Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha de meu país
Marcelo Zero*
Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha do meu país.
Não sinto vergonha dos 36 milhões de
brasileiros que conseguiram sair daquilo que Gandhi chamava de a "pior
forma de violência", a miséria.
Agora, eles podem sonhar mais e fazer
mais. Tornaram-se cidadãos mais livres e críticos. Isso é muito bom para
eles e muito melhor para o Brasil, que fica mais justo e fortalecido. E
isso é também muito bom para mim, embora eu não me beneficie
diretamente desses programas. Me agrada viver em um país que hoje é um
pouco mais justo do que era no passado.
Também não sinto vergonha dos 42 milhões
de brasileiros que, nos últimos 10 anos, ascenderam à classe média, ou à
nova classe trabalhadora, como queiram.
Eles dinamizaram o mercado de consumo de
massa brasileiro e fortaleceram bastante a nossa economia. Graças a
eles, o Brasil enfrenta, em condições bem melhores que no passado, a
pior crise mundial desde 1929. Graças a eles, o Brasil está mais
próspero, mais sólido e menos desigual. Ao contrário de alguns, não me
ressinto dessa extraordinária ascensão social. Sinto-me feliz em
tê-los ao meu lado nos aeroportos e em outros lugares antes reservados a
uma pequena minoria. Sei que, com eles, o Brasil pode voar mais alto.
Não tenho vergonha nenhuma das obras da
Copa, mesmo que algumas tenham atrasado. Em sua maioria, são obras que
apenas foram aceleradas pela Copa. São, na realidade, obras de
mobilidade urbana e de aperfeiçoamento geral da infraestrutura
que melhorarão a vida de milhões de brasileiros. Estive no aeroporto de
Brasília e fiquei muito bem impressionado com os novos terminais e com a
nova facilidade de acesso ao local. Mesmo os novos estádios, que não
consumiram um centavo sequer do orçamento, impressionam. Lembro-me de
velhos estádios imundos, inseguros, desconfortáveis e caindo aos
pedaços. Me agrada saber que, agora, os torcedores vão ter a sua
disposição estádios decentes. Acho que eles merecem. Me agrada
ainda mais saber que tido isso vem sendo construído com um gasto efetivo
que representa somente uma pequena fração do que é investido em Saúde e
Educação. Gostaria, é claro, que todas as obras do Brasil fossem muito
bem planejadas e executadas. Que não houvesse aditivos, atrasos,
superfaturamentos e goteiras. Prefiro, no entanto, ver o Brasil em obras
que voltar ao passado do país que não tinha obras estruturantes, e
tampouco perspectivas de melhorar.
Tranquiliza-me saber que o Brasil tem um
sistema de saúde público, ainda que falho e com grandes limitações. Já
usei hospitais públicos e, mesmo com todas as deficiências do
atendimento, sai de lá curado e sem ter gasto um centavo. Centenas de
milhares de brasileiros fazem a mesma coisa todos os anos. Cerca de 50
milhões de norte-americanos, habitantes da maior economia do planeta e
que não têm plano de saúde, não podem fazer a mesma coisa, pois lá não
há saúde pública. Obama, a muito custo, está encontrando uma solução
para essa vergonha. Gostaria, é óbvio, que o SUS fosse igual ao sistema
de saúde pública da França ou de Cuba. Porém, sinto muito orgulho do
Mais Médicos, um programa que vem levando atendimento básico à saúde a
milhões de brasileiros que vivem em regiões pobres e muito isoladas.
Sinto alívio em saber que, na hora da dor e da doença, agora eles vão
ter a quem recorrer. Sinto orgulho, mas muito orgulho mesmo, desses
médicos que colocam a solidariedade acima da mercantilização da
medicina.
Estou também muito orgulhoso de
programas como o Prouni, o Reuni, o Fies, o Enem e os das cotas, que
estão abrindo as portas das universidades para os mais pobres, os
afrodescendentes e os egressos da escola pública.
Tenho uma sobrinha extremamente
talentosa que mora no EUA e que conseguiu a façanha de ser aceita, com
facilidade, nas três melhores universidades daquele país. Mas ela vai
ter de estudar numa universidade de segunda linha, pois a família, muito
afetada pela recessão, não tem condição de pagar os custos escorchantes
de uma universidade de ponta. Acho isso uma vergonha.
