Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da
ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA,
correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que
era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Amadores e profissionais do mundo político parecem de acordo num ponto: Dilma Rousseff tem problemas de comunicação.
A razão dessa dificuldade é menos clara, porém.
Um conjunto de analistas, dentro e fora do governo, acredita que a presidente não consegue comunicar com clareza aquilo que pensa ou planeja. É como se fosse uma incapacidade congênita, apenas disfarçada pelo período em que as coisas pareciam andar tão bem na economia que não era necessário falar muito.
Um conjunto de analistas, dentro e fora do governo, acredita que a presidente não consegue comunicar com clareza aquilo que pensa ou planeja. É como se fosse uma incapacidade congênita, apenas disfarçada pelo período em que as coisas pareciam andar tão bem na economia que não era necessário falar muito.
Ao enfrentar tempos mais difíceis, expressos nos protestos de
junho, revelou-se que seria incapaz de conversar com o povão e também
com a elite.
Assim, sua mensagem não chega ao eleitor.
Não se trata, é claro, de uma opinião consensual.
Analisando os protestos, o sociólogo Manuel Castells, um dos mais
celebrados intelectuais contemporâneos, interlocutor de Fernando
Henrique Cardoso e referência do ex-presidente para tantos assuntos,
disse a Daniela Mendes, da IstoÉ:
- Ela (Dilma) é a primeira líder mundial que presta atenção, que
ouve as demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira
democrata.
Na mesma entrevista, Castells deixou claro que tinha entendido qual era o problema da mensagem. Ele disse:
- Ela (Dilma) está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais.
A verdade é que em apenas quinze dias as principais respostas que
Dilma ofereceu aos problemas reais colocados pelos protestos passaram no
moedor de carne e sobrou pouca coisa.
É certo que, com toda sinceridade, e sem intenções ocultas, muita
gente não tinha a menor disposição de prestar atenção na presidente.
Como escreveu uma estudante no Twitter: “para quem tem 20 anos, a
pergunta é: por que ela só pensou nisso agora?”
Nem todos pensaram da mesma forma, contudo.
O plebiscito e a Constituinte, as principais ideias da presidente
para encaminhar a reforma política, tradução quase literal do urro das
ruas contra nossas formas de representação e nossos representantes,
obtiveram apoio de 68% da população. Difícil falar em problemas de
comunicação, certo?
Até um calouro do pior curso de Ciência Política seria capaz de
imaginar que, a partir dali, a presidente poderia tentar reconstruir
relações políticas com uma fatia do seu antigo eleitorado. Aos trancos e
barrancos, havia encontrado uma passagem.
Em poucos dias, para realizar a profecia de Castells, Dilma foi
“esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais”, sob aplauso do
mesmos veículos de comunicação que celebraram os protestos como o
despertar do gigante.
O que se alegou? Que o plebiscito e a Constituinte eram ideias de
quem não têm ideias reais e se orientam pelas bolas de cristal dos
serviços de marketing.
Considerando que absolutamente todos os políticos brasileiros têm
seu consultor de marketing, que costuma exercer sua influência tão
notável como decisiva na maioria de suas decisões políticas, cabe
abandonar a ingenuidade fingida e mudar a pergunta: o que se temia?
Simples: temia-se que o povo desse palpite – de verdade – nas
linhas gerais de formação de um novo sistema político. Não se queria
correr o risco de eliminar a influência do poder econômico nos processos
políticos. Era preciso garantir a falsa mudança, o processo em que
tudo muda para que nada mude. As ruas sempre foram úteis para isso, como
se sabe desde que essa frase foi escrita, para registrar os limites da
luta pela democracia italiana.
