seg, 02/06/2014 - 14:40
Sugerido por CB
Da Carta Capital
LULA EM CAMPANHA
Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos, Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse transmitir-lhe fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta longa entrevista que o ex-presidente Lula deu a CartaCapital. No caso de Mino, esta foi mais uma das inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.
Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos, Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse transmitir-lhe fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta longa entrevista que o ex-presidente Lula deu a CartaCapital. No caso de Mino, esta foi mais uma das inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?
Lula: Eu acho difícil
imaginar que a Copa do Mundo possa ter qualquer efeito sobre a
preferência por este ou aquele candidato. Por outro lado, se o Brasil
perder, acho que teremos um desastre similar àquele de 1950. Temo uma
frustração tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico
para o povo. Em 50 jogaram o fracasso nas costas do goleiro Barbosa.
CC: Em primeiro lugar o Barbosa.
Lula: O Barbosa
carregou por 50 anos a responsabilidade, e morreu muito pobre, com a
fama de ter sido quem derrotou o Brasil. É uma vergonha jogar a culpa
num jogador. Se o Brasil ganha, a campanha passa a debater o futuro do
País e o futebol vai ficar para especialistas como eu.
CC: E as chamadas manifestações?
Lula: Ainda há pouco
tempo a gente não esperava que pudessem acontecer manifestações. E elas
aconteceram sem qualquer radicalização inicial, porque as pessoas
reivindicavam saúde padrão Fifa, educação padrão Fifa; poderiam ter
reivindicado saúde padrão Interlagos, quando há corrida, ou padrão de
tênis, Wimbledon, na hora do tênis. Eu acho que isso é até saudável, o
povo elevou seu padrão reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro
do processo de consolidação democrático que vive o Brasil. Eu acho que,
ao realizar a Copa, o governo assumiu o compromisso de garantir o
bem-estar e a segurança dos brasileiros e dos torcedores estrangeiros.
Quem quiser fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que
levante, mas é importante saber que, assim como alguém tem o direito de
protestar, o cidadão que comprou o ingresso e quer ir ver a Copa tenha a
garantia de assistir aos jogos em perfeita paz.
CC: O
povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o resultado da Copa será
bem menos importante do que foi em 1950. Mesmo que a seleção perca, não
haverá tragédia. Deste ponto de vista. Efeitos sobre as eleições podem
ocorrer em função das chamadas manifestações.
Lula: Eu tenho certeza
de que a presidenta Dilma e os governos estaduais estão tomando toda a
responsabilidade para garantir a ordem. Com isso podemos ficar
tranquilos, é questão de honra para o governo brasileiro. O que está em
jogo é também a imagem do Brasil no exterior. De qualquer maneira, acho
que não vai ter violência, e, se houver será tão marginal a ponto de ser
punida pela própria sociedade. Agora se um sindicato quer fazer uma
faixa “abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito.
Eu me lembro que disse ao ministro José
Eduardo Cardozo, quando começou a se aventar a possibilidade de uma lei
contra os mascarados: “Olha, gente, nem brincar com lei contra
mascarados porque a primeira coisa que iremos prejudicar vai ser o
Carnaval, não os mascarados”.
A Constituição e o Código Penal definem
claramente o que é ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem
mecanismos para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses
dias tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha de metrô até
os estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil pessoas, mais de duas
vezes as assistências atuais. É verdade, havia menos carros nas ruas,
infinitamente menos carros, mas também não havia metrô.
CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
Lula: Discordo daqueles
que defendem a Copa no Brasil dizendo que vão entrar 30 bilhões, ou que
geraremos novos empregos. O problema não é econômico. A Copa do Mundo
vai nos permitir, no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do
Brasil do jeito que ele é. O encontro de civilizações, o resultado
dessa miscigenação extraordinária entre europeus, negros e índios que
criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio que temos para
mostrar? A nossa gente.
CC: Em que medida essas
manifestações nascem do fato de que houve uma ascensão econômica?
Aqueles que melhoraram de vida reivindicam mais saúde, mais educação.
Lula: Eu acho que não
há apenas uma explicação para o que está acontecendo. Precisamos
aprender a falar com o povo, para que entenda o momento histórico.
O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos
quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser
presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é
analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com
raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa
midiática é mostrar tudo pelo negativo.
