segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A reversão do pessimismo, na opinião de um campeão de mercado

O repórter Fernando Tavaglini, do Estadão, trouxe a melhor reportagem da semana para avaliar o comportamento dos mercados em relação à economia: entrevistou um administrador de fundos campeão, Luís Stuhlberger, que ganhou no começo do ano apostando no pessimismo; e agora aposta no otimismo, mesmo com ressalvas.
Os melhores termômetros do mercado são os grandes gestores de fundos e os tesoureiros dos grande grupos. Quando erra, o economista perde credibilidade (no caso brasileiro, nem isso). O gestor perde dinheiro.
Por isso mesmo são os leitores mais privilegiados das notícias econômicas. Sabem separar a espuma do essencial, o conteúdo das manchetes escandalosas.
As análises dos economistas são apenas um dos elementos de decisão. Elas servem de ponto de partida porque partem de uma metodologia de pegar o passado e projetar o futuro. Ou seja, se nada for feito nesse período, o resultado lá na frente será xis.
Ora, a construção do futuro depende de outros fatores subjetivos, nos quais experiência e intuição são os elementos que diferenciam os grandes gestores da massa dos analistas.
Como um craque como Stuhlberger analisa, por exemplo, a questão fiscal:
1. Lê as notícias sobre manipulação de indicadores e se assusta. E com razão.
2, Depois, lê as análises dos economistas prevendo que, a continuar no ritmo atual, o Brasil perderá a condição de grau de investimento em pouco tempo. São mencionadas agências de risco, frases entre aspas de gestores etc.
Aí, fará seu próprio contraponto:
1. Dará o devido desconto ao cenário econômico, porque, na maioria das vezes, limita-se a ler o passado e projetar o futuro. Como já dito, entre o passado e o futuro, há as decisões a serem tomadas.
2, Em vez de se valer dos jornais, vai buscar a notícia na fonte. Recebe os relatórios da Standard & Poors e constata que as manchetes de jornal são terrorismo: não há o menor risco de derrubar a classificação nos próximos anos.
3. Aí ele volta os olhares para Brasilia, lê as declarações de Guido, as manifestações de Dilma, dá o devido desconto nos tropeções retóricos e se fixa no essencial: caiu a ficha de que não se deve brincar com inflação e questão fiscal.
A partir daí, define sua estratégia.
Nem se pense que o grande gestor desgosta das manchetes escandalosas ou inverossímeis: elas se constituem em elemento essencial de lucro. Quanto maior a dessintonia entre a boa e a má informação, maior o ganho do gestor competente. Em suma, quanto mais agentes de mercado acreditarem na direção apontada pelas manchetes, maior o ganho de quem fizer o contraponto
As conclusões de Stuhlberger
Na entrevista de Stuhlberger as conclusões essenciais são as seguintes:
As críticas dos analistas e a opinião do mercado são um fator de contenção. Ou seja, se a situação fiscal começa a degradar, há uma grita que acorda o governo para a questão, seguindo-se medidas corretivas. Esse fator de racionalidade é essencial para garantir as expectativas positivas.
A política econômica importa-se muito mais com a inflação do que com a Selic. Ou seja, o fantasma da inflação é garantia de aumento dos juros e dos ganhos de tesouraria. O fato do BC ter jogado a toalha da Selic baixa é péssimo para a economia; mas trouxe tranquilidade para o mercado.
Fica tranquilo em saber que o governo já tem o diagnóstico de que a próxima etapa do desenvolvimento se dará através de investimentos - particularmente em infraestrutura. É sinalização importante para a reciclagem da poupança.
Sabe que a questão fiscal imediata se resolve com alguma melhoria na margem.
Não consegue entender porque o Banco Central persiste em segurar a desvalorização cambial - que considera irreversível.
Persistema fatores de risco, especialmente nas contas externas, mas acredita na racionalidade de Dilma Rousseff e sabe que muitos dos problemas apontados pela imprensa só se resolvem com muito tempo do país como um todo.

Do Estadão

Para gestor de recursos, modelo de desenvolvimento do País é ruim, mas ele diz estar se posicionando para a tendência de um 'swing' de discreta melhora
21 de dezembro de 2013 | 23h 06
  
