publicado em 10 de maio de 2014 às 21:09
por Igor Felippe, no Escrevinhador
A realização de um plebiscito para a convocação de uma Assembleia
Constituinte – que terá a missão de reformar o sistema político
brasileiro – surgiu como um raio em céu de brigadeiro no contexto das
mobilizações de massa de junho, em discurso da presidenta Dilma Rousseff
em rede nacional de rádio e televisão.
O recado dado por Dilma à sociedade brasileira era claro: as demandas
apresentadas nos protestos não poderiam ser atendidas sem estourar a
trama de interesses sustentada pelo atual sistema político. E que a
maioria dos parlamentares do Congresso Nacional não deixaria que uma
proposta de transformação da política institucional fosse levada a cabo.
A proposta tocou o nervo dos donos do castelo do poder no nosso país,
tanto que houve uma reação violenta da oposição ao governo, dos
partidos conservadores da base e dos grandes meios de comunicação. O
PMDB abriu guerra ao governo, a oposição passou a fazer acusações de
“chavismo” e os jornais fizeram uma série de editoriais contra a
Constituinte. Até mesmo parlamentares do próprio PT, já adaptados às
características do modelo institucional, rejeitaram a ideia.
A pressão foi tão grande que, depois do tiroteio, a presidenta recuou
e deixou a Constituinte em banho maria. No entanto, movimentos
populares, organizações sindicais, entidades estudantis viram uma porta
entreaberta para ocupar a arena política e passaram a empunhar a
bandeira da Constituinte.
“Sem enfrentar os limites constitucionais de nosso sistema político
não teremos nenhuma mudança estrutural. Assim como a “Diretas Já” foi
uma palavra de ordem que se tornou meta-síntese da luta contra a
ditadura, a “Constituinte Já” pode ocupar o mesmo papel”, analisa o
dirigente da Consulta Popular, Ricardo Gebrim.
Mais de 170 organizações fazem uma campanha por uma Assembleia
Constituinte Exclusiva e Soberana para reformar o sistema político, a
partir da construção de comitês populares em todo o país
suprapartidários em todo o país.
“Os maiores partidos de esquerda, as principais centrais sindicais,
pastorais e movimentos sociais estão participando, o que demonstra muita
representatividade nas forças populares organizadas”, afirma Gebrim,
que faz parte da coordenação da campanha.
Esses comitês realizarão um plebiscito popular, de caráter informal,
na primeira semana de setembro, com uma única pergunta: “Você é a favor
de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?”. Em seis
meses de articulação, já aconteceram duas plenárias nacionais, foram
realizadas reuniões em todos os estados e criados mais de 300 comitês,
entre regionais, estaduais, municipais e locais da campanha.
“O plebiscito popular é uma importante ferramenta pedagógica, pois
permite envolver milhares de ativistas. Ela possibilita construir a
bandeira da Constituinte Exclusiva como uma meta síntese da insatisfação
com o sistema político”, avalia Gebrim.
Quadro político
Mesmo com toda essa construção, de certa forma subterrânea, a proposta da Constituinte parecia hibernar diante dos protestos do “Não vai ter Copa”, da prioridade conferida pelos movimentos populares às pautas corporativas e da falta de iniciativa política do governo e do PT, frente à chantagem e ataques dos setores conservadores da base aliada e da oposição.
Mesmo com toda essa construção, de certa forma subterrânea, a proposta da Constituinte parecia hibernar diante dos protestos do “Não vai ter Copa”, da prioridade conferida pelos movimentos populares às pautas corporativas e da falta de iniciativa política do governo e do PT, frente à chantagem e ataques dos setores conservadores da base aliada e da oposição.
A derrota do governo e do PT nas articulações para impedir a
instalação da CPI da Petrobras, em um ano eleitoral, acendeu o sinal
amarelo. Mais uma vez, a trama do sistema político se voltava contra
eixos progressistas do governo, tendo como foco a Petrobras, que é o
símbolo para os setores conservadores da política de fortalecimento do
Estado e intervenção da economia. Além disso, as pesquisas de opinião
negativas para o governo e o balão de ensaio do “Volta Lula” deixaram
cicatrizes, por demonstrar as fragilidades da presidenta.
Diante dessas pressões, Dilma e o PT passaram a recolocar a bandeira
da reforma política no centro do debate, dando maior unidade ao campo
progressista e força à campanha pela Constituinte.
