 15 de outubro de 2012.
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