Presidenta destaca necessidade de mudança no
financiamento de campanhas eleitorais; para ela, reforma política sem
consulta popular fará com que os problemas voltem a ocorrer
por Redação RBA
publicado
28/07/2013 09:52,
última modificação
28/07/2013 10:07
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pt/bahia
São Paulo - Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo,
a presidenta Dilma Rousseff (PT) voltou a defender a necessidade de um
plebiscito para as mudanças no sistema político brasileiro, citando
especificamente “os interesses que se movem conforme o financiamento das
campanhas”.
Para ela, a reforma política a partir de consulta popular é
“inexorável”. Dilma não criticou o Congresso Nacional, onde a maioria
dos parlamentares se move para impedir o plebiscito, mas alertou: “Se
você não escutar a voz das ruas, terá novos problemas”.
Em dois momentos da entrevista, quando questionada sobre inflação e
emprego, a presidenta fez críticas diretas ao governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso.
“Em todo o primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso foram
gerados 824.394 empregos. Eu, em 30 meses, gerei 4,4 milhões. Você vai
me desculpar”, afirmou. Depois, sobre a inflação: “Cumpriremos a meta de
inflação pelo décimo ano consecutivo. Sabe em quantos anos o Fernando
Henrique não cumpriu a meta? Em três dos quatro anos dele [em que a meta
vigorou]”.
Quanto às relações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
disse que está “misturada com o governo dele total” e que os dois são
“indissociáveis”.
“Eu e o Lula somos indissociáveis. Então esse tipo de coisa
(intrigas), entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e
tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não
saiu. (...) Eu tenho uma relação com o Lula que tá por cima de todas
essas pessoas. Não passa por elas, entendeu? Eu tô misturada com o
governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21
de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do
governo. Temos uma relação de compreensão imediata sobre uma porção de
coisas.
Leia abaixo os trechos da entrevista publicados pelo jornal na edição de hoje (28):
As manifestações deixaram jornalistas, sociólogos e governantes perplexos. E a senhora, ficou espantada?
No discurso que fiz na comemoração dos dez anos do PT, em SP [em
maio], eu já dizia que ninguém, ninguém, quando conquista direitos, quer
voltar para trás. Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão
social exige mais inclusão. Quando a gente, nesses dez anos [de governo
do PT], cria condições para milhões de brasileiros ascenderem, eles vão
exigir mais. Tivemos uma inclusão quantitativa. Esta aceleração não se
deu na qualidade dos serviços públicos. Agora temos de responder também
aceleradamente a essas questões.
Mas a senhora não ficou assustada com os protestos?
Não. Como as coisas aconteceram de forma muito rápida, eu acho que
todo mundo teve inicialmente uma reação emocional muito forte com a
violência [policial], principalmente com a imagem daquela jornalista da
Folha [Giuliana Vallone] com o olho furado [por uma bala de borracha].
Foi chocante. Eu tenho neurose com olho. Já aguentei várias coisas na
vida. Não sei se aguentaria a cegueira.
Se não fosse presidente, teria ido numa passeata?
Com 65 anos, eu não iria [risos]. Fui a muita passeata, até os 30, 40
anos. Depois disso, você olha o mundo de outro jeito. Sabe que
manifestações são muito importantes, mas cada um dá a sua contribuição
onde é mais capaz.
O prefeito Fernando Haddad diz que, conhecendo o perfil
conservador do Brasil, muitos se preocupam com o rumo que tudo pode
tomar.Eu não acho que o Brasil tem perfil conservador. O povo é lúcido e
faz as mudanças de forma constante e cautelosa. Tem um lado de avanço e
um lado de conservação. Já me deram o seguinte exemplo: é como um
elefante, que vai levantando uma perna de cada vez [risos]. Mas é uma
pernona que vai e "poing", coloca lá na frente. Aí levanta a outra. Não
galopa como um cavalo. Aí uma pessoa disse: "É, mas tem hora em que ele
vira um urso bailarino". Você pode achar que contém a mudança em limites
conservadores. Não é verdade. Tem hora em que o povo brasileiro aposta.
E aposta pesado.
A senhora teve uma queda grande nas pesquisas.
Não comento pesquisa. Nem quando sobe nem quando desce [puxa a
pálpebra inferior com o dedo]. Eu presto atenção. E sei perfeitamente
que tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe.
Mas isso fez ressurgir o movimento "Volta, Lula" em 2014.
Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos
indissociáveis. Então esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não
cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar
porque ele não foi. Ele não saiu. Ele disse outro dia: "Vou morrer
fazendo política. Podem fazer o que quiser. Vou estar velhinho e fazendo
política".
Para a Presidência ele não volta nunca mais?
Isso eu não sei, querida. Isso eu não sei.
Ao menos não em 2014.
Esses problemas de sucessão, eu não discuto. Quem não é presidente é
que tem que ficar discutindo isso. Agora, eu sou presidente, vou
discutir? Eu, não.
Mas o Lula lançou a senhora.
Ele pode lançar, uai.
O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda?
