seg, 30/12/2013 - 10:33
A volta de Michelle Bachelet à presidência do Chile é um fato muito
auspicioso para a América do Sul e toda a América Latina. As notáveis
qualidades humanas e políticas que ela demonstrou em seu primeiro
governo e, posteriormente, no comando da ONU Mulheres, a entidade das
Nações Unidas para igualdade de gênero, conferiram-lhe um merecido
prestígio nacional e internacional. Sua liderança – ao mesmo tempo firme
e agregadora – e o seu compromisso de vida com a liberdade e a justiça
social, fazem de Bachelet uma referência importante em nosso continente.
A consagradora vitória que acaba de obter revela também que o povo
chileno, tal como os outros povos da região, anseia por um verdadeiro
desenvolvimento, capaz de combinar o econômico e o social, a expansão
das riquezas com a sua equitativa distribuição, a modernização
tecnológica com a redução das desigualdades e a universalização de
direitos. E reivindica, além disso, uma democracia cada vez mais
participativa.
Por outro lado, a eleição de Bachelet inegavelmente reforça o
processo de integração sul-americana e latino-americana, na medida em
que sempre apoiou com entusiasmo as iniciativas voltadas para o
desenvolvimento compartilhado e a unidade política da região. Basta
lembrar a sua contribuição decisiva para a criação e consolidação da
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), da qual foi a primeira
presidente, e para a constituição da Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Aliás, nunca houve na América
Latina tantos governantes comprometidos com esse processo.
Estive no Chile durante o segundo turno das eleições justamente
para debater as perspectivas da integração, participando de um seminário
internacional promovido pela Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe (CEPAL), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Instituto Lula.
Durante dois dias, 120 lideranças politicas, sociais e intelectuais
dos nossos países fizeram um diagnóstico atualizado e debateram uma
agenda concreta para o desenvolvimento e a integração regional.
Discutiu-se francamente a inserção da América Latina na economia
mundial; a arquitetura político-institucional da integração; o papel das
políticas sociais, especialmente no combate à pobreza; as cadeias
produtivas supra-nacionais; as empresas translatinas; as conexões
físicas e energéticas; a cooperação financeira e os mecanismos de
investimento; os direitos humanos e laborais; a defesa do patrimônio
ambiental e da diversidade cultural.
Há um grande consenso sobre a necessidade da integração, que
interessa na prática a todos os nossos povos e países, independentemente
da coloração ideológica dos respectivos governos. As diversas regiões
do mundo estão se integrando e constituindo blocos econômicos e
políticos, e não faria sentido que apenas a América Latina e o Caribe
deixassem de unir-se. Nossos países viveram secularmente de costas uns
para os outros e todos sabemos o quanto isso foi nefasto em termos de
fragilidade geopolítica e de atraso socioeconômico. Não se trata de um
movimento contra os países desenvolvidos, com os quais queremos
incrementar nosso intercâmbio em todos os níveis, mas de legítima
afirmação da nossa própria região. O aprofundamento da integração
latino-americana – política, cultural, social, de infraestrutura, de
mercados – é um caminho natural e lógico, destinado a aproveitar a nossa
proximidade territorial e cultural e as nossas vantagens comparativas.
Sem falar que, juntos, seguramente teremos mais força para garantir
nossos direitos no âmbito global.
É opinião geral que, na última década, tivemos conquistas
extraordinárias em matéria de parcerias e cooperação. Aumentou a
confiança e o diálogo substantivo entre os nossos países, sem o que não
se conseguiria criar a UNASUL e a CELAC. Mas as relações econômicas
também se expandiram consideravelmente. O comércio, por exemplo, cresceu
de modo impressionante. Em 2002, segundo a CEPAL, o fluxo total do
comércio intra-regional na América do Sul era de U$33 bilhões; em 2011,
já havia atingido os U$ 135 bilhões. No mesmo período, o fluxo no
conjunto da América Latina passou de U$ 49 bilhões para U$ 189 bilhões. E
o seu horizonte de crescimento é enorme, pois somos um mercado de 400
milhões de pessoas e até agora só exploramos uma pequena parte do nosso
potencial de trocas.
O mesmo acontece com os investimentos produtivos. As empresas da
região estão se internacionalizando e investindo nos países vizinhos. No
caso brasileiro, tínhamos poucos investimentos industriais na América
Latina. Hoje, são centenas de plantas, em mais de 20 países. E a
recíproca, felizmente, é verdadeira: existe um número crescente de
empresas argentinas, mexicanas, chilenas, colombianas e peruanas, entre
outras, produzindo no Brasil para o mercado brasileiro.
É evidente, no entanto, que precisamos avançar muito mais. Devemos
acelerar a integração, que pode ser mais profunda e abrangente. Para
isso, com certeza, não bastam as visões de curto prazo. Tenho dito que
necessitamos de um pensamento realmente estratégico, capaz de encarar os
desafios da integração na perspectiva do futuro, dando-lhes respostas
corajosas e inovadoras. Temos que ir, igualmente, além dos governos, por
fundamentais que eles sejam. A integração é uma bela empreitada
histórica que só se concretizará plenamente se lograrmos comprometer
toda a sociedade civil dos nossos países, os sindicatos, os empresários,
as universidades, as igrejas, a juventude.
É imprescindível construir uma vontade popular de integração. O
principal é que todos compreendam o quanto podemos ganhar coletivamente
na economia, na soberania política, na igualdade social, no
desenvolvimento cultural e científico com a associação dos nossos
destinos.
Blog do Luis Nassif
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