22 de julho de 2013
Um dos principais críticos do conservadorismo católico elogia Francisco.
O texto abaixo foi publicado no site DW Brasil.
O papa Francisco vai inaugurar uma nova era para a Igreja Católica durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro.
Essa é a convicção do teólogo Leonardo Boff, que em 1992 deixou todos os cargos na igreja, após ser censurado pelo Vaticano.
Em entrevista à DW Brasil na sua casa em Petrópolis (RJ), o teólogo elogiou Francisco, afirmando que ele é o papa da ruptura.
“Essa é a palavra que Bento 16 e João Paulo 2º mais temiam. Eles
acreditavam que a igreja tinha que ter continuidade”, diz Boff, um dos
expoentes da Teologia da Libertação.
DW Brasil: No Rio de Janeiro, mais de um milhão de fiéis católicos vão se reunir e celebrar a fé durante a Jornada Mundial da Juventude. No século 21, o cristianismo ainda precisa da figura de um papa?
Leonardo Boff: Fundamentalmente não precisaria de um papa. A igreja poderia se organizar numa vasta rede de comunidades.
Mas, à medida que a igreja foi se transformando numa instituição e
assumindo uma função política no Império Romano, ela assumiu também os
símbolos do poder: o próprio nome “papa”, que era exclusivo dos
imperadores, e aquela capinha cheia de ouro, que só os imperadores
podiam usar, mas que os papas todos usavam.
Então, esse curso de uma igreja que tem uma função política dentro do
Império Romano em decadência obrigava a igreja a ter um centro de
referência.
Francisco, quando ofereceram a ele aquela capinha, disse “O carnaval acabou, não quero isso”.
Então, esse papa chegou para mudar?
Eu acho que esse é o papa da ruptura. Essa é a palavra que Bento 16 e João Paulo 2º mais temiam.
Eles acreditavam que a igreja tinha que ter continuidade, portanto o
Concílio Vaticano Segundo não poderia significar ruptura com o Primeiro.
Mas não, agora há uma ruptura, a figura do papa não é mais a clássica, é outra.
Francisco não começou com a reforma da cúria, começou com a reforma do papado.
O que você quer dizer com “reforma do papado”?
Na Europa vivem só 24% dos católicos. Na América Latina são 62%, e o restante está na África e na Ásia.
Então hoje, o cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo que um dia teve origem no Primeiro Mundo.
Acho que o papa Francisco vai criar uma dinastia de papas do Terceiro
Mundo. Além disso, as nossas igrejas já não são mais igrejas de
espelho, imitando as europeias; são igrejas fonte, criaram suas
tradições, têm os seus mártires, seus mestres, suas formas de celebrar,
têm suas teologias e profetas e figuras importantes, como dom Hélder
Câmara e Oscar Romero.
Essas igrejas estão dando vitalidade ao cristianismo.
Por que o senhor está tão otimista? Os problemas da Igreja
Católica continuam: a exclusão dos divorciados, a discriminação dos
homossexuais, a proibição de mulheres-sacerdotes…
O papa deu um exemplo claro. Ele soube que um pároco em Roma negou o batismo ao filho de uma mulher solteira.
E o papa disse: “Esse padre está errado, porque não existe mãe
solteira. Existe mãe e filho. E ela tem o direito de ver o filho
batizado, porque a igreja tem que ter as portas abertas, pouco importa a
condição moral da pessoa”.
E ele foi mais fundo ao dizer que não se pode inventar um oitavo
sacramento, proibindo os fiéis que não se enquadrem na disciplina
eclesiástica de participar da vida da igreja e dos sacramentos.
Até agora, os temas de moral sexual, de moral familiar, de celibato e
de homossexualidade eram proibidos de serem discutidos. Se um teólogo
ou um padre discutisse esse assunto, era logo censurado. Agora, ele vai
permitir a discussão.
No Brasil, nas últimas semanas, milhares de jovens foram às ruas
protestar contra os políticos corruptos e os altos investimentos nos
estádios de futebol. Qual é o recado que o papa vai dar aos jovens?
Ele fez uma declaração corajosa em Roma, dizendo que os políticos têm
que escutar os jovens na rua; que a causa dos jovens é legítima, justa e
que estaria em conformidade com o evangelho.
Eu acho que ele vai fazer uma convocação crítica aos políticos, para
que eles não sejam mais corruptos e passem a servir mais ao povo.
E vai fazer um desafio aos jovens de continuar a transformação da
sociedade, mas sem violência. E aí exclui todos esses vândalos que nos
últimos dias mostraram uma violência absolutamente injustificável e
estúpida.
O senhor disse que os programas sociais no Brasil “incluíram uma
Argentina inteira na sociedade brasileira”. Por que então as pessoas
protestam contra o governo brasileiro?
Curiosamente, elas não são contra o PT, a Dilma ou o Lula. Elas
mostram uma insatisfação geral com o Brasil que temos, que é um país com
profundas desigualdades.
São 5.000 famílias brasileiras que controlam 43% de toda a riqueza nacional.
Além disso, o próprio PT atingiu o seu teto. Ou ele muda e refaz a
sua relação orgânica com os movimentos sociais, ou ele se transforma num
partido como os demais, que buscam o poder e acabam se corrompendo.
A classe média brasileira parece não estar gostando tanto dos
programas de inclusão social do governo brasileiro. Ela foi deixada de
lado?
Com Lula, os ricos ficaram mais ricos, e os pobres saíram da pobreza. Todo mundo ganhou.
Eu creio que o governo do PT não fez só uma distribuição de renda,
favorecendo os pobres, mas também fez uma redistribuição. Tirando de
quem tem e passando para quem não tem.
Só que ele não aplicou isso às grandes fortunas. Ele tirou da classe média, que ficou mais pobre.
O senhor acredita que os políticos vão atender ao recado do papa na Jornada Mundial da Juventude?
Eu acho que ele vai ser muito importante para a América Latina,
porque o modo de ser dele vai reforçar as novas democracias, que
nasceram na resistência aos militares e estão fazendo boas políticas
sociais para os pobres, com inclusão.
Então, ele tem uma função política importante.
A Cristina Kirchner, que vivia em polêmica com ele, entendeu a lição e fez as pazes.
Mas por quê? Porque o papa move multidões. Talvez ninguém no mundo
hoje possa reunir um milhão de pessoas. Político nenhum, nem mesmo o
Obama.
Mas a Igreja Católica perdeu poder e influência?
Institucionalmente, a igreja no Brasil está numa profunda crise. Pelo
número de católicos, deveríamos ter 100 mil padres. Temos 17 mil.
Criou-se um vazio, pelo qual entraram as igrejas pentecostais. E com
razão. Como o povo é religioso, quem vem falar de Deus, ele [o povo]
aprecia, porque indo para Deus, podemos somar sempre.
Para batismo, casamento e enterro, é a Igreja Católica. Para saber o
outro lado do mundo, ele vai para o espiritismo. Para as questões de
sorte e amor, ele vai num centro de macumba.
O povo não tem uma visão doutrinária, tem uma visão prática.
É um supermercado religioso, com muitos produtos, e o povo vai se servindo.
Com Francisco, a Teologia da Libertação vai voltar?
Com este papa, ela vai ganhar visibilidade. Antes se dizia que a
Teologia da Libertação era uma teologia marxista. Agora se diz que ela é
uma teologia católica. Isso muda a atmosfera da igreja.
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