A jornalista Vera Paolani relata a transformação
de Melgaço, na Ilha do Marajó, que tem o pior Índice de Desenvolvimento
Humano do País; lá, não há saneamento básico e a população sofre com
micoses, contaminações genitais, hipertensão e gravidez precoce; essa
realidade começou a mudar com a chegada de médicos cubanos, que atendem,
no mínimo, 24 pessoas por dia, em consultas médias de trinta minutos; a
cubana Maribel Saborit relata uma experiência: "Fomos a uma comunidade
ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético
de 86 anos ouvimos, depois do exame: quatro médicos aqui, quatro médicos
me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um
médico"
Por Vera Paoloni, especial para o 247
Melgaço, no Marajó, Pará, tem o pior IDH -
Índice de Desenvolvimento Humano do país, segundo o Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, divulgado no final de julho. São
24 mil habitantes, dos quais 12 mil não sabem ler e nem escrever, apenas
681 pessoas frequentam o ensino médio, saneamento é zero, saúde é
rarefeita e internet só de vez em quando e apenas por celular. O melhor
de Melgaço é o povo, as pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as
três médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando
no município marajoara desde 21 de setembro, há pouco mais de 3 meses.
Eles integram o programa audacioso e certeiro "Mais Médicos", que
leva assistência e médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto
para o Ministério da Saúde e para a presidenta Dilma Rousseff.
Se o povo é o melhor de Melgaço, o
pior é a água. Ribeirinho, Melgaço não tem água tratada e nem saneamento
básico. Isso gera micoses e contaminações genitais. Há gravidez muito
precoce e um índice alarmante de hipertensão que atinge muitos jovens,
resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no mínimo, todo
dia em Melgaço, de segunda a sexta. Com a consulta média de 30 minutos,
salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo. Em todas as
consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com hipoclorito
de sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.
Pobreza e generosidade - Quase a metade, 48% da população de Melgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003 Grande parte da população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês - menos que um salário mínimo. As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 6 mil quilômetros. Com toda toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.
Pobreza e generosidade - Quase a metade, 48% da população de Melgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003 Grande parte da população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês - menos que um salário mínimo. As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 6 mil quilômetros. Com toda toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.
Rendimentos compartilhados - Afinal,
o que vocês ganham de salário fica com vocês ou vai pra família,
indago? "Parte fica conosco, parte vai para nossas famílias e outra
parte vai para o nosso governo, para ajudar o nosso povo cubano", me diz
Maribel Hernandez. "Mas o que ficamos é suficiente para nos manter,
para lazer. A prefeitura de Melgaço paga nosso alojamento e esse é muito
bom: tem um quarto para cada um de nós, com banheiro, cama, ar
condicionando. Temos mais que suficiente", fala Maribel Saborit.
Nem açaí e nem farinha -
Como a jornada de trabalho em Melgaço é de 40 horas semanais, igual a
Cuba, pergunto o que fazem no final de semana pra driblar a saudade de
casa, já que as famílias ficaram em Cuba. "Lavamos e passamos nossas
roupas, limpamos nossos quartos, lemos, entramos na internet pra passar
correio eletrônico, descansamos". E Orlando informa que em julho vão de
férias a Cuba.
Nove anos de estudo -
Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o calor ou as travessias de
barco até as comunidades assustam o quarteto médico cubano. Os quatro
trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na Bolívia. Estudaram
os nove anos da formação de medicina cubana: 6 da medicina geral e mais
3 da medicina integral, algo semelhante à residência médica brasileira,
em que a especialização é feita juntamente com trabalho prático. E os
quatro trabalhavam em Cuba. Maribel Saboritnoite, em Belém. Na capital,
fizeram um treinamento na área de saúde e retornam segunda-feira 23, bem
no período de recesso natalino. De Melgaço a Breves, uma hora de barco e
de Breves a Belém, mais 14 horas. Ao todo 15 horas pra chegar em Belém,
atravessando a baía do Marajó. Maribel Saborit, Oyainis Santos,
Orlando Penha e Maribel Hernandez, médicas e médico cubanos se
conheceram não em Cuba, país em que nasceram, estudaram, se formaram,
casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em solo brasileiro, em
Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira vez, em agosto.
Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 3 anos.
Maribel Saborit tem 21 anos de
profissão. Maribel Hernanez, 19 anos. Oyanis, 8 anos e Orlando, 22 anos.