Agora, se nós tivermos a capacidade de
dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se
começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele
vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos, passos
adiante foram dados.
CC: O governo não soube se comunicar?
Lula: Eu acho. Eu de
vez em quando gosto de falar de problema histórico, para a gente
entender o que de fato aconteceu neste país. Já disse e repito:
Cristóvão Colombo chegou em Santo Domingo, em 1492, e em 1507 ali surgia
a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624. O Brasil
ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas a primeira universidade
somente em 1930. Então você compreende o nosso atraso.
Qual é o nosso orgulho? Primeiro, em 100
anos, o Brasil conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em
universidades. Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de
estudantes, ou seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na
universidade do que foi conseguido em um século. Escolas técnicas. De
1909 até 2002, foram inauguradas 140. Em 12 anos, nós inauguramos 365.
Ou seja, duas vezes e meia o número alcançado em um século.
E daí você consegue imaginar o que
significa o Reuni ao elevar o número de alunos por sala de aula, de 12
para 18. Ou o que significa o Ciências Sem fronteiras, o Fies: 18
universidades federais novas. Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso
fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará à conclusão de que foi
preciso um sem diploma na Presidência da República para colocar a
educação como prioridade neste País.
Nós triplicamos o Orçamento da União
para a educação. É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a
lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco que a
Dilma criou o Ciência Sem Fronteiras para levar 65 mil jovens a estudar
no exterior. É tão pouco que ela criou o Pronatec, que já tem 6 milhões
de jovens se preparando para exercer uma profissão. Isso tudo estimula
essa juventude a querer mais.
Tem de querer mais. Quanto mais ela
reivindicar, mais a gente se sente na obrigação de fazer. Quem comia
acém passou a comer contrafilé e agora quer filé. E é bom que seja
assim, é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu sempre fui
contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto mais o povo
for exigente e reivindicar, forçará o governo a fazer mais. O que é
ruim? A hipocrisia.
Nós temos um setor médio da sociedade,
que ficou esmagado entre as conquistas sociais da parte mais pobre da
população e os ricos, que ganharam dinheiro também. A classe média, em
vários setores, proporcionalmente ganhou menos. Toda vez que um pobre
ascende um degrau, quem está dez degraus acima acha que perdeu algumas
coisas. A Marilena Chauí tem uma tese que eu acho correta: um setor da
classe média brasileira que às vezes também é progressista, do ponto de
vista social, mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então
fica incomodado.
CC: Nós entendemos que o problema é representado pela elite brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
Lula: Eu sou o mais
crítico do comportamento da elite brasileira ao longo da história. Este
país foi o último a acabar com a escravidão, foi o último a ser
independente. Só foi ter voto da mulher na Constituição de 34. Tudo por
aqui resulta de um acordo, inclusive um acordo contra a ascensão social.
Na Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios quiseram participar, a
elite disse “não, não vai entrar, porque depois que terminar essa
guerra vão querer se voltar contra nós”.
Esta é a história política do Brasil.
Ocorre, porém, que a ascensão dos pobres levou empresas brasileiras a
ganhar como nunca. Não sou eu quem lembra – em 1912, Ford dizia: “Quero
pagar um bom salário para meus trabalhadores para que eles possam
consumir”. Por exemplo, pobre em shopping dá lucro. Muitas vezes os
donos não aceitam num primeiro momento, mas depois percebem que é bom.
Tínhamos 36 milhões de brasileiros viajando de avião, agora temos 112
milhões.
CC: Notáveis avanços são inegáveis. Mas como vai ser daqui para a frente?
Lula: Eu fazia debates
mundo afora, com o Mantega, o Meirelles, às vezes a Dilma. E eu dizia:
esses ministros meus, eles falam de macroeconomia, mas o que eles não
dizem é que essa macroeconomia só deu certo por causa da minha
microeconomia. O que foi a microeconomia? Foi o aumento de salário, foi a
compra de alimentos, a agricultura familiar, foi o financiamento, foi o
crédito consignado, foi o Bolsa Família. Foi essa microeconomia que deu
sustentabilidade à macroeconomia.
