Segundo colunista da Istoé, “já é absurdo que um
prefeito que recebeu 55% dos votos no segundo turno seja obrigado a
fazer uma caravana até Brasília para fazer valer seu direito de definir
como pretende governar São Paulo; é ainda mais absurdo, no entanto, que a
palavra final sobre o IPTU fique com a Justiça”
247 – O colunista da Istoé Paulo Moreira Leite
diz que o prefeito Fernando Haddad (PT) é vítima de uma ditadura
judicial. Ele critica o fato de a palavra final sobre o IPTU recair
sobre a Justiça e não ao prefeito e a Câmara de Vereadores, que já tomou
posição a favor do aumento. Leia:
DITADURA JUDICIAL E IPTU
Pressão contra Haddad envolve soberania popular e democracia
Muitas vezes, os golpes contra a democracia são movimentos óbvios e
visíveis, ilustrados por tanques de guerra, baionetas e generais.
Vivemos tempos em que a consciência democrática dos povos rejeita
ataques frontais a seus direitos e é capaz de sair às ruas para defender
conquistas históricas e permanentes.
São tempos de judicialização, quando forças conservadoras, sem voto,
batem a porta dos tribunais para ameaçar a soberania popular, ignoram a
vontade do cidadão e procuram resolver, às suas costas, o que é melhor
para um país, um Estado, uma cidade.
A Constituição diz, no artigo 1, que todos os poderes emanam do povo,
e são exercidos através de representantes eleitos – ou diretamente, na
forma da lei.
Penso nisso diante da mais recente cena do Superior Tribunal Federal.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, eleito de forma límpida e
clara em 2012, foi obrigado a apresentar recurso para Joaquim Barbosa
anular uma liminar da Justiça de São Paulo que proíbe a cobrança do
aumento no IPTU, principal fonte de recursos da prefeitura da maior
cidade do país.
Vamos combinar: já é absurdo que um prefeito que recebeu 55% dos
votos no segundo turno seja obrigado a fazer uma caravana até Brasília
para fazer valer seu direito de definir como pretende governar São
Paulo.
É ainda mais absurdo, no entanto, que a palavra final fique com a Justiça.
Não há nenhum aspecto, neste debate, que envolva matéria
constitucional. Do ponto de vista eleitoral, Haddad pode estar até
ajudando a colocar uma pedra na reeleição de Dilma Rousseff, como
acreditam tantos petistas de olho em 2014, mas este é um debate entre o
prefeito e seu partido.
A questão aqui envolve princípios e nunca é demais lembrar a visão
que explica que os bons princípios são aqueles que podem ser defendidos
inclusive quando contrariam nossos interesses.
O IPTU é um imposto tradicional das cidades brasileiras, com
alíquotas que sobem e descem de acordo com as prioridades de cada
prefeito. Minha opinião é que o STF tem obrigação de devolver o assunto a
quem foi eleito para isso – o prefeito e a Câmara de Vereadores, que já
tomou posição a favor do aumento, também. Essa situação elimina o mais
maroto dos argumentos favoráveis a judicialização, aquele que até admite
que é um caminho errad, mas diz que a Justiça só entra em cena por
causa da omissão dos demais poderes.
Qualquer passo em falso, nessa matéria, representará um ataque à vontade popular.
O recurso alternativo, de cozinhar o assunto numa sopa de
oportunidades sem fim, será, na prática, uma forma de atender a pressão
contra o aumento do IPTU, privando a cidade de recursos que o prefeito
julga serem necessários – foi ele o escolhido por 3,3 milhões de
eleitores para resolver isso.
Ao dar a liminar contra o aumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo
alegou, como causa principal, a “falta de debate público” sobre o tema.
Desculpe mas pensei que isso tinha ocorrido na eleição. Quer dizer
que tivemos o horário político, os debates eleitorais em todos os canais
de TV e é possível alegar que “faltou debate?”