Cuba orientou como critério de participação no programa Mais Médicos, o
mínimo de uma missão humanitária.Orando esteve no Paquistão e
Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel Hernandez,
na Venezuela e Bolívia. Além dos 9 anos de estudo, atuação em uma missão
humanitária por 3 anos.
Um médico em casa? - Embora o quarteto fale num bem compreensível portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente deixasse de entendê-los. "De jeito nenhum diz Oyainis. A gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos". E Maribel Saborit completa: "o povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: 4 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico"!
Sem essa de dr, dra - Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem dr., dra, termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos. Maribel Saborit ri e me diz: "por que dr., dra? Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos".
Um médico em casa? - Embora o quarteto fale num bem compreensível portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente deixasse de entendê-los. "De jeito nenhum diz Oyainis. A gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos". E Maribel Saborit completa: "o povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: 4 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico"!
Sem essa de dr, dra - Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem dr., dra, termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos. Maribel Saborit ri e me diz: "por que dr., dra? Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos".
Os quatro me contam que Belém e
Melgaço são "mais quente que Cuba", mas isso não atrapalha. Gostam da
comida à base de peixe, frango, carne, arroz, feijão. Só açaí e farinha
não faz parte do cardápio deles. "Muito forte o açaí" diz Maribel
Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que estão
perdendo. E rimos todos.
Internet, problemão - O contato com a família é via e-mail, pois falar pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos equipamentos do Mais Médicos. E eles compraram um pacote basicão da Vivo, "mas os créditos somem muito rápido", se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.
Internet, problemão - O contato com a família é via e-mail, pois falar pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos equipamentos do Mais Médicos. E eles compraram um pacote basicão da Vivo, "mas os créditos somem muito rápido", se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.
Eu digo a elas e ele que quem mora e
luta na Amazônia quando vara uma notícia pro mundo, rompe o cordão
sanitário do isolamento em que nos encontramos. O acesso à internet
poderia ser uma forma de ajudar a romper esse cordão, mas temos o pior
acesso de todas as cinco regiões do país e no Marajó, o pior acesso do
Pará. Estamos ilhados, portanto.
Oyanis completa: "a saúde em Cuba
precisa da ajuda de todos nós, porque o país sofre um embargo econômico
que é muito doloroso para nossa gente. Então, a ajuda precisa vir de
nós, cubanos e de nossos aliados".
Faz parte da nossa formação retribuir - A conversa vai chegando ao fim, pois há várias pessoas chamando o quarteto médico cubano e querendo tirar fotos, indagar, conversar, rir junto. E eu faço a última inquirição: o que fez vocês saírem de Cuba e vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz": olha, faz parte da nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos retribuindo".
Encerramos a conversa e eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e do seu povo que tanto tem a nos ensinar! Se eu conheço quantos médicos do meu país que fariam algo semelhante aqui mesmo. Em janeiro vou a Melgaço numa caravana formativa da Fetagri/CUT no Marajó. Quero rever meu novo quarteto camarada e amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos. (V.P)
E só finalizando mesmo: fizemos uma pequena homenagem às 3 médicas cubanas e ao médicos cubano ontem à noite na formatura de encerramento do curso de Formação de Formadores promovido pela Escola Chico Mendes da Amazônia e da qual participamos 46 pessoas, de todas as CUTs da Amazônia.
Faz parte da nossa formação retribuir - A conversa vai chegando ao fim, pois há várias pessoas chamando o quarteto médico cubano e querendo tirar fotos, indagar, conversar, rir junto. E eu faço a última inquirição: o que fez vocês saírem de Cuba e vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz": olha, faz parte da nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos retribuindo".
Encerramos a conversa e eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e do seu povo que tanto tem a nos ensinar! Se eu conheço quantos médicos do meu país que fariam algo semelhante aqui mesmo. Em janeiro vou a Melgaço numa caravana formativa da Fetagri/CUT no Marajó. Quero rever meu novo quarteto camarada e amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos. (V.P)
E só finalizando mesmo: fizemos uma pequena homenagem às 3 médicas cubanas e ao médicos cubano ontem à noite na formatura de encerramento do curso de Formação de Formadores promovido pela Escola Chico Mendes da Amazônia e da qual participamos 46 pessoas, de todas as CUTs da Amazônia.
* Vera Paoloni é bancária, jornalista e secretária de comunicação da CUT/Pará
Brasil 247
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