No esforço unilateral para desqualificar ideias da presidente,
inclusive de grande aprovação popular, inventou-se até que Dilma havia
tentado criar uma lei inútil, aquela que transforma a corrupção em crime
hediondo, apenas para cultivar a demagogia das massas. Você pode gostar
ou não do projeto. Mas é bom saber que ele só entrou em votação numa
ação combinada entre Renan Calheiros e a mais aplicada dupla de inimigos
do governo no Senado, Álvaro Dias e Pedro Taques. Os petistas apenas
pegaram carona, até porque, em função de projetos antigos, mantidos na
gaveta pela direção do Senado, tinham todo direito de se apresentar como
pais da ideia.
O mesmo tratamento se reservou a um projeto ambicioso, prioritário
e, mais uma vez, tão necessário ao país que a estudante de 20 anos teria
toda razão em perguntar mais uma vez: por que não se fez isso antes?
Estou falando do programa Mais Médicos, destinado a suprir a
carência obvia de médicos em boa parte dos municípios brasileiros. Quem
estuda o mercado de trabalho sabe que, em dez anos, nossas faculdades
formaram 54.000 médicos a menos do que o número necessário para manter
um atendimento razoável no país. No Rio Grande do Sul, prefeituras em
região de fronteira contratam médicos uruguaios para atender à
população. Há dois meses, 2.500 prefeitos – que representam metade das
cidades do país – apoiaram um abaixo assinado para pedir a contratação
de médicos. Cansados de esperar pelos doutores que não vêm, foram até
Brasília num ato explícito pela contratação de estrangeiros.
Mas é óbvio que esse projeto foi camuflado pela prioridade de dar
voz aos adversários do governo. Cumprindo aquele papel já assumido de
auxiliar uma oposição “fraquinha”, em vez de debater os prós e contras
do projeto, a maioria dos meios de comunicação deu atenção maior às
entidades corporativas dos médicos do que à opinião dos usuários do SUS e
lideranças da periferia. Por esse método, seria coerente ouvir apenas
Federação Nacional de Jornalistas para falar sobre o diploma da
categoria. Ou perguntar somente aos sindicatos dos professores sobre o
plano de bônus por produtividade.
Os titulares das entidades médicas foram ouvidos como porta-vozes
legítimos de toda sociedade e não de uma parte dela. Veiculou-se como
verdade estabelecida a noção de que o governo pretendia enviar médicos
para trabalhar em taperas sem estrutura nem condição de trabalho.
Falso.
Neste domingo, graças ao Estado de S. Paulo, revelou-se que as
carências da saúde pública são imensas, mas ela se encontra em situação
oposta. Em cinco anos, o total de equipamentos de saúde registrados
pelo governo federal teve alta de 72,3%. O número de leitos hospitalares
subiu 17,3% e o de estabelecimentos de saúde, 44,5%. A oferta de
médicos, porém, cresceu apenas 13,4% - ou seja, menos do que os
principais índices de infraestrutura de saúde.
Posso até concordar que há um problema real na comunicação de Dilma, entre aquilo que ela diz e aquilo que pretende dizer.
E é evidente que o governo possui um problema de articulação
essencial, que desconhece inclusive forças que poderiam ajudá-lo, como
se viu no debate sobre o plebiscito.
Mas há um esforço para bloquear a comunicação. Procura-se um debate
a partir da mentira. Dizem agora que o governo quer “obrigar”
estudantes a “doar” dois anos de suas vidas em função da residência em
locais onde a presença de médicos é mais necessária – como se não fosse
uma atividade remunerada, e que em alguns casos pode chegar a R$ 8.000.
O que se quer, na verdade, é negar à autoridades eleitas o direito
de definir prioridades para atender a população. O que se quer é deixar
para o mercado a tarefa de organizar a saúde pública – opção histórica
de nossas autoridades, que produziu a miséria visível aos olhos de
todos.
Não é o exercício da crítica, não é a apuração para mostrar
verdades ocultas por trás dos atos do governo. Também não tem a ver com o
caráter adequado ou danoso de suas propostas.
É, simplesmente, um esforço para silenciar o governo. Vale tudo, inclusive dizer que não sabe se comunicar.
Isto É
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