Não quero isso para o meu país.
Alfabetizei-me e fiz minha graduação e meu mestrado em instituições
públicas brasileiras. Quero que todos os brasileiros possam ter as
oportunidades que eu tive. Por isso, aplaudo a duplicação das vagas nas
universidades federais, a triplicação do número de institutos e escolas
técnicas, o Pronatec, o maior programa de ensino profissionalizante do
país, o programa de creches e pré-escolas e o Ciência Sem Fronteiras.
Gostaria, é claro, que a nossa educação pública já fosse igual à da
Finlândia, mas reconheço que esses programas estão, aos poucos,
construindo um sistema de educação universal e de qualidade.
Tenho imenso orgulho da Petrobras, a
maior e mais bem-sucedida empresa brasileira, que agora é
vergonhosamente atacada por motivos eleitoreiros e pelos interesses
daqueles que querem botar a mão no pré-sal. Nos últimos 10 anos, a
Petrobras, que fora muito fragilizada e ameaçada de privatização, se
fortaleceu bastante, passando de um valor de cerca de R$ 30 bilhões
para R$ 184 bilhões. Não bastasse, descobriu o pré-sal, nosso passaporte
para o futuro.
Isso seria motivo de orgulho para
qualquer empresa e para qualquer país. Orgulha ainda mais, porém, o fato
de que agora, ao contrário do que acontecia no passado, a Petrobras
dinamiza a indústria naval e toda a cadeia de petróleo, demandando
bens e serviços no Brasil e gerando emprego e renda aqui; não em
Cingapura. Vergonha era a Petrobrax. Pasadena pode ter sido um erro de
cálculo, mas a Petrobrax era um crime premeditado.
Vejo, com satisfação, que hoje a Polícia
Federal, o Ministério Público, a CGU e outros órgãos de controle estão
bastante fortalecidos e atuam com muita desenvoltura contra a corrupção e
outros desmandos administrativos. Sei que hoje posso, com base na Lei
da Transparência, demandar qualquer informação a todo órgão público.
Isso me faz sentir mais cidadão. Estamos já muito longe da vergonha dos
tempos do "engavetador-geral". Um tempo constrangedor e opaco em que se
engavetavam milhares processos e não se investigava nada de
significativo.
Também já se foram os idos vergonhosos
em que tínhamos que mendigar dinheiro ao FMI, o qual nos impunha um
receituário indigesto que aumentava o desemprego e diminuía salários.
Hoje, somos credores do FMI e um país muito respeitado e cortejado em
nível mundial. E nenhum representante nosso se submete mais à humilhação
de ficar tirando sapatos em aeroportos. Sinto orgulho desse país mais
forte e soberano.
Um país que, mesmo em meio à pior
recessão mundial desde 1929, consegue alcançar as suas menores taxas de
desemprego, aumentar o salário mínimo em 72% e prosseguir firme na
redução de suas desigualdades e na eliminação da pobreza extrema.
Sinto alegria com esse Brasil que não mais sacrifica seus trabalhadores para combater as crises econômicas.
Acho que não dá para deixar de se
orgulhar desse novo país mais justo igualitário e forte que está
surgindo. Não é ainda o país dos meus sonhos, nem o país dos sonhos de
ninguém. Mas já é um país que já nos permite sonhar com dias bem
melhores para todos os brasileiros. Um país que está no rumo correto do
desenvolvimento com distribuição de renda e eliminação da pobreza. Um
país que não quer mais a volta dos pesadelos do passado.
Esse novo país mal começou. Sei bem que ainda há muito porque se indignar no Brasil.
E é bom manter essa chama da indignação
acessa. Foi ela que nos trouxe até aqui e é ela que nos vai levar a
tempos bem melhores. Enquanto houver um só brasileiro injustiçado e
tolhido em seus direitos, todos temos de nos indignar.
Mas sentir vergonha do próprio país, nunca. Isso é coisa de gente sem-vergonha.
(*) Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB
Isto É
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