Autor: Mauro Santayana
Como mandar, por 153 milhões, o lucro
das multinacionais para cima, e o futuro do Brasil para o espaço.
(Jornal do Brasil) - A ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, licitou, há poucos
dias, quatro grupos de direitos de exploração de satélites, em espaços
reservados para o Brasil em órbita terrestre.
Venceram a disouta a Hispamar
Satélites, controlada pelo Grupo semi-estatal espanhol Hispasat, que ficou com o primeiro grupo de posições licitado, por
65 milhões de reais; a também europeia, de Luxemburgo, SES-DHT, que ficou com o segundo e o terceiro grupos licitados, por
33 e 26,8 milhões de reais; e a também europeia Eutelsat, controlada
majoritariamente pelo governo francês, que ficou com o quarto grupo, por 28,35
milhões de reais.
Como esse espaço, mesmo, que fique algumas dezenas de quilômetros acima
de nossas cabeças, pertence à União, e, portanto, a todos os cidadãos
brasileiros, seria interessante, se pudéssemos saber:
Quais são os critérios usados pela ANATEL para a fixação de preço para
uma posição de satélite durante 15 anos, renovável por mais 15 anos?
Levou-se em consideração a cobertura, o número de transponders e de canais que serão instalados no satélite?
Esses satélites poderão alcançar apenas o território brasileiro, ou
também outros países e regiões do mundo?
Que tipos de serviços serão prestados por meio desses satélites? Banda
Larga, telefonia, tv a cabo, outros?
Qual é o potencial de faturamento nos próximos 15, 30 anos, em
princípio, desses satélites, na prestação direta de serviços à população, e a
empresas de telecomunicações, internet, televisão, rádio, etc ?
Esse potencial foi calculado, com base, por exemplo, no faturamento
atual do mercado de comunicações brasileiro?
Nesse caso, por que não se estabeleceu um “aluguel” anual para o Estado
Brasileiro, por cada satélite, ou um percentual de retorno mínimo em cima do
faturamento mensal, ou anual, de cada satélite?
O mercado brasileiro de telecomunicações – criminosamente
desnacionalizado nos anos 90 - fatura mais de 200 bilhões de reais por ano, e
representa aproximadamente 54% do mercado latino-americano. Considerando-se, em
uma conta rápida, que isso dá mais de 500 milhões de reais por dia – em troca
de o país receber péssimos serviços e pagar, segundo a União Internacional de
Telecomunicações, das mais altas tarifas do mundo – a ANATEL licitou quatro
posições de satélites, cada uma com um tremendo potencial de venda de um amplo
leque de serviços, por menos da metade do que se fatura, em telecomunicações,
no Brasil, por dia.
Nesse caso, qual foi a contrapartida oferecida pelas empresas europeias
à indústria nacional, para vencer, por esse preço, essa licitação?
Os satélites que serão construídos e lançados a um custo de centenas de
milhões de dólares, terão algum conteúdo mínimo nacional? Qual é a vantagem que
nossos pesquisadores, e a indústria brasileira, terão nesse processo?
O Brasil já constrói satélites, como os CBERS, com 50% de conteúdo
nacional, e 50% de nossos parceiros chineses. Também dispomos de laboratórios,
como os do INPE, capazes de testar e certificar satélites estrangeiros, como
fazemos, por exemplo, para a Argentina.
No caso de não se ter feito nenhuma exigência nesse sentido, porque essa
questão, ou essa possibilidade, não foi contemplada no Edital de licitação da
ANATEL?
Afinal, trabalhar com tecnologia estrangeira, nem sempre é garantia de
ausência de problemas. Um satélite da própria Hispasat,o Amazonas A4, lançado da Base Aérea de
Kourou, na Guiana Francesa, no início do mês de maio, está sem comunicação com
a Terra, e pode ser que não venha a funcionar.
Finalmente, considerando-se a importância estratégica da comunicação
orbital para qualquer país – mesmo que já se esteja projetando, por meio da Visiona, o desenvolvimento de um
satélite para uso militar – e que as posições foram leiloadas por preço mais do
que acessível, porque não se reservou pelo menos uma delas para uma empresa de
capital nacional, ou o BNDES, por exemplo, não entrou, com a Telebrás, nesse
processo?
Aqui, no Brasil falar em capital estatal na área de telecomunicações é
pecado, mas poucos sabem que a Hispasat,
vencedora na licitação da ANATEL, tem capital da La Caixa, instituição financeira controlada pelo governo da
Catalunha, por meio de fundos de pensão públicos, via ABERTIS, e da SEDI – Sociedad Estatal de Participaciones
Industriales, e do CDTI – Centro para
el DesarolloTecnológico e Industrial, que pertencem ao Governo Espanhol.
O que ocorrerá, no futuro, se precisarmos de novas posições para a
instalação de satélites de comunicações nacionais e de defesa - nos próximos 30
anos, por exemplo? Teremos mais vagas,
em órbita, além das que foram “leiloadas” agora?
Finalmente, e mais importante: houve mesmo concorrência nessa licitação?
A Eutelsat,
que ficou com o quarto direito de exploração de satélite, por 28,35 milhões de
reais, é o segundo maior acionista, com 33,69%, da Hispasat, maior acionista da Hispamar,
que ficou com o primeiro direito de exploração licitado, por 65 milhões de
reais. E a ABERTIS, que é a maior acionista da Hispasat, com 57,5% das ações,
também é o segundo maior acionista da Eutelsat, com 8,4% das ações.
Foi permitido que os mesmos investidores
concorressem a mais de um grupo de direitos?
Esse tipo de participação cruzada é permitido nas licitações da ANATEL?
Em caso afirmativo, isso ajuda a concorrência, ou a atrapalha?
Isso não bastaria para anular a licitação?
Na década de 70, logo depois da viagem da Apolo 11, muita gente ficou
rica vendendo terrenos na Lua, para os incautos.
Precisamos saber se não estamos dando uma de bobos, entregando, da forma
como foi feito, nossos “slots” para comunicação via satélite, situados em
órbita.
Jornal do Brasil
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