publicado em 19 de julho de 2013
Cristina vive com a mãe num quarteirão nobre do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, com vista para o mar
por TC*
Dos quinze processos a que Cristina Maris Meinick Ribeiro responde ou
respondeu na Justiça Federal do Rio de Janeiro, os donos, sócios ou
funcionários de empresas que ela teria beneficiado — ou que foram
citadas nos processos — acabaram incluídos como réus ou testemunhas em
todos, com uma única exceção: a Globopar, empresa controladora das
Organizações Globo, nem foi chamada para testemunhar na ação em que foi
citada pelo significativo valor de R$ 600 milhões.
Agora, sete anos depois da autuação da Receita, com o vazamento da
existência do processo a Procuradoria da República no Distrito Federal
(PR-DF) abriu apuração criminal preliminar para investigar suspeitas de sonegação.
Cristina Ribeiro era agente administrativa da Receita Federal. Em 23
de janeiro de 2013, o juiz Fabrício Antonio Soares condenou-a a 4 anos e
11 meses no processo no qual ela foi acusada de, através de fraude
eletrônica no sistema da Receita, ajudar as empresas Mundial S/A
Produtos de Consumo, Forjas Brasileiras S/A e P&P Porciúncula, além
de dar sumiço num processo relativo à Globopar.
Como notou o juiz, o processo da Globopar envolvia uma cobrança
superior a 600 milhões de reais – 183 milhões de imposto devido, 157
milhões de juros e 274 milhões de multa. Foi resultado do Processo
Administrativo Fiscal de número 18471.000858/2006-97, sob
responsabilidade do auditor Alberto Sodré Zile. Como ele constatou crime
contra a ordem tributária, pelo menos em tese, abriu a Representação
Fiscal para Fins Penais sob o número 18471.001126/2006-14.
Fisicamente, os dois estavam anexados.
A existência da cobrança foi primeiro revelada pelo blogueiro Miguel do Rosário, n’O Cafezinho. Posteriormente, Miguel atuou em parceria com tuiteiros e blogueiros, especialmente com O Tijolaço, de Fernando Brito.
Especulou-se sobre o sumiço do processo, até a revelação de que
Cristina tinha sido condenada pela retirada da papelada relativa à Globo
de uma repartição da Receita no Rio.
Rodrigo Vianna, do Escrevinhador,
testou a hipótese de que o sumiço teria relação com um acordo entre
Globo e o governo Lula, fechado entre o primeiro e o segundo turnos das
eleições de 2006.
Fernando Brito, d’O Tijolaço, apresentou uma cronologia importante, reproduzida parcialmente abaixo:
1– A Globo é autuada em 16 de outubro de 2006 por sonegação de
impostos devidos pela compra dos direitos de transmissão da Copa de
2002. Total da autuação: R$ 615 milhões.
2 — No dia 7 de novembro, José Américo Buentes, advogado da Globo, passa recibo de que recebeu cópia da autuação.
3 – No dia 29 deste mesmo mês, a Globo apresentou uma alentada defesa, de 53 páginas, pedindo a nulidade da autuação.
4 — No dia 21/12/06, a defesa da Globo foi rejeitada pelos auditores.
5 — No dia 29/12/2006, o processo é remetido da Delegacia de
Julgamento I, onde havia sido examinado, para o setor de Sistematização
da Informação, de onde são expedidas as notificações. Uma sexta-feira,
anote.
6 — Sábado, 30; Domingo, 31; Segunda, 1° de janeiro, feriado. Dia 2,
primeiro dia útil depois da remessa do processo ao setor, a servidora
Cristina Maris Meirick Ribeiro, que estava de férias, vai à repartição,
pega o processo, enfia numa sacola e o leva embora.
A Globo nega qualquer relação com o sumiço do processo. Em nota, disse que só ficou sabendo da condenação de Cristina pelo “extravio” em 9 de julho deste ano.
Acrescentou: “ A Globo Comunicação e Participações não é parte no
processo, não conhece a funcionária e não sabe qual foi sua motivação”.
A empresa havia informado, em nota anterior,
que não tem qualquer dívida com a Receita relativa ao fato que motivou a
acusação de sonegação, a compra dos direitos de TV da Copa do Mundo de
2002. Para a Receita, a Globo usou indevidamente uma empresa de nome
Empire no refúgio fiscal das ilhas Virgens britânicas. Investiu nela e,
um ano depois, se desfez da empresa.
Com o capital, pagou pelos direitos
de TV sem recolher os impostos devidos ao Fisco, aplicáveis na compra
dos direitos de eventos internacionais.
“A pessoa jurídica realizou operações simuladas, ocultando as
circunstâncias materiais do fato gerador de imposto de renda na fonte”,
escreveu um funcionário da Receita no processo.
“Todos os procedimentos de aquisição de direitos de transmissão da
Copa do Mundo de 2002 pela TV Globo deram-se de acordo com as
legislações aplicáveis, segundo nosso entendimento.
Houve entendimento
diferente por parte do Fisco. Este entendimento é passível de discussão,
como permite a lei, mas a empresa acabou optando pelo pagamento”, disse
a Globo em nota.
No processo que levou à condenação de Cristina Ribeiro, a Globopar
não foi ouvida nem como testemunha. O mesmo não valeu para outras
empresas em tese beneficiadas por Cristina.
Como revelou o Viomundo,
o dono e dois funcionários da empresa Forjas Brasileiras — incluída na
mesma ação em que a Globopar é citada — foram condenados.
Localizamos outros 14 processos que envolvem o nome de Cristina na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
A maioria é por fraude em créditos de compensação tributária. Também
há um processo no qual Cristina é acusada de emitir novos CPFs para
pessoas com nome sujo na praça. No caso das empresas, há desde
multinacionais até loja de material de construção.
