ter, 13/05/2014 - 16:43
Por Jéssica Moreira, do Centro de Referências em Educação Integral
“Um dos pontos negativos da escola é que os professores têm uma visão
que o aluno só está em sala para aprender algo para trabalhar, não para
ter mais conhecimento. Outro ponto é não ouvir o jovem,
só passar a lição e não querer saber nosso ponto de vista sobre o
assunto. O espaço escolar é cheio de grades, há três portões para poder
entrar. Eu me sinto uma prisioneira, me sinto na prisão”.
O depoimento acima é de Thayná Bernardo da Silva, de 16 anos, aluna
do 3º ano de ensino médio de uma escola pública da Zona Sul da capital
paulista. O entendimento da estudante de que a escola não serve apenas
como porta de entrada para o trabalho também ganha eco entre
especialistas que discutem a questão e criticam o projeto de lei da
Câmara dos Deputados que leva em consideração a formação profissional em
detrimento à formação humana.
Criada em 2012, a Comissão Especial de Reformulação do Ensino Médio
criou o Projeto de Lei 6840/2013, que muda a forma como a modalidade
aparece na Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
e defende sua jornada em tempo integral, uma nova organização dos
currículos, divididos por áreas do conhecimento ( linguagens,
matemática, ciências da natureza e ciências humanas) e a opção do aluno
escolher apenas uma delas no 3º ano e voltar à escola caso mude de
ideia. Além disso, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passaria a
compor até mesmo o histórico do aluno e o ensino profissional já faria
parte da formação regular.
Para professores que pensam a educação, no entanto, a ideia não passa de uma desculpa para
preencher o vácuo de mão de obra existente no país, deixando de lado a
formação humana do estudante, que vai muito além da exigida no mercado
de trabalho.
“É preciso pedir mais discussão. Quando pensamos na LDB, que foi
aprovada após dez anos de discussão, temos risco do capítulo do ensino
médio ser todo modificado”, criticou a professora Sandra Regina Garcia,
especialista em políticas públicas da Universidade Estadual de Lavras
(UEL-PR), durante seminário promovido pelo Observatório Jovem, da Universidade Federal Fluminense.
Sandra aponta ainda um problema na diversificação curricular do
estudante ao chegar ao terceiro ano, quando poderá optar por uma área do
conhecimento. “Se ele fizer só um, ele vai continuar seus estudos só
nessas área; se ele tiver a possibilidade de ir para o nível superior,
só vai poder estudar naquela área que escolheu [na escola]. E se achar
que errou na escolha, vai ter que fazer novo terceiro ano, para pensar
outra opção”, indica.
Paulo Carrano, professor da UFF e coordenador do Observatório Jovem
concorda. “A quem interessa fazer tanta correria e pegar tantos atalhos?
O que vemos são atores muito interessados em reduzir a formação humana.
A pior coisa é jogar na lata de lixo a formação humana integral
conquistada nas diretrizes curriculares, que dão base para um diálogo
nacional”.
As relações e o significado da escola
Para o professor Juarez Dayrell, da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), o processo educacional é essencialmente feito de
relações, e pensar no jovem é pensar numa categoria relacional. “Existe
jovem porque existe adulto, e escola é feita por uma relação
intergeracional. É a escola que funda a perspectiva do jovem como
sujeito e o coração da escola é a relação professor-aluno. Se essa
relação vai mal, o processo de escolarização também vai mal”.
Intitulada “A maior zoeira”: experiências juvenis na periferia de São
Paulo, a tese de doutorado do professor de Antropologia da Universidade
de São Paulo Alexandre Pereira traz um retrato de como as escolas ainda
não estão preparadas para lidar com as variadas formas de ser dos
jovens. “Pelo que observei nas escolas, o maior desafio da educação no
ensino médio está, em primeiro lugar, no modo como essa escola lida ou
trabalha com os adolescentes e seus modos de vida. Percebi que havia por
um lado a lógica engessada da forma e do tempo escolar e, por outro, as
práticas do que os alunos chamavam de zoeira: gozações, brincadeiras e
modos de, justamente, driblar essa forma e tempo engessado da escola”.
Pereira acredita que a escola, de uma maneira geral , apresenta duas
grandes questões, uma de autoridade e outra de alteridade. “No âmbito da
autoridade, temos o problema do modo como a escola e o professor
legitimam-se perante os estudantes e conseguem, a partir de uma
estrutura arcaica, prender a atenção e o respeito de jovens que hoje
acessam um turbilhão de informações e de estímulos pela televisão,
internet e smartphones”, aponta.
Para o professor, a alteridade envolve pensar a diferença, levar em
consideração os modos de ser e pensar do outro, de forma a colocar em
questão os modos do indivíduo pensar, conceber o mundo e suas ações em
sociedade. “A escola atual não apenas não se preocupa com as diferenças,
como é ainda uma máquina de massacrar os diferentes”, complementa.
Possibilidades
Segundo os especialistas, é preciso fazer do espaço da escola um
espaço que os jovens possam ressignificar, ao passo que se constroem
como indivíduos e aprendem e se descobrem no convívio coletivo. Para
Dayrell, o ensino médio precisa oferecer elementos para a reflexão dessa
juventude, levando em consideração o contexto de possibilidades que se
apresentam cotidianamente a esse estudante, fazendo com que a escola e
seus conteúdos façam mais sentido. “Os jovens que chegam à escola,
gostam da escola. Eles não gostam é da sala de aula. Reconhecem a
importância para o futuro, mas no presente acham a escola chata. Essa
‘chatice’ é a dificuldade de construir sentido, dificuldade de articular
os conteúdos com a vida e interesses, e por isso, devemos repensar os
currículos e as relações que se estabelecem nas unidades de ensino”.
Desse modo, a relação entre aluno e professor e, consequentemente, a
formação inicial e continuada desse professor se configuram como
elementos essenciais para o sucesso do aluno em sala de aula. Além do
professor, no entanto, a participação dos outros membros da comundiade
escolar, como pais e o entorno escolar, também é necessária, a medida em
que agrega sentido ao espaço, promovendo a interlocução dos estudantes
com a enorme oferta de aprendizagens que existe fora da sala de aula.
Jornal GGN - Blog do Luis Nassif
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