Reportagem aponta que nos governos de Geraldo Alckmin, mas também de
José Serra e Mario Covas, cerca de US$ 50 milhões teriam sido desviados
das obras do metrô; denúncia da Siemens, que decidiu colaborar com a
Justiça, lança luzes sobre o esquema; Alckmin será, agora, alvo de ação
de improbidade
20 de Julho de 2013 às 07:20
247 - Uma
denúncia feita pela multinacional alemã Siemens, que acusou formação de
cartel nas obras do metrô, em São Paulo, e decidiu colaborar com a
Justiça, poderá trazer sérias complicações ao governador Geraldo
Alckmin. De acordo com reportagem da revista Istoé, publicada neste fim
de semana, foi montado um "propinoduto" relacionado às obras do metrô,
que teria desviado US$ 50 milhões nos governos de Alckmin, mas também de
José Serra e Mario Covas. Alckmin será, inclusive, alvo de uma ação de
improbidade. Leia, abaixo, a reportagem de Alan Rodrigues, Pedro
Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas:
O esquema que saiu dos trilhos
Um propinoduto criado para
desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi
montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades
ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
Ao assinar um acordo com o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens
lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por
sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das
obras do Metrô e dos trens metropolitanos.
Em troca de imunidade civil e
criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras
companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre
licitações públicas na área de transporte sobre trilhos.
Para vencerem
concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de
trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos
em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os
empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades
ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão.
O problema é que
a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações
de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de
investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência
foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse.
Pelo
contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto na
Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer
licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo.
O
Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens
relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a
Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em
contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15
inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível
detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e
que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para
abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na
Europa.
As provas oferecidas pela Siemens e
por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre elas, consta um
depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um
funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da
denúncia.
Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao
Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de
dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e
empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo
nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens
subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela,
realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002,
durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o
certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM
(Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos).
À época, a Siemens
subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos
da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões
até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados
na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a
políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia.
Para não deixar
rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a
R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante
muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB,
e diretores da CPTM.
A MGE é frequentemente utilizada
pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a
MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”,
denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da
empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam
envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o
delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando
se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze
David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do
Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e
Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni,
diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”.
“Ele
controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos
motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de
receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era
Lavorente.
“O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente
a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de
operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com
outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da
Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e
Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar
as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
Além de subcontratar empresas para
simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o
esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo
fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do
esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a
propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos
fiscais.
Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do
ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur
Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint
E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e
Gantown Consulting S/A.
Neste caso específico, segundo o denunciante, a
propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das
integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para
implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5%
para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com
exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de
transportes sobre trilho.
“A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada
(Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a
Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões,
acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em
badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da
formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e
Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento
que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados
por empresa na licitação.
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão
além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no
Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e
bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por
suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma
prática de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países.
Entre eles, o Brasil. Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram
na investigação dos promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado pelo então governador tucano
Mário Covas.
No período em que as propinas teriam sido negociadas,
Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha
paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito
de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de
Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a
abril de 1997. Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da
Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que
teria sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1
milhão depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo.
Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que
estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” –
por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em
negociatas que beneficiaram a Alstom.
Entre as revelações feitas pela
Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras
gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a
espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para
manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de
transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do
PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências
para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do
metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa
Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de
trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela
CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de
pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com a formação do cartel, as
empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à
vitória em outra licitação também superfaturada. Outra estratégia comum
era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente
acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos
negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões
nos escritórios das empresas e referendados por correspondência
eletrônica. No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou
busca e apreensão nas sedes das companhias delatadas.
A Operação Linha
Cruzada da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas
cidades em São Paulo e Brasília. Apenas em um local visitado, agentes da
PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao abrir o esquema, a
Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à companhia e
a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e condenado.
A
imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando um
participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera
com as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à
multa que pode chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a
Siemens e o Cade vem sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o
órgão exige que a multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a
manipulação de preços em licitações.
Só em contratos com os governos
comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do
cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$
12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente.
Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de
improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o
deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de
corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo
partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos –
no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a
Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no
Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério
Público.
Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de
corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos
Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas
investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres
públicos.
Brasil 247
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