17 de janeiro de 2014 | 09:18 Autor: Fernando Brito
O Brasil vive ainda sob um império colonial.
Onde o capital rentista é a metrópole que não se contesta.
O país avança, progride, enriquece mas, como quando do “quinto” da
Coroa portuguesa, vive sob o tacão de uma apropriação feroz de suas
riquezas feita pela via dos juros.
A rigor, é até inacreditável que o país continue crescendo com taxas
de juros públicas que, em qualquer parte do mundo, estariam levando uma
nação à recessão.
Não levaram, mas certamente levaram à capitulação a política
desenvolvimentista que visava a normalizar estas relações financeiras.
E mais inacreditável ainda que a oposição política a este modelo não
seja a que quer reduzi-las, mas a que quer aumentá-las ainda mais.
Os juros, no Brasil, estão distantes de serem uma questão econômica:
são caso de política, para não dizer de polícia, pelo assalto continuado
que nos representam.
Por muito menos os norte-americanos jogaram ao mar as caixas de chá.
Mas eles, claro, pretendiam ser uma nação e contavam com uma elite que desejava isso, ardentemente.
Sem mais, ao texto cheio de lucidez de Saul Leblon, hoje, na Carta Maior.
O Vesúvio rentista
Saul Leblon
Há um vulcão fumegando nas entranhas da economia brasileira.
Avisos de lava em ebulição são emitidos aqui e ali desde abril passado.
Na última 4ª feira, ele cuspiu pela sétima vez na cabeça da Nação.
A nova elevação de 0,5 ponto na taxa de juro reafirma um desarranjo em profundezas intestinas.
Vozes tranquilizadoras adiantam que uma 8ª, quem sabe 9ª, irrupção do Vesúvio rentista é inevitável –benéfica, de fato.
O que se passa de fato no interior da cratera que ora urra, ora
faísca e ameaça explodir tudo, é de qualquer forma sonegado à população.
Explicações sumárias, supostamente técnicas, ofuscam mais do que esclarecem.
Os juros sobem porque é preciso conter a inflação, explica o coral que convida para o grande baile da restauração ortodoxa.
Mas ao subir não inibiriam eles o investimento produtivo que se persegue como crucial?
E não atrairiam fluxos especulativos de capitais, que valorizam o
Real e barateiam as importações –com efeitos dissolventes na estrutura
industrial, além de inibir as exportações?
Ademais de reduzir o nível de atividade , não penalizariam a
relação dívida/PIB estreitando a margem de manobra fiscal do governo
–antessala de cortes ou protelações de investimentos públicos
inadiáveis? (Leia a coluna da economista Jaciara Itaim)
Desse nó nas tripas o distinto público toma conhecimento apenas pelas irrupções intermitentes.
Copiosas considerações de vulgarizadores asseveram a pertinência
da purga incandescente. O Vesúvio, antes de ser ameaça, é benção.
Toca o baile! — aconselham especialistas em convencer nações
inteiras a dançar no ritmo das lavas fumegante, com resultados que não
deixam Pompéia sozinha no museu das catástrofes.
O nonsense aparente não é aleatório –faz parte da crise.
Entorpecer a agenda do país é um recurso constitutivo da luta
pela repartição da riqueza, que só terá desenlace progressista se a
sociedade conquistar o discernimento histórico do que está em jogo
nesse baile de máscaras.
Distinguir a natureza dos interesses em confronto no salão,
ademais das escolhas que eles encerram –e as suas implicações, não é
café pequeno.
Requer, por exemplo, libertar-se da hipnótica orquestração comandada a partir do Jornal Nacional.
E adquirir imunidade aos esporões liberados pelos
vulgarizadores, que alardeiam os interesses dos endinheirados como se
fossem os de toda a nação.
Interditar o debate político da encruzilhada brasileira é uma
forma de circunscrever as opções do país aos estritos limites da boca
do vulcão rentista.
As eleições presidenciais de 2014 se oferecem como a oportunidade concreta de ir além das lamúrias e da rendição.
Vence-las, sem dúvida é o imperativo.
O que se deve perguntar é como essa vitória deve ser construída
para que não seja apenas inercial, mas erga pontes ao passo seguinte da
luta pela construção da democracia social brasileira.
A barragem de votos pode alterar as bases de um diálogo do qual a sociedade hoje sai invariavelmente chamuscada?
Quando o Vesúvio expele sua lava incandescente é como se dissesse não:
‘O Estado pode flertar com o pleno emprego, mas o estoque da riqueza
financeira não deve ser depreciado; e a fatia que ele detém no fluxo
da renda é intocável’.
Ou seja, ‘mãos ao alto, isso é um assalto: passe para cá os 3%
do PIB para pagar os juros da dívida pública e garanta uma Selic com
ganho real acima da inflação que nada lhe acontecerá’.
É tautológico dizer que o ‘governo petista aceita’ as condições impostas pelo mercado.
O governo se mexe na pinguela estreita que a atual correlação de forças reserva à mobilidade social brasileira.
Correlações de forças, a exemplo das vantagens comparativas na
esfera econômica, são uma construção histórica de cada povo e de cada
época, não uma fatalidade da natureza.
Mas existem. E tem peso objetivo não apenas no plano interno.
Um governo que entre em choque com a tríade rentista (FMI,
agencias de risco, grandes bancos) simplesmente não encontra um guichê
internacional para se abrigar dos caças bombardeiros e assegurar um
fluxo alternativo da ordem de dezenas de bilhões de dólares .
A inexistência desse contraponto diz muito do aparente paradoxo
entre a anemia eleitoral do conservadorismo nativo e a sua força de
sabotagem vocalizada pela mídia.
Doze anos de governos progressistas elevaram a participação do
salário no PIB para algo em torno de 51% no Brasil ( o dado disponível
do IBGE é de 2009; estima-se que tenha se mantido assim até 2012).
No ciclo tucano (1995/2003) essa fatia oscilou entre 49% e 46%.
Estamos falando, portanto, de uma reversão na luta pela riqueza, que até 2003 premiava invariavelmente as rendas do capital.
O que o vulcão rentista passou a urrar, e cada vez mais alto, é que essa espiral bateu no teto.
‘No passara’, avisa.
O interdito afeta todo o metabolismo econômico e contribui significativamente para agravar os impasses em curso.
A saber: descasamento entre demanda e infraestrutura,
desequilíbrio cambial, desindustrialização dissolvente e déficit
preocupante em contas correntes.
Não é uma questão de ‘inconsistência do modelo petista’, como
alardeiam os zeladores do dinheiro grosso alocados nas editorias de
economia.
É uma questão de conflito de interesses.
A macroeconomia não opera em uma dimensões celestial onde vigem
os mercados autorreguláveis, os agentes racionais e seus querubins
midiáticos.
O chão da macroeconomia é a correlação de forças e os sinais são de que ela mudou o patamar de sua tensão no país.
Elevar o discernimento social sobre essa encruzilhada e se
preparar para superá-la, erguendo linhas de passagem entre as eleições
de outubro e o futuro, é a opção concreta que se coloca à frente
progressista brasileira.
Lamúrias radicais diante de um vulcão não logram vantagem nem no quesito decibéis.
Mas tampouco aquiescer aos seus ditames garantirá a indulgência
das lavas, como parece crer um certo economicismo que aconselha ir às
urnas vestido de estátua de cinzas.
Tijolaço
Nenhum comentário:
Postar um comentário