Na Constituição de 46, quando o trabalho
era o assunto, concluía-se: “Não pode dar 30 dias de férias para o
trabalhador, porque o ócio o prejudica”. Chamavam férias de ócio. Agora,
as pessoas dizem que o Bolsa Família cria um exército de vagabundos. E o
futuro? Numa escada de dez degraus, os pobres só subiram dois, um e
meio, ainda falta muito para subir. Por isso eu tenho orgulho da
presidenta Dilma, ela sabe que muita gente vai se bater contra ela a
sustentar que, para controlar a inflação e fazer o País crescer, é
preciso ter um pouco de desemprego, arrocho no salário mínimo, ou seja,
que é preciso fazer o que sempre foi feito neste País e que não deu
certo.
Então, o que o governo tem de garantir é
o aumento da poupança interna, mais investimento do Estado, mais junção
entre empresa privada e pública, mais capital externo para investir no
setor produtivo. Para tanto, é indispensável dar continuidade à ascensão
dos mais pobres. Porque é isso que também vai garantir a ascensão do
Brasil no mundo desenvolvido, com alto padrão de qualidade de vida,
renda per capita de 20 mil, 30 mil dólares, e até mais. O Brasil não
pode parar agora. Está tudo mais difícil, mas temos agora o que a gente
não tinha há cinco anos, vamos contar com o pré-sal daqui a pouco.
CC: Temos um agronegócio muito
exuberante, muito produtivo e competitivo: é possível mobilizar essa
capacidade para estimular a indústria de equipamentos agrícolas?
Lula: Nós já temos uma
indústria de equipamentos agrícolas muito boa. Quando na Presidência,
cansei de discutir com empresários que feiras de agronegócio nós
precisamos é fazer na Argentina, no México, Nigéria, Angola, Índia.
Temos de mostrar nossa capacidade nos outros mercados. Esta é uma área
na qual o Brasil está pronto, não só porque tem conhecimento
tecnológico, mas também porque tem capacidade de área agricultável,
terra, sol e água. Sem a vergonha de dizer que exportamos commodities.
Hoje, a commodity tem preço. O que nós precisamos é produzir não só o
alimento, mas a indústria de alimentos, não só a soja, mas o óleo de
soja.
CC: Permita-nos insistir: como vencer as resistências da elite, atiçada pela mídia?
Lula: No movimento
sindical, em 1969, comecei a negociar com a Fiesp, certamente a elite
era muito mais retrógrada do que hoje. Eu lembro quando nós constituímos
a primeira grande comissão de fábrica na Volkswagen nos anos 80, nós
fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a criação de uma comissão de
fábricas na sua indústria química de São Miguel Paulista, e significava
trabalhador querendo mandar na empresa dele.
Hoje tem uma classe empresarial, mais
jovem, que já compreende a importância da negociação coletiva. Mesmo
assim, permanecem setores retrógrados. Ainda temos coronel que mata
gente por este Brasil afora por briga de terra. Nesses dias a Nissan
americana não queria deixar seu pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e
eu tive de mandar uma carta para o presidente da empresa. Mas voltemos à
mídia.
CC: A mídia nutre essa elite.
Lula: Eu certamente não
sou especialista nesta questão da mídia e nunca tive muita simpatia dos
seus donos. Toda vez que tentei conversar com eles, cuidei de explicar
que ao governo não interessa uma mídia chapa-branca, como foram no
governo Fernando Henrique Cardoso. Eu não quero isso, não quero que
tratem o PT como trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do
seu mandato.
Agora, também é inaceitável a falta de
respeito com Dilma. Se querem falar mal, façam-no no editorial do
jornal. Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é. Nunca
liguei para o dono de mídia pedindo para fazer essa ou aquela matéria,
mas o respeito há de ter, tanto mais por parte da comunicação, que é
concessão do Estado. Respeito à instituição, e acho que eles saíram de
um momento em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o
pensamento único a favor de FHC, e contra o meu governo e contra o da
Dilma, e contra a presidenta com agressividade ainda maior.
CC: E em termos de informação?
Lula: Quando eu cito os
números da educação, por exemplo, é porque nunca foram divulgados por
esta mídia. É como se houvesse a obrigação de omitir, sem perceber que
com isso se desrespeita o próprio público, que lê, ouve ou assiste. Nem o
recente Ibope eles divulgaram. Nem comentaram a inauguração da Rodovia
Norte-Sul, que passaram três anos criticando.
