seg, 21/04/2014 - 12:43
Sugerido por Jaime Balbino
Da BBC Brasil
Quando
Asya Kreimer entrou em sua conta no Facebook e viu o panfleto que
mandava os judeus do leste da Ucrânia se registrarem, pagarem um imposto
exclusivo e deixar a região, sua primeira reação foi rir.
"É que me pareceu ridículo", conta essa senhora de 56 anos,
enquanto prepara um prato a base de frango, sob a orientação kosher,
para a Páscoa judaica.
Nos últimos dias, vários folhetos foram distribuídos por homens
mascarados nas saídas das sinagogas de Donetsk. A cidade no leste da
Ucrânia está no centro do conflito entre o governo de Kiev e os
separatistas pró-Rússia, que querem que a área seja anexada por Moscou, a
exemplo da Crimeia.
"Nunca tivemos problemas aqui. Meus amigos ucraniamos e russos me
respeitam por ser judia. Esse pedaço de papel foi ao mesmo tempo
patético e repugnante", conta.
Os líderes da República Popular de Donetsk, proclamada por
separatistas pró-Rússia, negam estar por trás das mensagens. Eles acusam
o governo de Kiev de espalhar os folhetos para desacreditar o movimento
autonomista.
Ameaças
Para boa parte dos 15 mil judeus de Donetsk, a simples distribuição dos panfletos é motivo suficiente para se preocupar.
"Isso é só mais uma demonstração das coisas horríveis que andam
acontecendo aqui", diz Asya. "Não acredito que os judeus estejam sob
perigo imediato, ainda que tudo isso seja parte de um plano para
arrastar as pessoas ao confronto", diz.
O antissemitismo é parte da história familiar de Asya. Cinco de
suas tias foram enterradas vivas durante a invasão alemã em 1941. Nos
anos seguintes, boa parte de sua família foi exterminada.
Desde o fim da Segunda Guerra, a vida dos judeus locais foi de paz.
Asya conta que recusou várias oportunidades de deixar a Ucrânia desde o
colapso da União Soviética. Mas, há algumas semanas, ela começou a
fazer um curso de alemão.
"Estou pensando em ir à Alemanha. É a primeira vez na minha vida
que penso em ir embora", conta. "Eu tenho medo da Rússia, não dos
russos, mas do governo. Acho que o Ocidente está subestimando o perigo
que Putin representa", diz.
Para o rabino Pinkhas Vyshedsky, da cidade de Donbass, "a impressão
é que alguem está tratando de arrastar (os judeus) para um jogo
político entre a Rússia e Ucrânia".
O rabino já pediu às forças de segurança da Ucrânia proteção especial à comunidade. Até agora, não houve resposta.
O caso dos tártaros
Os judeus não são o único grupo alvo de campanhas de ameaça e intimidação na Ucrânia desde o início da atual crise política.
Durante a anexação russa da Criméia, os tártaros, que são uma etnia
da região, também passaram a ser perseguidos. Hoje os tártaros, que são
uma minoria muçulmana, são poucos na sua terra natal, já que nos anos
1940 o líder soviético Joseph Stálin deportou quase toda essa população
para a Ásia Central.
Nos anos 1980, muitos começaram a regressar à Crimeia. Mas no mês
passado, enquanto as tropas russas ocupavam bases militares em toda a
região, minorias tártaras foram amedrontadas por grupos de carecas. Eles
carregavam um taco de beisebol e uma lista dos moradores tártaros,
pintando uma cruz na fachada de suas casas.
"Foi exatamente isso que fez Stálin dias antes de nos colocar nos
trens e nos deportar para a Ásia Central", diz Rustam Kadyrov. Sua casa,
no vilarejo de Bakhchysarai, também está marcada com uma cruz.
"Não sei quem está fazendo isso, mas estão querendo nos intimidar", conta.
Medo dos russos
Em meio à crise, o presidente russo, Vladimir Putin, acusa o
governo de Kiev de violar os direitos da população de fala russa na
Ucrânia. Moscou diz que os nacionalistas ucranianos - particularmente o
poderoso grupo Pravy Sektor (Setor da Direita) - são fascistas.
Desde o colapso da União Soviética, a aprovação de leis que
garantam a língua e os outros direitos de grupos minoritários na Ucrânia
tem fracassado.
Ainda assim, representantes das comunidades judaica e dos tártaros
acreditam que uma Ucrânia mais próxima à Europa pode lhes garantir uma
maior sensação de segurança, coisa que não esperam em caso de influência
russa.
"Eu tenho medo é da Rússia", diz Asya Kreimer. Assim como a maioria dos judeus de Donetsk ela tem o russo como língua materna.
"Parece que acabou a vida que nós tinhamos até agora", diz. "Os
panfletos são só uma pequena parte: o que importa é que a Rússia está
atiçando os problemas", diz.
"De fora, parece que tudo vai bem, já que felizmente não houve
muitas mortes ou muita violência. Mas a Rússia está matando nosso
Estado, a nossa nação (Ucrânia)", diz.
À medida que a disputa entre Rússia e Ucrânia se aprofunda, o
perigo aumenta com o vazio de poder que emerge no país. Como em qualquer
outro conflito, tensões étnicas e religiosas, que estavam adormecidas
há décadas, começam a aparecer.
Por isso mesmo essas minorias temem se tornar vítimas do conflito entre duas nações de cultura eslava e religião ortodoxa.
Blog do Luis Nassif
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