Fernando Travaglini - O Estado de S.Paulo

Luis Stuhlberger, que administra uma das famílias de fundos de investimentos mais bem-sucedidas do País, prefere não dizer se está otimista ou pessimista. "Gestor de patrimônio não tem de ter essa resposta", diz ele. "Tem de pensar no que está nos preços." Mas ao final admite: "Já estive expressando nos meus fundos uma visão mais negativa do que hoje. Isso não quer dizer que estou otimista. Acho apenas que a gente vai ganhar um tempo", afirma. "O Brasil ainda melhora um pouco antes de piorar."
'O governo aprendeu que a inflação tira a popularidade com uma rapidez enorme. Muito mais do que a Selic', diz Luís Stuhlberger
NOTÍCIAS RELACIONADAS'Economista gosta muito de pajelança', diz Belluzzo‘EsseEle explica: "Nosso modelo de desenvolvimento é ruim, mas a gente tende a ter um ‘swing’ (oscilação) de discreta melhora. Estou me posicionando para isso", afirma em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, na sede da corretora Credit Suisse Hedging-Griffo, da qual é diretor.
Esse reposicionamento, que significa ajustar ativos superiores a R$ 20 bilhões, vem depois de um ano em que o fundo Verde, sob sua gestão, apostou em acentuada piora das condições brasileiras.
O resultado - que ele faz questão de dizer que o deixou feliz por ter feito as previsões corretas, que é o seu principal papel como gestor, mas "triste com o País" - foi uma valorização acumulada de 16,14% no ano até novembro, contra um CDI (juros) de 7,22% e uma bolsa que perdeu quase 15% nesse período.
Dois aspectos o haviam levado, ainda em setembro de 2012, a prever essa deterioração: a política fiscal e as contas externas. Mais recentemente, no entanto, ele começou a ver sinais mais positivos vindos tanto de Brasília quanto do cenário externo. O governo Dilma Rousseff, diz ele, tomou algumas medidas na direção certa, como o leilão de Libra, as concessões de infraestrutura à iniciativa privada, além do combate à inflação - inflação que ele credita como um dos principais catalisadores para as manifestações de junho.
O reflexo da mudança na visão de Stuhlberger nas carteiras de investimentos dos fundos administrados por ele se deu principalmente pela compra de ações brasileiras - cuja participação havia caída para 8%, mas voltou recentemente para 13%. Os fundos mantiveram, no entanto, a posição comprada em dólar (apostando na alta da moeda americana) - que ele entende estar "represado" pela atuação do Banco Central, que vem ofertando semanalmente US$ 2 bilhões em swaps cambiais.
Durante a conversa, na última quarta-feira, Stuhlberger interrompeu uma das respostas, às 17h01, para se informar sobre a reunião do Federal Reserve que terminara pouco antes e da qual saiu a decisão de reduzir, a partir de janeiro, as compras mensais de ativos em US$ 10 bilhões (processo chamado no mercado de tapering). "Terminou o Fed?", pergunta, ao telefone. "Saiu o taper! Humm... Em janeiro já? Uau. Uh-huh... pouca coisa. E aqui? Os juros? Janeiro 17... Só? Ah. E o dólar? Ah, não andou. Não mexeu nada, então. Índice? Nossa, quase que sem... sem... Pouco impacto, hein? Tá bom. Ok", finaliza a ligação. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Menos pessimista
"Já estive expressando nos meus fundos uma visão mais negativa do que hoje. Isso não quer dizer que estou otimista. Acho apenas que a gente vai ganhar um tempo. O Brasil ainda melhora um pouco antes de piorar. Nosso modelo de desenvolvimento é ruim, mas a gente tende a ter um ‘swing’ (oscilação) de discreta melhora. Estou me posicionando para isso. A piora na percepção do Brasil aumenta o prêmio, aumenta a angústia, mas pelo menos já serviu para alguma coisa. Pelo menos, o governo acordou para algumas questões. Estávamos assim há quatro, cinco anos e de repente destravou Libra, destravou Galeão, destravou Confins, estradas. O governo acordou para dar um certo ‘push’ nessa agenda. Você não conserta o modelo totalmente, mas joga o muro onde você vai bater para mais longe."
Inflação e manifestações
"Minha percepção é que o País continua com uma certa agonia lenta nesse modelo de inflação resiliente, sem sair muito da meta, e pouco crescimento por mais algum tempo. Mas o governo aprendeu que a inflação tira a popularidade com uma rapidez enorme. Muito mais do que a Selic (taxa básica de juros). Ninguém se incomoda com a Selic. A inflação, principalmente de alimentos, corrói a renda. Esse movimento de junho (manifestações) foi desencadeado mesmo pela alta de alimentos de abril e maio. E acho que em saúde, educação e mobilidade urbana se ganhou muito pouco. Essa noção do equívoco ela também veio muito rápido."
Moto-contínuo tropical não deu certo