Em novo discurso em cadeia de rádio e televisão, na semana passada,
Dilma retomou os pactos apresentados em junho e pediu a participação dos
trabalhadores na discussão da reforma política. “Sem uma reforma
política profunda, que modifique as práticas políticas no nosso país,
não teremos condições de construir a sociedade do futuro que todos
almejamos. Estou fazendo e farei tudo que estiver ao meu alcance para
tornar isso uma realidade”, afirmou.
No Encontro Nacional do PT, uma votação sobre os pré-requisitos para
as alianças nas eleições deste ano mostrou a força do Constituinte. Mais
de 221 delegados do PT votaram para que o apoio à Constituinte
Exclusiva fosse um fator determinante para as alianças. A proposta foi
rejeitada por 286, mas demonstrou disposição de setores do partido de
dar prioridade à Constituinte, mesmo sob o risco de romper a aliança com
PMDB nas eleições.
“O engajamento do PT na campanha foi reafirmado no encontro e consta
no texto-base que foi aprovado. O tema sacudiu o plenário e teremos um
maior engajamento do conjunto do partido”, afirma o deputado federal
Renato Simões (PT).
Perspectivas
A campanha vislumbra colocar a bandeira da Constituinte do sistema
político como saída para resolver o conjunto das demandas da sociedade
brasileira, especialmente se houver um quadro de explosão de protestos
de massa no país. “O desafio principal é atingir a juventude não
organizada que esteve fortemente presente nas manifestações de junho de
2013”, coloca Gebrim.
Para o escritor e historiador Lincoln Secco, professor do
Departamento de História da Universidade de São Paulo, apenas uma
Constituinte pode responder os anseios do movimento de rua de junho. “Só
uma assembleia constituinte exclusiva poderia canalizar protestos tão
difusos quanto os de junho. Havia uma pauta ampla e contraditória. Por
isso, o problema central passou a ser a incapacidade do sistema político
absorver e solucionar os conflitos que explodiram. De um lado,
demandas de direita e de outro de esquerda, mas ambas fora das
preocupações dos governos e dos partidos”, acredita.
No entanto, ele avalia como uma “incógnita” o estouro de novos
protestos de massas neste ano. “Desta vez tanto a esquerda institucional
que está no poder quanto os aparelhos repressivos que ela mal controla
estão vacinados. Na segunda vez é sempre diferente. Felizmente, talvez
não haja tempo do congresso promulgar a horrível lei antiterrorismo”,
afirma.
Para Gebrim, existe um clima de insatisfação com a Copa pelos gastos
considerados exagerados, que tem mexido com o imaginário popular,
especialmente com a ação de uma parte da mídia. “Atos ocorrerão, terão
grande visibilidade inclusive da mídia internacional. Se esses atos
massificarão é algo que depende do acaso, por exemplo, de uma possível
repressão, vítimas que despertem a solidariedade. Qualquer prognóstico
sobre a dimensão dos atos, neste momento, é precipitada”, pontua.
Com o fortalecimento da proposta da Constituinte e o ensaio de uma
reação política do governo e do PT, tendências da esquerda petista
promovem um ato em defesa da convocação de uma Assembleia Constituinte
Exclusiva e Soberana para o Sistema Político neste sábado em São Paulo.
“Chega desse Congresso balcão de negócios. O Supremo Tribunal
Federal prova a cada dia que está a serviço das elites. Essas
instituições não nos representam. No Plebiscito Popular de setembro,
exigiremos uma Constituinte Exclusiva e Soberana que faça a reforma
política, para abrir caminho às aspirações populares. Não há outro
meio!”, diz o manifesto de convocação do ato, que reúne assinaturas de
petistas e apoiadores que atuam como parlamentares, dirigentes de
movimentos sociais, na universidade e militantes de base. Será que o PT
está retomando a iniciativa política e se engajará nessa campanha?
Segundo Renato Simões, o partido tem uma estrutura organizativa
grande e lenta, mas a campanha começa a entrar na pauta dos diretórios
municipais e zonais, o que dará uma grande capilaridade aos comitẽs. “O
plebiscito pela Constituinte é a única campanha com um eixo de massa que
o PT pode se engajar”, afirma.
“A campanha pela Constituinte é um balão de ensaio necessário. Se der
certo, a maioria do PT entra. Senão, fica restrito à esquerda petista.
Foi exatamente assim na campanha do impeachment de 1992. Mas lá o PT era
oposição e foi mais fácil radicalizar”, avalia Secco, que é filiado ao
partido e autor do livro “A História do PT”.
Viomundo
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