Está num artigo da Economist sobre a Globo. A revista diz que o governo trata a Globo com “docilidade”.
Tenho minhas restrições ao tom professoral da Economist ao falar do Brasil. Ora, se as fórmulas da revista fossem tão boas assim, o Império Britânico estaria mais vigoroso que nunca ainda hoje.
Notemos também que, a rigor, a Economist não tem sido capaz de resolver sequer os próprios problemas, quanto mais os da humanidade. Na Era Digital, a Economist é uma fração do que foi.
Feitas todas essas ressalvas, a revista acertou em cheio ao usar a palavra “docilidade”.
Nenhuma democracia pode conviver com tamanha concentração em um grupo de mídia. Nas contas da Economist, as Organizações Globo falam com 91 milhões de brasileiros.
Sabemos bem – a rigor, a Globo sempre disse o que diz hoje – que tipo de informação é passada aos brasileiros.
Tudo que beneficia o povo é uma “tragédia” – como o Globo definiu em sua primeira página o 13.o salário outorgado por João Goulart pouco antes do golpe militar.
A Globo faz mal ao Brasil, numa palavra. Mais especificamente: à ideia um Brasil socialmente justo. O Brasil da Globo é este que conhecemos, repleto de desvalidos em favelas e com os Marinhos no topo das famílias mais ricas do país.
Dada sua força, a Globo é a Bastilha brasileira, o símbolo da iniquidade. Para que a França avançasse, a Bastilha teve que ser derrubada. Para que o Brasil avance, a Globo tem que ser enquadrada.
Enquanto a Globo for deste tamanho, o Brasil continuará, essencialmente, o mesmo.
Enquadrar a Globo esbarra exatamente na “docilidade” do governo. Das administrações petistas, sublinhemos.
Porque antes você teve duas situações. Na primeira, durante a ditadura, a Globo fazia vassalagem e era recompensada majestosamente com mamatas indecentes.
Depois, com o fim da ditadura, a Globo passou de vassala a senhora. De Collor a FHC, todos os presidentes se ajoelharam para Roberto Marinho e para a Globo.
Com isso, a Globo conseguiu o milagre de sobreviver, ainda mais forte, àquilo que a fez ser o que é: a ditadura.
Esperava-se que o PT mudasse isso. Mas não foi o que ocorreu – ainda que fosse uma ação vital não para o partido em si, mas para a sociedade.
O PT foi dócil desde o início, sabe-se lá por quê. Pragmatismo, prudência, numa visão mais positiva. Medo, numa visão mais severa.
A docilidade se manifestou logo. A Carta aos Brasileiros, com a qual Lula se comprometeu a seguir as diretrizes básicas de FHC, teve as digitais de João Roberto Marinho, da Globo.
Pouco depois, em outro momento icônico, Lula compareceu ao enterro de Roberto Marinho, e lhe fez um elogio fúnebre.
Uma pequena medida de como as coisas se complicaram nas relações PT-mídia é que Dilma não compareceu ao enterro de Roberto Civita.
Mas Dilma também contribuiu para a dose de docilidade ao não trazer para o debate a regulação da mídia. Seu governo ficou marcado pela tese indefensável de que o controle remoto serve para lidar com a mídia.
Houve também o “republicanismo” na distribuição de verbas de propaganda do governo federal. O “republicanismo” carregou 6 bilhões de reais para a Globo em dez anos, a despeito de audiências cada vez menores.
Há detalhes difíceis de engolir neste “republicanismo” todo. Dias atrás, o portal ig publicou um artigo segundo o qual a Caixa Econômica Federal vai investir apenas 1% em publicidade nos meios digitais em 2013. Nem 2% e nem 3%: 1%.
Isso quer dizer que 99% da verba da Caixa terminam em mídias que rotineiramente massacram o governo. “Republicanismo” ou, como muitas pessoas dizem, “Síndrome de Estocolmo”?
É dentro desse quadro que Lula tem falado na campanha de desinformação promovida pela mídia. Coisas boas do governo Dilma, ou dele próprio, são ignoradas. Coisas ruins –reais ou imaginárias – são sublinhadas.
Entre os que reconhecem na concentração da mídia um enorme obstáculo ao avanço social brasileiros as palavras de Lula causam uma certa irritação. Ora, por que ele não fez nada a esse respeito em seus dois mandatos? Essa é uma das questões que um dia Lula terá que enfrentar.
Para regular de verdade a mídia, você tem que mexer no problema central: a Globo.
É o que Christina Kirchner fez com o Clarín, numa luta épica em que ela foi diariamente atacada sem jamais ceder. É o que o governo conservador do México está fazendo também com a Televisa.
No Brasil, sem que o caso Globo seja enfrentado, falar em regulação será pouco mais que jogo de cena.
Apenas para registro, até os militares começaram a ficar inquietos, num determinado momento, com o tamanho da Globo, porque isso poderia representar um Estado dentro do Estado.
O Brasil precisa, mais que nunca, de um estadista que diga aos brasileiros, com clareza e espírito público: “Precisamos falar sobre a Globo”.
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