Há uma predisposição ao negativismo, e
isso contribui para uma desinformação da sociedade brasileira. E uma
questão é ideológica, se fosse econômica, eles deveriam ir todo dia à
igreja acender uma vela para mim, porque muitos estão quebrados e se
salvaram no meu governo.
Eu estou com a alma tão leve, eu até
acho normal o que eles fazem. Vem esse metalúrgico, que a gente supunha
destinado a um fracasso total, e é um sucesso. Vem essa mulher aí, que a
gente achava um poste, e ela não é um poste. E essa mulher vai se
eleger outra vez.
CC: Na verdade, o que está esmaecendo no Brasil e no mundo é o espírito crítico.
Lula: Porque interessa a
uma parte da elite brasileira a negação da política. O que vem depois é
sempre pior, quando você nega a política. A ditadura brasileira foi a
negação da política. O que é muito grave, porque, se você atravessa um
momento sem nenhuma referência, sem ninguém em condições de controlar a
situação, o próprio Estado vai à deriva.
CC: Insistimos novamente: o governo não se comunica?
Lula: Vocês estão
certos, não se comunica, eu tenho falado para o Guido Mantega, para a
Dilma: vendo como está o mundo hoje, a cada dois meses o governo tem de
fazer igual uma empresa com seus acionistas, que têm fundos de pensão.
Ou seja, você tem de fazer viagens e convencer o fundo de que a sua
empresa é rentável e vale a pena investir. Então, a cada dois meses o
governo brasileiro tem de ir a Nova York, não para falar com aposentados
brasileiros, mas com o investidor.
Já falei com o Itamaraty, com Bradesco,
Santander, todos se dispõem a articular os maiores debates brasileiros
para mostrar ao mundo realizações e potencialidades. A Petrobras tem de
viajar a cada 30 dias para onde tem investidor.
Não podemos ficar por conta de um
jornalista inglês que copiou matéria de um jornalista que vive no Rio de
Janeiro e fica procurando matéria em jornal para se inspirar.
O Brasil precisa reconhecer enquanto
vira a sétima economia mundial com viés de ser a quinta, que lá fora já
não se fala bem da gente. José Luis Fiori escreveu um artigo comparando
Brasil e México para acabar com o complexo de vira-lata de quem fala que
o Brasil está pior que o México. O que o México tem melhor que o
Brasil? Eu quero que o México fique cada dia mais rico, mas a comparação
com o Brasil é inadequada, porque o Brasil é maior que o México em
tudo.
Dias atrás, estava aqui com meu amigo
Gerdau e perguntei: como está o setor siderúrgico? E ele: não está muito
bem. Perguntei: quanto é que você está ganhando no Brasil? Somente
aqui, respondeu. Perguntem para o Josué Gomes da Silva, da Coteminas,
onde ganha dinheiro? No Brasil. O mercado interno brasileiro é uma
bênção de Deus que a elite não sabia existir, eles nunca imaginaram que
podíamos ultrapassar os 35 milhões de consumidores.
CC: Que chances há de mudar essa falha do governo?
Lula: Não é fácil, eu
sei o que foram meu primeiro e segundo mandatos. Tenho dito com a Dilma
que não tem de dar ouvidos a quem fala que gastamos muito com
publicidade. Eu acho que, se foi anunciado um programa hoje, e no
segundo dia não houve repercussão, vai em rede nacional.
O governo tem de dizer o que a mídia não
divulgou, porque se não disser, o silêncio se fecha sobre o fato. Dois
dias de tolerância, e coloca um ministro em rede nacional, não precisa
ir a presidenta todo dia. Mas não fiquemos nisso.
O Marco Regulatório tem de ser
compreendido. Não é censura, queremos é fazer valer a Constituição de
88, tanto mais quando entram em cena Facebook e companhia, eu nem sei o
nome de tudo. Existe Marco Regulatório de 1962. O Franklin Martins foi
feliz ao observar: “Em 62, a gente tinha mais televizinhos do que
televisores”.
Eu lembro que menino ia à casa do
vizinho ver televisão, a gente só podia sentar no chão, o sofá era do
dono da casa e ele ainda pisava no dedo da gente. Para assistir luta
livre, tinha de gastar dinheiro no bar, o dono cobrava. Hoje acontece
essa revolução tecnológica e você não quer discutir sua regulamentação?
Então, o Marco Regulatório e a reforma política são dois temas de ponta
que o PT tem de assumir. Temos de convocar uma Constituinte própria para
fazer uma reforma política.