Querida, não me incomoda nem um pouquinho. Eu tenho uma relação com o
Lula que tá por cima de todas essas pessoas. Não passa por elas,
entendeu? Eu tô misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos
todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a
Casa Civil] até ele sair do governo. Temos uma relação de compreensão
imediata sobre uma porção de coisas.
Mas ele teria criticado suas reações às manifestações.
Minha querida, ele vivia me criticando. Isso não é novo [risos]. E eu
criticava ele. Quer dizer, ele era presidente. Eu não criticava. Eu me
queixava, lamentava [risos].
Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice?
Uai, ótimo para ele. Vivemos numa democracia. Se ele disse isso, é porque ele quer isso.
O PMDB engrossou o coro dos que defendem o enxugamento de ministérios.
Não estou cogitando isso. Não acho que reduza custos. As medidas de
redução de custeio, nós tomamos. Todas. E sabe o que acontece? Vão
querer cortar os de Direitos Humanos, Igualdade Racial, Política para as
Mulheres. São pastas sem a máquina de outros. Mas são fundamentais.
Política de cotas, por exemplo: só fizemos porque tem gente que fica
ali, ó, exigindo.
A senhora sabe falar o nome de seus 39 ministros?
De todos. E todos eles ficam atrás de mim [risos]. Eu acho fantástico
vocês [jornalistas] acharem que, nesse mundo de mídias, o despacho seja
apenas presencial. Os ministros passam o tempo inteirinho me mandando
e-mail, telefonando, conversando.
O ministro Guido Mantega está garantido no cargo?
O Guido está onde sempre esteve: no Ministério da Fazenda. E vocês podem me matar, mas eu não vou falar de reforma ministerial.
O desemprego em junho subiu pela primeira vez em quatro anos, na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Querida, o desemprego... [Consulta papéis.] Olha aqui, ó. É
fantástico. Tem dó de mim, né? Como não podem falar de inflação, porque o
IPCA-15 [prévia do índice oficial] deu 0,07% neste mês... E nós temos
acompanhamento diário da inflação, tá? Hoje deu menos 0,02%. Tá? Ela
[inflação] é cadente, assim, ó [aponta o braço para baixo].
E o emprego?
Houve uma variação. Foi de 5,9% para 6%. É a margem da margem da
margem. Foram gerados 123.836 empregos celetistas. Em todo o primeiro
mandato do Fernando Henrique Cardoso foram gerados 824.394 empregos. Eu,
em 30 meses, gerei 4,4 milhões. Você vai me desculpar. Com a inflação,
também... Alguém já disse quanto é que caiu o preço do tomate? Ou só
comentaram quando o tomate aumentou? [Pede para uma assessora checar os
números. Ela informa que o tomate está custando R$ 4,50 o quilo.] Eu não
sou dona de casa, não posso mais ir no supermercado e não sei o preço
do tomate hoje. Mas sei a estatística do tomate. Teve uma queda, se não
me engano, de 16%. Eu ia naquele supermercado ali, ó [aponta a janela].
Não posso mais.
A senhora acha que os críticos do governo exageram?
Eu propus cinco pactos [depois das manifestações]. E eu tenho um
sexto, sabe? Que é o pacto com a verdade. Não é admissível o que se faz
hoje no Brasil. Você tem uma situação internacional extremamente
delicada. Os EUA se recuperam, mas lentamente. Nós temos um ajuste
visível na China. O Fed [Banco Central dos EUA] indicou que deixaria o
expansionismo monetário, o que provocou a desvalorização de moedas em
todo o mundo. E o país, nessa conjuntura, mantém a estabilidade.
Cumpriremos a meta de inflação pelo décimo ano consecutivo. Sabe em
quantos anos o Fernando Henrique não cumpriu a meta? Em três dos quatro
anos dele [em que a meta vigorou].
A inflação subiu por vários meses no período de um ano.
Nós tivemos a quebra na produção agrícola americana, que afetou os
mercados de commodities alimentares. Tivemos uma seca forte no Nordeste e
também no sul.
A crítica é que a senhora relaxou no controle da inflação para manter o crescimento.
Ah, é? Tá bom. E como é que ela tá negativa agora?
Há dúvidas também em relação à política fiscal.
A relação dívida líquida sobre PIB nunca foi tão baixa. A dívida
bruta está caindo. O deficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com
pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos. Como é que afrouxei o fiscal?
Quero falar do futuro. De agosto até o início do ano que vem, faremos
várias concessões, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos, o que vai
contribuir para a ampliação dos investimentos e para melhorar a
competitividade da economia.
Mas o Brasil cresce pouco.
O mundo cresce pouco. Nós não somos uma ilha. Você não está com
aquele vento a favor que estava, não. Nós estamos crescendo com vendaval
na nossa cara.
O modelo de crescimento pelo consumo não se esgotou?
É uma tolice meridiana falar que o país não cresce puxado pelo
consumo. Os EUA crescem puxados pelo consumo e pelo investimento. Nós
temos que aumentar a taxa de investimento no Brasil. Aí eu concordo.
Tanto que tomamos medidas fundamentais para que isso ocorra. Reduzimos
os juros. Desoneramos as folhas de pagamento. Reduzimos a tarifa de
energia. E fizemos um programa ousado de formação profissional, o
Pronatec.