Em todos os casos, funcionários, diretores e até presidentes das companhias são réus no processo, exceto no caso da Globopar.
Por sinal, é o único em que foi registrado o furto do processo,
já que a maioria das ações é por inserção de dados falsos no sistema da
Receita Federal. O da Globopar é o processo com o maior valor
registrado.
Cristina nega tudo e argumenta que a senha dela teria sido usada por outra pessoa.
Todos os processos estão acessíveis no site da Justiça Federal do Rio de Janeiro.
São os seguintes:
1 – 0006497-41.2012.4.02.5101
07ª Vara Federal do Rio de Janeiro
AÇÃO CIVIL PÚBLICA/IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Histórico: Cristina é acusada de adulterar o sistema e trocar o CPF
de 12 pessoas que estavam com problemas no Serasa e ficaram com o
crédito reabilitado. Entre as pessoas, há uma recepcionista terceirizada
que trabalhava com ela na Receita.
2 – 0011843-12.2008.4.02.5101
20ª Vara Federal do Rio de Janeiro
AÇÃO CIVIL PÚBLICA/IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Histórico: Desdobramento do processo acima. Também são réus dois
homens que trocaram o número do CPF e abriram empresas fraudulentas com o
CPF novo.
3 – 0013029-31.2012.4.02.5101
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. É uma empresa que
fornece quentinhas para o Governo do Rio.
4 – 0027491-90.2012.4.02.5101
08ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: TORRE DE PARIS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. Entre os réus está um
advogado tributarista.
5 – 0802017-60.2007.4.02.5101
01ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL/PECULATO
Não há maiores informações sobre este processo
6 – 0803728-66.2008.4.02.5101
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Megadata Computações Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. Cristina alterou os
dados de uma mulher deficiente física que pediu isenção de IPI para um
pedido de habilitação de crédito e usou para criar os créditos para a
empresa. A Megadata é uma empresa do grupo Ibope e realiza todo o
processamento do seguro obrigatório (DPVAT) do país. Um dos réus é
Homero Frederico Icaza Figner, presidente da Megadata. Ele é sócio de
Carlos Augusto Montenegro.
7 – 0803937-35.2008.4.02.5101
04ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Banas Calçados e Componentes Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Banas é da cidade
de Canindé, no Ceará.
8 – 0806856-31.2007.4.02.5101
03ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresas beneficiadas: Mundial S/A Produtos de Consumo, Forjas Brasileiras S/A, P&P Porciúncula e Globopar.
Histórico: Caso da Globo já revelado anteriormente.
9 – 0809204-22.2007.4.02.5101
08ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa Beneficiada: Prevcor Ipanema S/A
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Prevcor é uma rede
de clínicas de cardiologia no Rio de Janeiro. Eles usaram títulos da
Eletrobras que estavam prescritos e com a ajuda de Cristina conseguiram
habilitar o crédito de mais de R$ 600 mil.
10 – 0814243-63.2008.4.02.5101
07ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL/ESTELIONATO
Histórico: Não há dados disponíveis com detalhes da ação. O réu é o
advogado tributarista Walmir Antonio Barroso, que possui um grande
escritório no Rio de Janeiro.
11- 0814324-46.2007.4.02.5101
04ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Vicari Indústria e Comércio de Madeira
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação
de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação
tributária. Este tipo de procedimento exige que a empresa apresente os
documentos à Receita para o andamento do processo. No entanto, a empresa
foi habilitada a compensar mais de R$ 4 milhões sem entregar nenhum
papel. A Vicari é uma empresa de São Paulo que fabrica embalagens e
pallets de madeira.
12 – 0814710-76.2007.4.02.5101
01ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Bem Nutritiva Comércio de Alimentos Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios
para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Bem Nutritiva é uma
empresa de merenda que fornece para a rede pública de ensino do Rio de
Janeiro. Um dos réus era sócio do Canecão.
13 – 00814711-61.2007.4.02.5101
05ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: KRONES DO BRASIL LTDA
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação
de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação
tributária. Ocorre que foi habilitado o crédito de uma empresa do Rio
Grande do Sul para uma empresa de São Paulo em uma agência da Receita do
Rio de Janeiro. Além disso, os créditos tributários de mais de R$ 8
milhões foram cedidos por uma pequena fábrica de sapatos de Sapiranga
(RS), a Musa Calçados, para uma multinacional alemã, gigante no setor de
embalagens para bebidas, a Krone. A legislação não autoriza este tipo
de cessão. O presidente da empresa alemã, da empresa de calçados e
Cristina são réus no processo.
14- 0814756-65.2007.4.02.5101
07ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: AGRÍCOLA FERRARI LTDA
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação
de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação
tributária. A Agrícola Ferrari é uma empresa de Passo Fundo (RS)
produtora de milho de pipoca, entre outros produtos. Nesta ação, o
Ministério Público federal informa que eles identificaram mais de 70
empresas que se beneficiaram do esquema fraudulento.
15 – 0817045-34.2008.4.02.5101
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação
de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação
tributária. A Profarma teria adquirido créditos tributários da empresa
Artur Lange S/A, uma pequena indústria de cosméticos que fica em Turucu
(RS). O dono da empresa, Manoel Birmarcker, presidente do Sindicato do
Comércio Atacadista de Drogas e Medicamentos, foi absolvido. A Justiça
entendeu que a culpa era dos consultores que ele contratou – e de
Cristina.
PS do Viomundo: *TC é experiente repórter investigativo que por enquanto prefere não se identificar.
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Viomundo
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