Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Por que grandes empresários se aliaram a manifestantes e imprensa cobriu protestos de forma ufanista?
Em setembro de 2011, centenas de norte-americanos ocuparam uma praça de Wall Street, centro financeiro da maior economia mundial, para apontar para o 1% mais privilegiado da população, que eles eram os 99% que os sustentavam. E que não estavam mais dispostos a fazê-lo.
Na maior das manifestações ocorridas em São Paulo, o prédio da poderosa Federação das Indústrias na avenida Paulista foi colorido com uma estilizada bandeira brasileira e se tornou parceiro e paisagem dos protestos.
Quando os indignados saíram às ruas na Espanha, foram as redes sociais que serviram de aglutinação e ao mesmo tempo relatavam as manifestações do 15-M em busca da Democracia Real, esvaziadas e distorcidas na imprensa.
No Brasil, apesar de uma tentativa inicial de criminalização, poucos eventos acabaram por merecer uma cobertura tão extensa e em certos momentos até panfletária da grande mídia.
O que fez com que grandes empresários pudessem se aliar aos manifestantes e a imprensa cobrisse os protestos de forma assim ufanista?
Foi o mesmo que motivou a classe média mais tradicional a abandonar sua atávica repulsa a movimentos sociais e atropelar os protestos que nasceram pela revogação do aumento da tarifa.
A crítica se pulverizou toda ela no processo político –poupando agentes e estruturas econômicas responsáveis, em grande parte, pela sua deterioração.
Indignados espanhóis e ocupantes norte-americanos também fizeram mordazes críticas à falta de legitimidade da democracia representativa.
Mas o que expunham era justamente o fato de que os políticos, que deviam representar a vontade da população que os elegera, haviam capitulado frente aos grandes interesses financeiros.
Não à toa, os norte-americanos ignoraram a Casa Branca, o Capitólio ou outras sedes de governo no simbolismo de seu protesto. Foram a Wall Street, onde entendiam se resolver os verdadeiros problemas da política.
Os indignados espanhóis se sentaram nas praças para criticar o bipartidarismo e não para pedir a substituição de um partido por outro. Tinham como um de seus principais slogans: “Não somos marionetes nas mãos de políticos e banqueiros”.
Por aqui, tivemos duas marcas distintas e ao mesmo tempo reveladoras da onda de manifestações.
A primeira é que a repulsa aos partidos não se limitou à autonomia da manifestação, mas beirou o ódio em algumas delas, sugerindo-se que, numa espécie de pátria unida, a bandeira do Brasil pudesse substituir a das legendas, álibi para a agressão de vários militantes.
A outra é que depuramos completamente o substrato econômico da crítica.
Nas limitações cada vez mais explícitas da democracia no capitalismo, questionou-se apenas o processo político. Excluímos da pauta a crítica à forte concentração econômica, possivelmente um dos fatores mais importantes de seu vício.
Isso teve consequências nos primeiros resultados pragmáticos.
A tarifa baixou para os usuários, mas não a remuneração dos empresários do transporte.
De uma manifestação que se iniciou com a libertária bandeira de uma vida sem catraca, os sinais que emergem no Congresso apontam paradoxalmente para o fortalecimento do tônus da repressão.
Afinal, a maioria dos manifestantes não estava mesmo indignada com a desigualdade social –em relação à qual, aliás, alguns fazem mais parte do problema que da solução- e sim com os absurdos do “país da impunidade”.
Não à toa, a disparidade entre as balas de borracha que feriram nas avenidas e as de chumbo que mataram na favela provocaram tão pouca indignação.
Afinal, quando se trata de repressão e impunidade, sempre há um condimento seletivo.
É sintomático que os senadores tenham decidido tornar a corrupção crime hediondo, mas não pensaram no mesmo modelo para a sonegação fiscal, que desvia ainda mais recursos da educação e saúde, trending topics dos cartazes de protesto.
Segundo a proposta aprovada no Senado, até o excesso de exação, a cobrança dolosa e excessiva de tributo, pode virar crime hediondo. Mas a supressão premeditada do imposto, a sonegação, vai continuar sendo resolvida apenas com o pagamento atrasado dos encargos.
Excluindo o capital da crítica, o movimento corre o risco se limitar a criminalizar a política e os políticos, centrando os olhos da repressão nos agentes públicos. Como, aliás, é a tônica dos movimentos anticorrupção apoiados pela mídia. Corruptores são sempre tratados como vítimas.
A insatisfação coletiva mostra que é mesmo necessário encontrar mecanismos de permeabilidade da vontade social.
Mas, sobretudo, que é preciso defender o que é público da ganância dos interesses privados, atualmente, em todo o mundo, com maior força do que o próprio poder estatal. O mercado não disputa eleições, é verdade, mas influencia a todos que se elegem.
É gratificante que as pessoas queiram tomar as rédeas do poder de seu país.
Mas devem compreender, efetivamente, quem as impede.