CC: O que seria esta Constituinte própria?
Lula: Não se destinaria
a elaborar uma nova Constituição, e sim discutir a reforma política,
exclusivamente. O Congresso tem de aprovar a ideia do plebiscito, e na
convocação você diz o que é. E aí, não faltam recursos jurídicos para
adotar a nomenclatura adequada.
É insuportável governar com o Congresso
tomado por tantos partidos. É preciso ter critério para organizar um
partido, tem de haver cláusula de barreira.
CC: Este problema não resulta do
fato de que os partidos brasileiros nunca foram o intermediário
necessário entre a nação e o governo?
Lula: O Brasil não tem
tradição de partido nacional, a tradição são tribos locais, com caciques
regionais. Depois do PCB, o PT tornou-se o único partido nacional, cuja
atuação partidária a direção decidia. Mas o PT erra quando começa a
entrar na mesmice dos outros partidos. Erra quando usa a mesma prática
dos outros partidos.
Eu não quero voltar às origens, briguei a
vida inteira para ser classe média e agora vou voltar a brigar. O PT,
tem que saber, criar esse partido não foi fácil. Lembro de alguém que
vendeu uma cabrita, que dava leite para amamentar o filho, para
legalizar o PT. E até hoje há gente que anda três, quatro dais de canoa
para participar de uma convenção.
A gente não pode permitir que meia dúzia
de pessoas deformem esse partido, ele é muito grande. É um partido que o
próprio povo dirige. Não é uma coisa simples, nós temos de valorizar
isso. Já disse na convenção do PT: quero ajudar o PT a voltar ao seu
leito natural. Se tem uma coisa que o PT tem de se notabilizar é voltar à
sua tradição política. É isso que dá autoridade moral e força para a
gente.
CC: Não é fácil manter a coerência na hora da coalizão…
Lula: Não é vergonha
você repartir administração com outros partidos, sempre que pastas sejam
definidas na base da afinidade. A reforma política é a briga que nós
temos de ter hoje. Não acho que tenha de ser da Dilma. Ela é candidata,
acho que a briga tem de ser de todo o partido.
O Rui Falcão tem sido de grande valia
nessa luta. Agora vou fazer campanha pelo Nordeste, essa é a
contribuição que me cabe no momento. E, se eu fosse o governo, ficaria
ouvindo todo programa de rádio, de televisão, e o que não for verdade,
pedir direito de resposta. Utilizar a internet e não ficar chorando “a
Globo não me dá espaço”. A gente tem outros instrumentos para dizer o
que quer. Estou muito disposto, física e psicologicamente, para rodar o
Brasil.
CC: A campanha, assumir os palanques…
Lula: Assumir os
palanques. Estarei com Dilma onde ela achar conveniente estar. Preciso
tomar muito cuidado, porque haverá na base aliada interesses de que eu
não vá, porque a Dilma não pode ir, ela é candidata e da base aliada,
mas eu tenho compromisso com o meu partido. Eu sei que isso vai ser um
problema, a gente vai ter de conversar e negociar muito.
Estou feliz, sabe por quê? Eu sempre
achei que quem deixa a presidência fica pensando: como eu estarei daqui a
algum tempo? Porque as pessoas vão esquecendo, você vai perdendo
importância. Eu lembro que em 2002, 2006, ninguém queria o FHC no
palanque. Nem Serra colocou.
Em 2010, Serra me apresentou como amigo
dele e não colocou o FHC. Então, eu me sinto feliz, eu estou bem, eu
ainda tenho consciência de que sou uma pessoa importante na política
brasileira, e como tal direi que Dilma é a pessoa mais talhada para
cuidar do Brasil.
CC: E essa história que a imprensa criou do “Volta Lula”?
Lula: O “Volta Lula”
começou já na época que eu era presidente, quando pediam o terceiro
mandato. Eu, graças a Deus, aprendi a ter responsabilidade muito cedo. E
aprendi que, ao aceitar o terceiro mandato, por me achar
insubstituível, poderia permitir que outros também achassem, com a
possibilidade de alguém, algum dia, tentar o quarto.
Não é prudente brincar com a democracia.
Cumpri meus dois mandatos, saí cercado pelo carinho do povo. Se, em
algum momento, tiver de voltar, posso daqui a 4 anos. Mas não é a minha
prioridade.
