Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno
Altman lembra que, quando o Brasil foi eleito sede da Copa do Mundo, em
2007, quando o País era presidido por Lula, o clima era de "alegria e
festa"; depois, na gestão da presidente Dilma Rousseff, "muitas pessoas
reclamam que as melhorias ficaram mais lentas" e então o País abre as
portas para o espetáculo "tomado pelo mau humor e a desconfiança. De
nacionais e estrangeiros"; segundo ele, a mudança se deve, em parte, às
"correntes oposicionistas" e aos "principais veículos de informação",
que desataram "verdadeira guerra psicológica sobre o tema"; agora, diz o
jornalista, "talvez a beleza e os resultados do futebol brasileiro
sejam a melhor vacina disponível para desfazer a narrativa catastrófica
que foi deliberadamente construída para desgastar o processo político
dirigido pelo PT desde o início do século"
Por Breno Altman, para o Brasil 247
Quando foi anunciado, nos idos de 2007, que o maior país dos trópicos
sediaria o campeonato mundial de futebol em 2014, as ruas brasileiras
se encheram de alegria e festa. Era desejo antigo e profundo: ser
anfitrião da competição mais proeminente do esporte que marca a
identidade nacional, quase sete décadas depois de ter sucumbido ao
Uruguai na tragédia de 1950, conhecida como Maracanazo.
O estado de ânimo entre os brasileiros, naquele momento, também
colaborou para o clima de euforia. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, no primeiro ano de seu segundo governo, liderava um projeto capaz
de retirar milhões de cidadãos da miséria, impulsionar um crescimento
potente da economia, reduzir a desigualdade social e afirmar o país como
nação protagonista no cenário mundial.
Apesar da avaliação de que o Brasil teria de enfrentar muitos
obstáculos para viabilizar o evento e já se preparar para os Jogos
Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, as recompensas pela ousadia
pareciam generosas. A Copa do Mundo poderia se configurar em ferramenta
para reforçar a imagem internacional, ampliar o fluxo turístico,
acelerar investimentos em infraestrutura e modernizar tanto os
equipamentos esportivos quanto os sistemas de transporte.
O país abre as portas para o espetáculo, porém, tomado pelo mau humor
e a desconfiança. De nacionais e estrangeiros. Por que, afinal, a
felicidade de 2007 cedeu ao pessimismo de 2014? O que levou ao
envenenamento da Copa do Mundo, pensada como vitrine das mudanças
comandadas pelo Partido dos Trabalhadores de Lula e Dilma Rousseff desde
2003?
A primeira razão dessa guinada negativa talvez possa ser encontrada
na confluência entre a perda de ritmo nos avanços sócio-econômicos a
partir de 2010 e as turbulências provocadas pelo ambicioso projeto para o
Mundial de Futebol.
Mesmo que o Brasil atualmente apresente uma das mais baixas taxas de
desemprego, inferior a 6%, com aumento real do salário mínimo na casa
dos 72,35% desde a posse do presidente Lula, muitas pessoas reclamam que
as melhorias ficaram mais lentas. Aproximadamente 35 milhões de
brasileiros foram retirados da miséria desde 2003, ampliando o mercado
interno e alavancando o crescimento da economia, mas o freio no
desenvolvimento afetou o dinamismo dos anos iniciais.
O presidente Lula, além de contar com alguns anos bastante favoráveis
no cenário mundial, pode dar importantes saltos a frente com a adoção
de programas sociais de amplo alcance, redirecionando recursos do Estado
para as camadas mais pobres e excluídas. Seus bons resultados não foram
apenas sociais, mas também econômicos: o PIB subiu uma média anual de
4% durante os oito anos do líder histórico petista.
O cenário mudou a partir da posse de Dilma Rousseff. Sem contar com
os efeitos multiplicadores de políticas já implementadas e que,
portanto, em sua fase de consolidação, não propiciavam mais benefícios
de amplo espectro, a presidente também teve o desprazer de ser atingida
pelos piores ventos da crise capitalista aberta em 2008.
A economia brasileira passou a crescer modestos 1,8% por ano, com
redução relativa do orçamento governamental e, portanto, da capacidade
do Estado em ampliar a expansão de direitos e serviços. O governo paga
também o preço de continuar refém da política de juros altos,
pressionado pelos bancos e os meios de comunicação sob influência do
rentismo, que inibe ainda mais os gastos estatais e força maior
dispêndio com o financiamento da dívida interna.
Estes dados cinzentos cercearam as possibilidades da administração
federal, que moderou ou abandonou políticas para elevação salarial de
funcionários públicos, construção de universidades, repactuação das
dívidas de estados e municípios, investimentos em infraestrutura,
modernização dos serviços públicos. Criou-se a base material para a
insatisfação que explodiu nas manifestações de junho do ano passado.