Os investimentos estão lentos e isso é creditado ao governo. Os empresários reclamam que a senhora não tem diálogo.
Eu? Veja a agenda de qualquer tempo da minha vida. Participei de
todos os leilões, do período Lula e do meu. Entendo que eles
[empresários] queiram conversar comigo, como faziam sistematicamente.
Mas sou presidente. Eu não posso mais discutir taxa interna de retorno.
É outra crítica: o governo interfere, quer definir até a taxa.
É da vida o empresário pedir mais, o governo pedir menos. Aí ganha no
meio. O Tribunal de Contas da União exige a definição de uma taxa de
retorno. E o governo tem de ter sensibilidade para perceber quando está
errado.
A senhora teria características que não contribuiriam para que projetos deslanchem. Seria centralizadora, autoritária.
Não, eu não sou isso, não. Agora, eu sei, como toda mulher, que, se
você não acompanha as coisas prioritárias, tem um risco grande de elas
não saírem. É que nem filho. Você ajuda até um momento, depois deixa
voar.
A senhora já fez ministros chorarem com suas broncas?
Ah, que ministros choram o quê! Aquela história do [ex-presidente da
Petrobras José Sergio] Gabrielli? Um dia escreveram que ele era
pretensioso e autoritário. No dia seguinte, que eu tinha brigado e que
ele chorou no banheiro. A gente ligava pra ele: "Eu queria falar com o
autoritário chorão". Ô, querida, você conhece o Gabrielli? Ah, pelo amor
de Deus.
A senhora não é dura demais?
Ah, querida, eu exijo bastante. O que exijo de mim, exijo de todo mundo.
Isso não inibe ministros?
Não tenho visto eles inibidos, não. Nenhum projeto de governo sai da
cabeça de uma pessoa só. Não funciona assim. Se funcionasse, eu tava
feita. Não trabalharia tanto.
Uma das questões que Lula encaminhou no fim do governo foi o da
regulamentação da radiodifusão no país. A senhora enterrou esse assunto?
Não. Agora, o que eu e Lula jamais aceitaremos é que se mexa na
liberdade de expressão. Vou te dizer o seguinte: não sou a favor da
regulação do conteúdo. Sou a favor da regulação do negócio.
O que acha de o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, ser chamado por críticos de "ministro do Plim-Plim"?
É um equívoco, uma incompreensão. Essa discussão [da regulação] está
sempre posta. O [ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social] Franklin
[Martins] deixou um legado importante. E agora vai ter mais discussão. A
regulação em algum momento terá de ser feita. Mas ela não é igual ao
que se pensou há três anos. É algo complexo, até o que deve ser regulado
terá de ser discutido.
Por quê?
Hoje o que está em questão não é mais empresa jornalística versus
telecomunicações, TV versus jornais. Hoje tem a internet. Tem um
problema sério, nos EUA, no Brasil, para jornais escritos, revistas. Vai
haver problema de concorrência da internet, da plataforma IP, em TV.
Temos de discutir. Eu não tenho todas as respostas. Todo mundo terá de
participar. O Google hoje atrai mais publicidade que mídias que até há
pouco eram as segundas colocadas. A vida é dura. E não é só para o
governo. [Dilma pede que a conversa seja encerrada, alegando cansaço].
Gente, preciso ir. Estou tontinha da silva [risos].
Ia perguntar sobre seus prováveis adversários em 2014, Aécio Neves e Marina Silva.
[Em tom de brincadeira] Não fica triste, mas sobre isso eu não ia responder, não.
Sua principal proposta em reação às manifestações foi a realização
de um plebiscito para fazer a reforma política. A crítica à senhora é
que ninguém nas passeatas pedia isso.
Pois acho que tá todo mundo pedindo reforma política. As
manifestações podiam não ter ainda um amadurecimento político, mas uma
parte tem a ver com representatividade, valores, o que diz respeito ao
sistema político. Ao fato de que os interesses se movem conforme o
financiamento das campanhas. Não dá para cuidar de transparência sem
discutir o sistema. "O gigante despertou", diziam nos protestos - o que
mostra o inconformismo com a nossa forma de representação.
O Congresso Nacional fará reforma contra ele mesmo?
Querida, por isso que eu queria um plebiscito. A consulta popular era a baliza que daria legitimidade à reforma.
Mas a senhora concorda que o plebiscito não sai?
Eu não concordo com nada, minha querida. Eu penso que é importante
sair. E não sei ainda se não sai. Eu acho que é inexorável. Se você não
escutar a voz das ruas, terá novos problemas.
E a saúde? Os profissionais da área dizem que o Mais Médicos é uma
maquiagem porque o país tem uma estrutura precária de atendimento.
É? Pois é. Acontece que botamos dinheiro em estrutura. Jornais e TVs
mostram que há equipamentos sem uso. Como você explica que 700
municípios não têm nenhum médico? E que 1.900 têm menos de um médico por
3.000 habitantes? Uma coisa é certa: eu, com médico, me viro. Sem
médico, eu não me viro.
Rede Brasil Atual
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