Estarei então com 72 e acho que tem de
ser gente mais jovem, com mais vigor físico e capacidade de
administração. Mas em política a gente não pode dizer que não, nem sim.
Nunca me passou pela cabeça voltar.
Em todo caso, minha relação com a Dilma é
muito forte, e de muito respeito e admiração pelo caráter dela. Bem
formada ideologicamente e muito leal. Nunca iria disputar sua
candidatura.
Não faltou quem quisesse minha volta,
mas quando o Rui Falcão botou em votação, deixei claro: “Quero que
saibam, sou candidato a cabo eleitoral da companheira Dilma Rousseff
para o segundo mandato à Presidência da República”.
CC: E quanto aos adversários?
Lula: Conheço o Eduardo
Campos, é meu amigo, gosto dele profundamente. Conheço o Aécio, ele não
tem a mesma firmeza ideológica do Eduardo, tem outro compromisso, é um
representante mais afinado com a elite. Mas a Dilma é a mais preparada.
Fico triste que não conseguimos construir algo capaz de manter o Eduardo
Campos junto da gente. Mas era destino.
CC: E a Marina?
Lula: Eu gosto muito da
Marina, como figura humana. Foi minha companheira no PT por 30 anos,
tenho por ela um carinho muito grande, mas acho que, de vez em quando,
comete equívocos na análise política dela, meio messiânica. Imaginei-a
candidata e agora entra de vice.
Nisso não consigo entender a Marina. Mas
não confundo relação de amizade com a minha decisão política. Tenho
amizade com o Aécio mais formal do que com o Eduardo e sua família.
CC: Dilma ganha no primeiro turno?
Lula: A ganhar no
primeiro turno por 51% a 49% prefiro ganhar no segundo turno, com 65% a
35%. Reeleição é sempre muito difícil, mas no segundo turno você pode
consolidar um processo de alianças com a coalisão e você é eleito com
mais desenvoltura, e também permite fazer um debate mais profundo.
No primeiro turno todo mundo fala a
mesma coisa, promete tudo para o povo. Eu acho que a Dilma está
tranquila. Se em 2002 a esperança venceu o medo, acho que agora a
esperança e a certeza do que pode ser feito pode vencer o ódio.
CC: A campanha será sangrenta?
Lula: Pelas
características dos candidatos, acho que não. De resto, o resultado de
uma campanha não define apenas vencedor e derrotados, é o grau de
politização da sociedade, é o gosto pela política, é perceber que
durante a campanha os candidatos aprenderam alguma coisa e deram um
salto de qualidade. Quando disputei com o Serra, nós tivemos uma
campanha mais civilizada do que com o Alckmin. Ele se apresenta como
cidadão refinado, mas foi de extrema agressividade.
CC: Qual seria o adversário mais provável para o segundo turno?
Lula: Eu acho que, em
um segundo turno, será tucano. O PSDB tem base partidária mais
organizada, governam São Paulo, Paraná, alguns estados importantes no
Nordeste, e tem mais tradição de palanque. Já o PSB tem pouco palanque
estadual, a campanha do Eduardo vai ser mais difícil do que em 1989.
CC: E o Padilha, candidato petista em São Paulo?
Lula: O Padilha é um
daqueles fenômenos. Eu disse outro dia em Sorocaba ao Padilha: “Depois
de quem o precedeu, Arruda Sampaio, Suplicy, Dirceu, Marta, Genoino,
Mercadante, você é o melhor candidato de todos nós, o mais alegre, o
mais simpático, sua capacidade de comunicação com o povo é fantástica,
unificou o partido”.
Mas é uma campanha difícil. Primeiro,
porque os tucanos têm uma base sólida em São Paulo, e há conservadorismo
no estado e isso dá quase uma garantia. Não sei se Paulo Skaff vai ser
candidato, há dois anos que faz campanha não como candidato, mas como
presidente da Fiesp. Agora o desafio para o PT é ter os votos que o
partido tem habitualmente na cidade, todas as eleições.
CC: Fale da central de boatos a respeito do seu filho Fábio.
