sab, 26/04/2014 - 13:46
- Atualizado em 26/04/2014 - 20:14
Não dá para entender o novo modelo de denúncias da revista Época.
Fica-se sem saber se a revista está com problema de falta de equipe de
reportagem, ou a direção de redação padece da falta de conhecimento de
negócios, para filtrar as matérias.
Denúncias envolvendo negócios têm sua complexidade. O repórter
precisa saber a diferença entre operações habituais e as extravagantes,
entender a lógica financeira para separar onde há suspeitas de
negociata, onde há operações normais de mercado. Não basta obter um
relatório da Polícia Federal se não houver discernimento para entender o
tema e identificar o negócio.
Esta semana a matéria de denúncia da Época fala em “Os lobistas e os negócios da Petrobras na África” (clique aqui).
O tom é de denúncia, o texto tem o estilo roteirizado das denúncias,
cada episódio é tratado como se fosse uma denúncia. Quando se completa a
leitura, não existe uma só denúncia na história.
Poderia ser matéria de negócios, mas não é, dado o tom de denúncia.
Poderia ser matéria de denúncia, mas não é, por ter apenas o tom, sem
apresentar uma denúncia.
Faz um check-list de tentativas infundadas de lobby, mostrando um superlobista que não consegue um resultado sequer.
Finalmente, joga no papel um conjunto de informações genéricas de
negócios – como, por exemplo, o fato público da associação entre
Petrobras e BTG na África. E informa, judiciosamente, que consultou os
personagens mencionados mas eles não quiseram se manifestar. Manifestar
sobre o quê? "Pactual, o que você tem a dizer sobre sua associação com a
Petrobras na África?". "Petrobras, o que você tem a dizer sobre sua
associação com o Pactual na África?"
Provavelmente o RP de ambas as empresas sugeriu ao repórter consultar
os comunicados ao mercado. E com isso não deu as declarações entre
aspas que poderiam ser utilizadas no texto. Extrair informações de
textos técnicos é bem mais complexo.
A matéria toda tem 12.723 caracteres
Trecho 1 - Viagem de Lula à África.
22% do texto. Todo o texto servindo apenas para informar que dois
representantes de empresas estavam na comitiva, José Carlos Bumlai e
Fábio Pavan. Legal! Viagens de negócios costumam ser feitas com
representantes das empresas interessadas. Mas qual a relevância dos
dois?
Restam 77%.
Trecho 2 - Perfil de Bumlai
Nos 10% seguintes, descobre-se que a razão de Bumlai estar na matéria
é o fato de ser amigo de Lula. Menciona-se sua influência para indicar
diretores para a Petrobras. E apresenta uma prova irrefutável: o fato de
João Augusto Henriques – também chamado de “lobista” (na reportagem
todos são lobistas) – ter procurado o apoio de Bumlai para o influente
cargo de diretor internacional da Petrobras. E não ter conseguido a
indicação. 0 x 1 para o lobista.
Restam 67%.
Trecho 3 – os negócios do lobista em Acra.
27% da reportagem para narrar as aventuras empresariais de Pavan e da
Constran em Acra – que não deram certo. E relata o fato do superlobista
ter ido atrás do apoio da Petrobras. E nada ter conseguido. 0 x 2 para
ele.
Restam 41%.
Trecho 4 – negócios com o grupo Charlot.
18% para informar que os lobistas tentaram vender um poço do grupo
Charlot para a Petrobras por US$ 150 milhões, antes de saber se o poço
tinha petróleo. Mas sabendo que o Conselho de Administração não
aceitaria, propuseram um sinal de US$ 8 milhões e o pagamento dos US$
150 milhões só se saísse petróleo. Que não saiu. 0 x 3.
Restam 23%
Trecho 5 – o acordo do BTGB e da Petrobras na África
11% para informar que a Petrobras juntou seus ativos africanos e
vendeu parte para o BTG Pactual por US$ 1,5 bi. E que os dois lados
lucraram com a operação. Informa também que “procurado pela reportagem”,
o BTG não se pronunciou. Mas se pronunciar sobre o quê, se não há um
dado sequer a ser checado.
Restam 12%.
Trecho 6 – relacionamento Lula-Bumlai
12% finais para mostrar que Bumlai e Pavan assistiram à inauguração
do escritório da Embrapa na África, na qual Lula estava presente. E
também a relevante informação de que, procurado para falar do
relacionamento com Bumlai, o Instituto Lula não quis se pronunciar. E
também a relevante informação de que o superlobista Pavan procurou de
todas as maneiras um contato com a Petrobras e nada conseguiu. 0 x 4
Não resta mais nada.
Blog do Luis Nassif
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