"Só gerar consumo não deu certo. Esse movimento todo voltado somente em transferência de renda, aumento do salário mínimo e crédito, investindo 5% menos do PIB do que o mínimo necessário, uma hora pagaria o seu preço. O governo tem de planejar o desenvolvimento. Tem de planejar os vetores do desenvolvimento e, na verdade, o governo ficou feliz com a inclusão social e a distribuição de renda e achou que o resto viria naturalmente, a reboque. É o ‘moto-contínuo tropical’, movido por princípios como a ‘oferta cria sua própria demanda’, ‘a previdência é um ativo, não um passivo’ e ‘quanto mais se aumenta o salário mínimo melhor, porque a renda se espalha e todos ganham’. É como se dissessem: ‘deixe as commodities fazerem o trabalho delas e a gente vai crescendo’. Agora a gente viu que isso não existe. Quando eu vejo que o governo já tem o diagnóstico, eu fico feliz. Eu não negligencio esse fator. Não acho que isso seja pouca coisa."
PT e Dilma estão aprendendo
"Eu acho, honestamente, que o PT sempre aprende. Acho a Dilma uma mulher inteligente e preparada. Se você me dissesse que conseguiriam ressuscitar a Margaret Thatcher, ainda assim ela teria dificuldades para consertar isso aqui. Por que onde você vai achar os R$ 4 trilhões que deixaram de ser investidos nos últimos 20 anos? Isso aqui não é um problema de pessoas. O aparente ‘way of life’ dos mercados emergentes, enfiando US$ 1 trilhão por ano, melhora muito. Mas quanto tempo é necessário para melhorar a qualidade das instituições? Demora muito, uma centena de anos. Estamos vivendo as dores de ter melhorado algumas coisas e não melhorado em outras."
Câmbio represado pelos US$ 80 bi em swaps
"O BC tem de agir. Não estou dizendo que o Banco Central está equivocado (com o programa de oferta diária de swap cambial - venda de dólares). Eu acho que ele está, talvez, exagerando na dose. Vendendo seguro em dia de sol. Em momentos de pânico, como quando começou a história, em maio, do tapering, todas as moedas se depreciaram. Hoje o Brasil ficou sozinho nessa política de intervenção. Isso não é de se achar que é normal. Há dois fatores para levar a uma desvalorização no câmbio: conta corrente (contas externas) ou fiscal. E os dois vão na mesma direção (de piora). Acho que o BC vai administrar uma alta. Não vai querer congelar o câmbio."
Fiscal precisa de Pelés para marcar gol todo ano
"As despesas do governo - e não é um ano eleitoral - vão acabar o ano subindo quase 8%. E as receitas, algo como 3,5%, mesmo com Libra e Refis. A receita federal sem as excepcionalidades estaria crescendo na proporção do PIB, 2,5%. O superávit primário sem as receitas extraordinárias é quase zero. Está em 0,3%, 0,4% (no conceito estrutural - sem receitas extraordinárias). Mostrar que o País tem sustentabilidade fiscal sem precisar de receitas extraordinárias é justamente o maior desafio brasileiro. Isso me lembra dos anos 60, quando falavam que o Santos só ganhava porque tinha o Pelé. O Pelé estava sempre lá para fazer os gols salvadores. Este ano, o Brasil teve seus ‘Pelés’. Teve Libra, o Refis da crise e dos lucros no exterior. Quais serão os Pelés dos próximos anos?"
Dá para ter alguma melhora na margem
"Em suma, eu, por incrível que pareça, estou menos pessimista do que já estive. Um país que gasta tanto dinheiro, que consome 41% do PIB, se ele puser um pouco de ordem na casa, ainda que no longo prazo esse modelo seja insustentável sem reformas, dá para melhorar. Alguma melhoria na margem dá para ter e acho que o mundo indo bem nos ajuda."
Exagero com o tapering
"Saiu o tapering. Se você me perguntasse às 16h50 (dez minutos antes do anúncio), eu diria que iriam esperar mais um mês. Mas é questão de mais um mês, apenas. Não tem muita diferença. Agora, dado que havia uma expectativa de 70% de não ocorrer agora o tapering, eu esperava que a reação dos mercados, que a valorização do dólar, fosse maior do que foi. O tapering, francamente, não é tightening (aperto). É simplesmente imprimir menos dinheiro. Não é que estão subindo os juros. Há um certo exagero nisso. Deu um certo ‘shake’ em maio, junho, mas no segundo semestre ele foi típico: cada um na sua. Honestamente, não culpe os americanos, os gregos, os espanhóis, os russos e os chineses pelos problemas dos brasileiros. Nossos problemas são nossos. De todos nós. É muito fácil sempre colocar a culpa no Fed pelos nossos problemas.
Vamos ignorar o Fed."
Economia internacional não joga contra
"A China andou bem. A Europa andou médio, mas melhorando. E os Estados Unidos andaram muito. Isso naturalmente é benéfico. Pelo menos para a indústria brasileira e para as commodities. Não necessariamente é bom para o consumo, mas ajuda a economia brasileira. Em 2014, o cenário se repetirá, com crescimento moderado no mundo e com juros sob controle lá fora." 



Blog do Luis Nassif

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