As pessoas não foram às ruas, então, para reclamar de salário e
emprego. Da porta para dentro de casa, no que diz respeito à renda das
famílias, a curva da economia brasileira é oposta a da maioria dos
países, especialmente os Estados Unidos e as nações europeias. Mas da
porta para fora a insatisfação gritava: as décadas anteriores, de
privatização e recessão, de redução do Estado e submissão à lógica
rentista, arruinaram os serviços públicos (especialmente transporte,
saúde e educação), sem que os governos petistas pudessem ter feito
grande coisa para resgatá-los.
A Copa do Mundo, com seus formidáveis estádios, acabou por se
transformar em mote para a indignação, contrapondo os gastos com este
megaevento às restrições para a oferta de sistemas mais universais e
eficazes de atendimento ao cidadão.
Além das despesas, a preparação da competição esportiva também
afetava a vida de muita gente, com remoção de grupos populacionais de
áreas destinadas à execução do projeto apresentado a FIFA, explosão de
preços imobiliários nas cidades-sede e conturbação provocada pelas
próprias obras em curso. A verdade é que, para muitos setores, o cisne
acabou virando o patinho feio.
Com a coincidência entre a Copa do Mundo e as eleições presidenciais,
previstas para outubro, as correntes oposicionistas e os principais
veículos de informação, francamente inimigos do petismo, aproveitaram
para desatar verdadeira guerra psicológica sobre o tema. O esforço teve
duplo sentido: radicalizar a percepção de que a Copa do Mundo desvia
dinheiro dos serviços públicos e apostar no próprio fracasso do evento.
Denuncia-se que o Estado desembolsou 83,6% dos 25,6 bilhões de reais
necessários para viabilizar a competição, como se todos esses recursos
fossem para a construção de arenas desportivas. Esconde-se, geralmente,
que 60,1% dos investimentos são para objetivos permanentes e de
interesse geral, como obras viárias, aeroportos e telecomunicação.
Tampouco se dá destaque que esses investimentos, durante sete anos,
geraram 3,6 milhões de empregos diretos.
O governo gastou sete bilhões de reais para a construção e a reforma
de doze estádios, mais 1.5 bilhão para segurança pública durante a Copa.
Isso equivale a 3% das despesas públicas anuais com educação, por
exemplo. Atribuir a esses gastos as carências em infraestrutura,
portanto, não tem qualquer lastro na realidade. Cálculos da Fundação
Getúlio Vargas, por outro lado, indicam que o torneio deve gerar
negócios adicionais ao redor de R$ 142 bilhões, além de poder
quadruplicar a receita da indústria do futebol e modernizar sua
estrutura.
Nem mesmo o estouro de orçamento, calculado em 20%, é algo muito
grave. Mudanças nos projetos justificam boa parte dessa situação. No
mais, este percentual de despesas adicionais está apenas um pouco acima
da Copa do Mundo na Alemanha (14%) e bem abaixo da África do Sul (32%).
Algumas dessas obras serão entregues com atraso, pois estava prevista
sua inauguração para o Mundial. Mas serão ativos importantes e úteis,
mesmo assim, para melhorar a vida nas grandes cidades brasileiras. Novos
aeroportos, pontes, viadutos e avenidas que ajudarão a tornar mais
confortável o dia-a-dia das metrópoles.
Ainda que os fatos não justifiquem a ofensiva contra a Copa, o
governo brasileiro se vê acuado na batalha midiática, dentro e fora das
fronteiras. Não tanto pelos problemas concretos que podem ocorrer
durante o campeonato, por erros e insuficiências, mas provavelmente
porque os petistas subestimaram como seus adversários atuariam.
A comemoração de 2007 criou falsa aparência de unanimidade, que pode
ter induzido lideranças da esquerda brasileira a acreditar em um cenário
de paz e harmonia. Quando despontaram as primeiras contradições e
crises, irrompeu onda de descontentamento estimulada a partir de setores
da imprensa, nacional e internacionalmente, contra a qual o governo
brasileiro se mostrou vulnerável.
Nunca antes na história do país, como tanto gosta de dizer o
ex-presidente Lula, tantos dependeram tanto de tão poucos. Além de
confiar que as obras garantam eficácia, segurança e conforto durante o
Mundial, o humor nacional poderá depender dos onze jogadores brasileiros
e seus reservas.
Talvez a beleza e os resultados do futebol brasileiro sejam a melhor
vacina disponível, a essa altura do campeonato, para desfazer a
narrativa catastrófica que foi deliberadamente construída para desgastar
o processo político dirigido pelo PT desde o início do século.
Brasil 247
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