Lula: Ao mesmo tempo
que sou defensor intransigente da liberdade que temos na internet, acho
que somos vítimas dessa liberdade, porque o cidadão entra no seu quarto,
seu escritório, e fala a besteira que quiser. Há muito tempo vêm
denúncias, outro dia mostraram a sede da Esalq e disseram que era a casa
do meu filho, outro dia ele era dono da Friboi, um dia desses ele
estava fazendo negócios, inventaram que ele tem um jato.
Conseguimos detectar o paradeiro de dez
pessoas, uma era do Instituto Fernando Henrique Cardoso, filho do
ex-ministro Graziano. Os envolvidos foram acionados, um veio prestar
depoimento, disse: “Mas eu sou eleitor do Lula, eu só citei, não sabia
se era verdade, mas coloquei”. Muitos pedem desculpas. O Graziano veio
aqui também.
Quando, muito tempo atrás, eu fui contra
a invasão do Afeganistão pela então URSS, diziam que eu era da CIA,
depois eu era visto pela direita como o cara do Partidão. Isso me
permitiu continuar percorrendo o caminho do meio. Mas vale acentuar que
nós chegamos à excrescência da excrescência do comportamento humano.
Um dia desses eu vejo O Que Sei de Lula,
um livro. O autor não conviveu comigo um único segundo para escrever a
orelha do livro. Fico pensando: o que faço com um cidadão desse? Acabo
percebendo que o melhor é a desmoralização pela mentira. O Romeu Tuma
Jr. não merece o comportamento do pai dele. O pai dele foi um cidadão
digno. Quando a minha mãe estava para morrer, ele, meu carcereiro, me
deixava sair da cadeia às 2 da manhã para visitá-la. Então, quando um
cidadão conta uma mentira dessa, o que fazer? Processar?
Acho que falta um pouco de senso de
responsabilidade no comportamento das pessoas. De verdade, falta
reconstruir a estrutura social da família. Quando eu era pequeno, tinha
vontade de comer uma maçã embrulhada em papel azul, e ficava diante da
barraca olhando e olhando, e sabe por que eu não pegava e não saía
correndo? Para não envergonhar a minha mãe. Ela era a minha referência
de comportamento.
CC: Mas uma política social que
conseguisse alcançar certo grau de igualdade, isso não recriaria
automaticamente valores perdidos?
Lula: Há todo um
conjunto de fatores viáveis, não concordo com diminuir a idade penal e
colocar mais polícia na rua para coibir a violência. Isso não vai
funcionar. Eu acho que, se houver mais gente na escola e mais gente
trabalhando, vamos caminhar no rumo certo.
CC: Seria correto dizer que há
uma concepção errada da polícia num Estado democrático. Trata-se de
instituição absolutamente necessária, mas muito maltratada, porque ela
não é para reprimir, é para prevenir. Será que não vivemos uma crise
institucional dos poderes que haveriam de constituir um Estado moderno?
Lula: Quando a gente
fala em reforma, precisamos reformar também o Poder Judiciário. É tudo
muito lento. Mas a Justiça pede por uma reforma, porque é justo exigir
mais competência, é preciso ter mais estrutura para chegar a um cargo na
Justiça. Quanto à polícia, tenho uma observação.
A nossa polícia sabe que em muitos casos
o crime organizado está mais preparado do que ela. Todo ser humano tem
medo. Há casos em que o policial tira a farda para ninguém saber que ele
é policial. Ele vai trabalhar com um pouco de medo, e o medo faz você
mais violento. Se você aborda o suspeito, já de revólver em punho, caso
este reaja, você puxa o gatilho.
Como é que você resolve isso? Nós
cometemos um erro na Constituição, que foi dar muita autonomia aos
estados para que sua polícia se desvincule com muita autonomia da PM. Dá
a impressão de que os estados saberiam lidar com a criminalidade, mas
na prática muitos estados ficam reféns da própria polícia.
Primeiro, seria preciso que os policiais
se formassem por cursos de inteligência, assim como se formam em tiro
ao alvo e arte marcial.
Segundo, é preciso pagar melhor. Acho
que, no caso da organização da polícia, o problema está na Constituição
de 1988. Nas Forças Armadas, nós liberamos 7 mil, 8 mil fardados por
ano, que poderiam ser chamados diretamente para a polícia. Mas não, têm
de prestar concurso. É preciso rediscutir a respeito. Sem deixar de
partir do pressuposto de que nenhum governador quer abrir mão do
controle da polícia.