Por que grandes empresários se aliaram a manifestantes e imprensa cobriu protestos de forma ufanista?
Em setembro de 2011, centenas de norte-americanos ocuparam uma praça de Wall Street, centro financeiro da maior economia mundial, para apontar para o 1% mais privilegiado da população, que eles eram os 99% que os sustentavam. E que não estavam mais dispostos a fazê-lo.
Na maior das manifestações ocorridas em São Paulo, o prédio da poderosa Federação das Indústrias na avenida Paulista foi colorido com uma estilizada bandeira brasileira e se tornou parceiro e paisagem dos protestos.
Quando os indignados saíram às ruas na Espanha, foram as redes sociais que serviram de aglutinação e ao mesmo tempo relatavam as manifestações do 15-M em busca da Democracia Real, esvaziadas e distorcidas na imprensa.
No Brasil, apesar de uma tentativa inicial de criminalização, poucos eventos acabaram por merecer uma cobertura tão extensa e em certos momentos até panfletária da grande mídia.
O que fez com que grandes empresários pudessem se aliar aos manifestantes e a imprensa cobrisse os protestos de forma assim ufanista?
Foi o mesmo que motivou a classe média mais tradicional a abandonar sua atávica repulsa a movimentos sociais e atropelar os protestos que nasceram pela revogação do aumento da tarifa.
A crítica se pulverizou toda ela no processo político –poupando agentes e estruturas econômicas responsáveis, em grande parte, pela sua deterioração.
Indignados espanhóis e ocupantes norte-americanos também fizeram mordazes críticas à falta de legitimidade da democracia representativa.
Mas o que expunham era justamente o fato de que os políticos, que deviam representar a vontade da população que os elegera, haviam capitulado frente aos grandes interesses financeiros.
Não à toa, os norte-americanos ignoraram a Casa Branca, o Capitólio ou outras sedes de governo no simbolismo de seu protesto. Foram a Wall Street, onde entendiam se resolver os verdadeiros problemas da política.
Os indignados espanhóis se sentaram nas praças para criticar o bipartidarismo e não para pedir a substituição de um partido por outro. Tinham como um de seus principais slogans: “Não somos marionetes nas mãos de políticos e banqueiros”.
Por aqui, tivemos duas marcas distintas e ao mesmo tempo reveladoras da onda de manifestações.
A primeira é que a repulsa aos partidos não se limitou à autonomia da manifestação, mas beirou o ódio em algumas delas, sugerindo-se que, numa espécie de pátria unida, a bandeira do Brasil pudesse substituir a das legendas, álibi para a agressão de vários militantes.
A outra é que depuramos completamente o substrato econômico da crítica.
Nas limitações cada vez mais explícitas da democracia no capitalismo, questionou-se apenas o processo político. Excluímos da pauta a crítica à forte concentração econômica, possivelmente um dos fatores mais importantes de seu vício.
Isso teve consequências nos primeiros resultados pragmáticos.
A tarifa baixou para os usuários, mas não a remuneração dos empresários do transporte.
De uma manifestação que se iniciou com a libertária bandeira de uma vida sem catraca, os sinais que emergem no Congresso apontam paradoxalmente para o fortalecimento do tônus da repressão.
Afinal, a maioria dos manifestantes não estava mesmo indignada com a desigualdade social –em relação à qual, aliás, alguns fazem mais parte do problema que da solução- e sim com os absurdos do “país da impunidade”.
Não à toa, a disparidade entre as balas de borracha que feriram nas avenidas e as de chumbo que mataram na favela provocaram tão pouca indignação.
Afinal, quando se trata de repressão e impunidade, sempre há um condimento seletivo.
É sintomático que os senadores tenham decidido tornar a corrupção crime hediondo, mas não pensaram no mesmo modelo para a sonegação fiscal, que desvia ainda mais recursos da educação e saúde, trending topics dos cartazes de protesto.
Segundo a proposta aprovada no Senado, até o excesso de exação, a cobrança dolosa e excessiva de tributo, pode virar crime hediondo. Mas a supressão premeditada do imposto, a sonegação, vai continuar sendo resolvida apenas com o pagamento atrasado dos encargos.
Excluindo o capital da crítica, o movimento corre o risco se limitar a criminalizar a política e os políticos, centrando os olhos da repressão nos agentes públicos. Como, aliás, é a tônica dos movimentos anticorrupção apoiados pela mídia. Corruptores são sempre tratados como vítimas.
A insatisfação coletiva mostra que é mesmo necessário encontrar mecanismos de permeabilidade da vontade social.
Mas, sobretudo, que é preciso defender o que é público da ganância dos interesses privados, atualmente, em todo o mundo, com maior força do que o próprio poder estatal. O mercado não disputa eleições, é verdade, mas influencia a todos que se elegem.
É gratificante que as pessoas queiram tomar as rédeas do poder de seu país.
Mas devem compreender, efetivamente, quem as impede.
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