qua, 02/04/2014 - 10:22
- Atualizado em 02/04/2014 - 10:23
Jornal GGN –
“Professor Gualazzi, por gentileza, retorne”, convida Antônio Carlos
Fon. “Nós não concordamos com o que o senhor diz, mas ninguém trouxe
máquina de choque, nem vai botar pau de arara. Por favor, volte. Vem
ouvir quem não concorda com o senhor, mas que não vai fazer o que o
regime que o senhor defende fazia”, acrescenta o jornalista preso e
torturado por combater a ditadura militar (1964-1985), em um vídeo
gravado por alunos da faculdade de Direito da USP.
Fon se dirigia ao professor Eduardo Lobo
Botelho Gualazzi, defensor ferrenho do golpe que depôs o governo João
Goulart, deflagrado 50 anos atrás. Há alguns dias, o acadêmico promoveu
uma consulta entre seus alunos para saber se poderia ministrar, no
emblemático 31 de março, uma “aula especial” totalmente dedicada a suas
considerações sobre a "Revolução de 1964”.
“Os alunos concordaram em abrir o
espaço, mas todos sabiam do apoio dele aos militares. Foi a partir dessa
notícia que decidimos articular uma intervenção”, conta ao Jornal GGN a estudante do terceiro ano de Direito Beatriz Diniz, 19, membro do coletivo Canto Geral, responsável pelo manifesto.
“Fizemos uma intervenção artística
[sonora e visual]. Renomeamos as salas do prédio da USP com nomes de
pessoas desaparecidas na ditadura, espalhamos cartazes com palavras de
ordem, encenamos um momento de tortura e iniciamos o grande ato cantando
uma música [Opinião, conhecida na voz de Nara Leão]”, detalha.
As imagens disponibilizadas na internet
denotam o esforço do grupo em sobrepor à opinião de quem acredita no uso
de forças desmedidas contra uma “ameaça comunista” (ou "Peste Rubra"), a
dor e a resistência de militantes presos e torturados pelo Estado ao
longo dos anos de chumbo.
Tudo começa com Gualazzi lendo o manifesto intitulado “Continência a 1964”,
no qual ele lembra que era um jovem com ideais direitistas quando
destacamentos militares começaram a marchar visando a derrubada de
Jango.
No documento, escrito em papel timbrado e
registrado em cartório, o advogado sustenta que em 1964, "o socialismo
almejava apoderar-se totalmente do Brasil, mediante luta armada e
subversão de todas as instituições".
Contra o discurso do professor, os
alunos reconstruíram, ainda do lado de fora da sala de aula, uma cena de
tortura. Os gritos de uma mulher agredida para forçar alguma delação
invadiram o discurso de Gualazzi. Quando a sala é tomada por estudantes
encapuzados, o professor tenta revelar identidades e troca alguns
empurrões com os jovens. Depois disso, deixa a sala e não retorna.
“O senhor tinha 17 anos em 64. Talvez a
idade explique as tolices que o senhor disse. Tolices de juventude. Mas o
triste, o perigoso, é que o senhor não mudou. Fosse um pouco mais
velho, o senhor estaria, junto com João Marcos Flaquer, redigindo o
AI-5. (...) Este é o tipo de democracia que o senhor quer. A democracia
em que só o senhor tem direito a falar. Só suas opiniões merecem ser
ouvidas”, dispara Fon contra Gualazzi.
Segundo Beatriz, Fon foi escolhido para
participar do ato promovido pelo Canto Geral por ser uma figura
importante para a história nacional, que poderia despertar o debate
sobre a ditadura com o professor de Direito. “Ele foi um militante
importante, participou da Aliança Libertadora Nacional, foi preso e
torturado. Fon sofreu exatamente o que nós estávamos tentando fazer o
Gualazzi enxergar e admitir”, explica.
A USP não impôs nenhum tipo de sanção a
estudantes ou membros do Canto Geral por terem promovido o ato, mas
também não se manifestou sobre o ocorrido. O grupo pretende entregar à
comissão de ética da universidade o manifesto escrito por Gualazzi, com o
intuito de conquistar, pelo menos, uma retratação.
“Nós não queremos necessariamente que o
professor deixe de dar aula, mas que pelo menos façam uma nota de
repúdio à postura dele em sala”, pontua Beatriz.
Blog do Luis Nassif
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