Decisivo seria definir o papel de cada
um. Porque, quando um governador prende um bandido, ele gosta de
aparecer na televisão, mas, quando ele não prende, o governo federal é o
culpado. Essa ponderação explica-se a outros campos. A educação. Quem é
que cuida? O governo federal, estadual ou prefeitura? E no ensino
técnico? Saúde? Nós precisamos definir tudo isso.
Temos de repactuar os entes federados.
Construir um pacto federativo, não só a partir da discussão financeira,
mas também de acordo com a responsabilidade de cada um.
Penso que no segundo mandato a Dilma
terá de fazer coisas novas, é importante promover debates que ainda não
foram feitos. Só se fala em política tributária. Eu tentei implementar
duas vezes, ninguém quis. Dilma tem de fazer um esforço muito grande
para destravar este país.
CC: Até que ponto o senhor pode influenciar Dilma na escolha dos futuros ministros?
Lula: Eu não quero influenciar a Dilma.
Faço política por uma transferência de confiança. Eu confio na Dilma. Se
for eleita, vai fazer suas escolhas, vou torcer para dar certo.
Se achar que ela está errada, vou dar
uns palpites. Se em algum momento ela resolver discutir comigo alguns
nomes, eu também não terei dúvidas em ajudá-la.
CC: Digamos que a presidente não queira ouvir ninguém, quem quer que seja.
Lula: Não existe isso.
CC: Admitamos uma sugestão não solicitada: “Este cara é muito bom”.
Lula: Vamos supor que a
Dilma seja eleita e eu resolva indicar o Belluzzo. E ela falasse “não”.
O que iria acontecer? Ia ficar um arranhãozinho na nossa relação de
amizade. Daí eu preferir não indicar. É mais saudável, nem eu nem ela
teremos decepções.
Agora, se o partido vier discutir comigo
quais nomes vai indicar, eu direi o que acho a respeito. Com ela, não. A
não ser que a escolha me pareça absurda e então não hesitarei: “Este é
problema”.
CC: Como analisar o avanço na relação dos BRICS?
Lula: Neste mundo
globalizado a gente tem de procurar parceiros. Acabou o tempo em que o
mundo pobre esperava tudo da Europa e dos Estados Unidos. Então, eu
penso que o Brasil tem de fortalecer as suas relações. Eu sou da tese de
que a gente tem de criar um colchão de proteção do Brasil em suas
relações externas, do ponto de vista estratégico, do ponto de vista da
segurança, econômico, do ponto de vista estratégico do desenvolvimento
científico-tecnológico. Porque quem já tem não quer repartir com a
gente.
Por isso o Brasil há de fortalecer cada
vez mais sua participação, sobretudo na América do Sul. E ter aqui, na
América do Sul, algo muito forte na área do comércio e da interação das
nossas empresas. Ter empresas fortes e bancos de desenvolvimento fortes.
O BNDES tem de arcar com um papel mais
importante e a gente tem de construir o Banco Sul. Acho que temos de
fazer o mesmo com a África, porque agora, no século XXI, a África dará
um salto de qualidade. E com os BRICS, precisamos tomar decisões
políticas.
Nós somos uma espécie de pêndulo do
planeta, então não podemos ficar dependendo do dólar para fazer negócio.
Temos de construir, e não esperar que o mundo construído no século XIX,
no começo do século XX, venha nos salvar. Nós podemos fazer a
diferença. Eu acho que esse acordo da Rússia com a China, esse negócio
do gás, foi um tapa de pelica na cara da Aliança do Atlântico.
Acho que os BRICS devem funcionar como
uma espécie de segurrança na relação de cinco economias importantes. Por
que eu falo isso?
O Mercosul, quando cheguei à
Presidência, não valia nada. A Alca é que estava na moda. Nós não
implantamos a Alca e o Mercosul passou de 10 bilhões para 49 bilhões de
fluxo de comércio exterior. A América do Sul não valia nada, o Brasil
não conversava com ninguém, ninguém conversava com o Brasil.
CC: Não é de interesse da elite que esses dados apareçam.
Lula: O Brasil é o
primeiro produtor, e primeiro exportador, de carne processada, suco de
laranja, tabaco, o segundo de soja. Tudo que você imaginar, o Brasil
está entre os cinco do mundo. Vamos gostar deste País!
Carta Capital
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