Nem nos tempos de George Bush, pai, aquele presidente dos EUA que
mandou a população fixar o olho em seu lábios enquanto ele dizia
vagarosamente não-haverá-mais-impostos durante a campanha, para mudar de
ideia depois da posse na Casa Branca ouviu-se um argumento desses. Tão
subjetivo, digamos assim.
O debate sobre impostos maiores e menores faz parte do cotidiano
político das democracias e, salvo nas ditaduras, sempre foi resolvido
pelo eleitor. Fernando Henrique Cardoso fez a carga tributária subir de
24% do PIB para 35%. Foi assim que seu governo conseguiu manter o
célebre equilíbrio fiscal. O Supremo não deu um pio, nem poderia nem
deveria.
Dilma Rousseff desonerou vários setores da economia. Nos Estados
municípios, governadores e prefeitos criam e eliminam incentivos
fiscais. É possível debater a oportunidade de cada uma dessas medidas.
Mas seria absurdo questionar o direito de autoridades eleitas de
resolver uma questão fundamental do funcionamento do Estado.
O Estado do bem-estar europeu não foi construído com recursos
espirituais, mas com impostos retirados dos mais ricos – inclusive sobre
grandes fortunas – para beneficiar os mais pobres. Imagine se eles
fossem bater as portas dos tribunais para revogar as decisões? Como
mostra o grande pensador Tony Judt, a Europa estaria nos braços negros
do fascismo até hoje.
A contra revolução conservadora patrocinada por Ronald Reagan, nos
EUA, tinha como base o corte de impostos da classe média alta e dos
ricos. Ninguém foi à Corte Suprema por causa disso. Podemos até não
gostar, mas era o voto que naquele momento dava autoridade a Reagan. O
mesmo aconteceu na Inglaterra, nos anos de Margareth Thatcher. A
população chegou a fazer uma revolta popular quando ela criou uma taxa
que tungava fundo no orçamento da população dos bairros mais pobres – a
palavra final coube ao eleitor.
A questão do IPTU paulistano foi levada ao Supremo por esses caminhos
que sempre são percorridos por quem não tem respaldo na vontade
popular. Não foi por acaso de Haddad mencionou a eliminação da CPMF,
ocorrida no segundo mandato do governo Lula.
Naquele momento, a mesma FIESP já presidida pelo mesmo Paulo Skaf
participou da operação que acabou com a CPMF através do Congresso. A
ação nada teve de democrática. Os deputados tinham medo de não conseguir
reeleger-se no pleito seguinte depois de apoiar uma medida tão
perniciosa para a população mais pobre e queriam dinheiro para mudar de
lado. Foi um escândalo, conforme apurou a Polícia Federal na Operação
Castelo de Areia.
Com base na investigação do caixa 2 de uma das maiores empreiteiras
do país, descobriu-se o pagamento de propinas imensas a uma larga fatia
do Congresso. Feito o serviço com os parlamentares, chegou a hora de
pedir ajuda a Justiça para se impedir a punição dos responsáveis.
Havia montanhas de diálogos gravados, comprometedores e vergonhosos.
Mas as principais peças de acusação foram anuladas, pois haviam sido
obtidas sem autorização judicial. Resultado: o STF anulou as provas e
ficou tudo por isso mesmo.
Está certo? Está, por mais que seja chato admitir isso. A democracia
tem seus rituais, e um deles informa que os direitos dos cidadãos, mesmo
aqueles acusados de crimes gravíssimos, devem ser respeitados.
E é em nome dos mesmos rituais que ( putz! ) ajudaram a salvar até aqueles tubarões que derrubaram a CPMF, mas em função de uma causa muito melhor, que se deve devolver as prerrogativas democráticas a quem tem o direito de falar pelo povo.
A alternativa é a ditadura judicial. Este é um sistema que até pode
conviver com algumas franquias democráticas mas, toda vez em que os
ricos e poderosos se consideram atingidos em seus direitos, oferece
acesso especial e personalizado para revogar medidas que não são de seu
interesse.
Brasil 247
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