Na sexta-feira da Paixão, o poeta Lula Miranda,
colunista do 247, escreve sobre o calvário de José Dirceu, que há mais
de cinco meses está encarcerado em regime fechado na Papuda, embora
condenado ao semiaberto; "um homem cujo martírio está sendo forjado,
também diuturnamente, à margem de sua(s) suposta(s) culpa(s), pelas
reiteradas injúrias e injustiças que, tal qual chibatadas ultrajantes,
rasgam-lhe a carne e lhe penalizam o espírito", diz o escritor; "Quanto
sangue mais terá que ser servido às feras?", questiona o poeta;
"Renascerá Dirceu como uma espécie de mito que alimentará aqueles que
têm fome de esperança, palavra e pão?"; leia a íntegra
A Paixão do PT.
O partido dos trabalhadores está vivendo por esses dias uma espécie
de calvário. São diversos erros, vacilações, "escândalos" e "malfeitos",
anunciados e denunciados, todos os dias, com grande espalhafato, pela
grande imprensa e pelos seus colunistas – quase todos muito bem
remunerados, a peso de ouro.
Mas os erros, os pecados a serem expiados são somente os do PT?!
Os hipócritas, isentos de todo pecado, não se cansam de atirar-lhe
pedras, com indisfarçável fúria e sofreguidão. Alguns até apontam-lhe o
dedo, escarram em sua face e gargalham, ao longo de seu calvário, diante
de seu infortúnio e seguidos tropeços sob chibatadas inclementes;
outros já se apressam em lhe negar apoio e fidelidade; alguns mais
fingem desconhecê-lo ou ignorá-lo.
- "Antes que o galo cante, por três vezes me negarás", teria dito um
jovem pastor a um de seus mais fiéis e dedicados seguidores.
À ceia o "cardápio" é vasto – no afã de saciar apetites
pantagruélicos/insaciáveis. Tem- se o "mau negócio" da refinaria de
Pasadena, segundo nos esclareceu a sempre prestativa e competente Graça
Foster; um ex-diretor da Petrobras (salvo engano, ligado ao PP) foi
preso; o caso do deputado petista André Vargas, flagrado em relações
perigosas com um doleiro acusado por diversos crimes. O PT, enfim, vive,
não bastasse o parcialismo da grande imprensa, mas também por seus
próprios erros, descuidos e "vacilos", diga-se, o seu inferno
É difícil não perder a fé.
Retomará o PT o caminho da "redenção"?
A paixão de Dirceu.
Nem santo nem pecador – ao menos, não o pecador que pintam os
hipócritas e os falsos moralistas, com suas tintas carregadas pelo
pigmento da infâmia.
José Dirceu é apenas um homem, um inequívoco líder carismático de um
partido político, cujo pecado capital talvez tenha sido o fato de ser o
arquiteto que desenhou a grande catedral petista; um homem culpado, em
sua máxima culpa, quem sabe, por ter transformado, juntamente com seus
companheiros de geração, um ex-operário e líder sindical em presidente
da República; um homem cujo martírio está sendo forjado, também
diuturnamente, à margem de sua(s) suposta(s) culpa(s), pelas reiteradas
injúrias e injustiças que, tal qual chibatadas ultrajantes, rasgam-lhe a
carne e lhe penalizam o espírito. Dirceu foi condenado, e preso, com
base num suposto e esdrúxulo "domínio do fato". Como se não bastasse a
condenação, e a consequente prisão, está confinado, como e sabe, há
meses, no regime fechado, quando foi condenado ao semiaberto.
A situação é tão ignominiosa, um flagrante desrespeito à lei, que até
alguns dos seus carrascos, agora constrangidos, mas só agora, passam a
denunciar esse estado de coisas.
Tamanha e vexatória injustiça – que já se constitui em afronta aos
direitos humanos. A foto de José Dirceu, estampada de forma criminosa na
capa da revista Veja, é o retrato acabado de, repito, tamanha e
vexatória injustiça.
Ignomínia! Injustiça! Arbítrio!
A paixão de Dirceu é a paixão do PT.
A paixão do PT se assemelha à de Dirceu. Mas com esta, ao menos por
hora, parece não se confundir. Não se irmanar. Aquela não é solidária a
esta.
- Ó Pai, porque me abandonastes? – questiona o homem em sua solidão e aparente abandono.
Alguns líderes e formuladores do petismo parecem ter avaliado e
acreditado, num primeiro momento, ingenuamente, que as "bestas-feras" se
refestelariam com o sacrifício de Dirceu, Delúbio, Genoíno e João Paulo
Cunha. E assim se saciariam. Parece que não, não estão, e nunca
estarão, satisfeitas.
Quanto sangue mais terá que ser servido às feras?
O suficiente. O necessário. Até que o PT seja (re)colocado em seu
"devido" lugar: o de mero mediador de conflitos entre o capital e o
trabalho.
Parece ser esse o desejo inconfessável daqueles que pretendem, a todo
custo, manter tudo como está para ver como é que fica. "Tudo como
dantes no quartel de Abrantes".
Será o sangue de Dirceu (e do PT) o vinho consagrado a ser servido em
translúcidos cálices de cristal, em despudoradas celebrações de
cinismo, em convescotes vis, por "Mervais" e "Sardembergs"?
- "Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue! (...)
Quero inventar o meu próprio pecado. Quero morrer do meu próprio
veneno".
Porém, apesar de, e, talvez, até por toda a paixão, poesia e vilania,
será difícil abater o PT de Lula, Dilma, José Dirceu e legião. O
petismo, em sua bastarda familiaridade/similitude com o cristianismo,
tem muitos, milhões de seguidores – alguns "fanáticos",
"fundamentalistas". E uma fé inquebrantável.
Sim, o petismo, em sua essência, por vezes se confunde com uma espécie de "religião".
Conseguirá o PT, açoitado por chibatadas, infâmias e injustiças
vencer as suas próprias misérias e desgraças, e religar o homem à sua
humanidade?
Conseguirá o PT, e seus seguidores militantes, de alguma forma, aos
trancos e barrancos, andando no fio da navalha, entre pecados e
virtudes, erros e acertos, caminhos e descaminhos, vacilos e
pragmatismos manter-se firme em seu intuito original de indicar ao povo
brasileiro um caminho possível rumo ao resgate de sua dignidade e
humanismo?
Conseguirão os centuriões, as vestais e os supremos hipócritas da
política brasileira, com seu excesso de vilania e soberba, transformar
José Dirceu em uma espécie de mártir? E o PT em uma força ainda mais
sedutora e avassaladora?
Renascerá Dirceu como uma espécie de mito que alimentará aqueles que têm fome de esperança, palavra e pão?
Aqueles que sonham com dias melhores.
Aqueles que ainda têm fé no homem.
E esperam.
E lutam.
Por dias melhores.
Brasil 247
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