qua, 18/06/2014 - 10:40
- Atualizado em 18/06/2014 - 10:40
Aécio Neves, o senador e agora candidato à Presidência da República
pelo PSDB, não pôde evitar o sorriso sem graça e o desconcerto trazido
pelas perguntas sobre o planejamento no setor elétrico que Renata Lo
Prete (14/6), da GloboNews, dirigiu a ele no segundo bloco da entrevista
que a jornalista fez com o político mineiro. Renata foi direto ao ponto
ao afirmar com toda segurança que a oposição costuma criticar muito a
atual administração quando o tema é a gestão do nosso sistema de geração
e distribuição de energia.
Ela lembrou ao candidato que “quando o PSDB esteve no poder federal,
as tarifas explodiram muito acima da inflação, e um apagão, seguido de
racionamento, decretou o fim prematuro do segundo governo Fernando
Henrique”. Logo depois veio a pergunta: “O que os tucanos têm a ensinar
nesta matéria, senador?”
Aécio começou a esboçar uma resposta, corrigindo a entrevistadora e
afirmando que “não era correto comparar momentos tão diferentes da vida
nacional, quando as prioridades eram outras”. O senador (PSDB) tentou
continuar com sua explicação, mas Lo Prete não o deixou continuar, e
interrompeu a fala de seu entrevistado: “Mas será que não, senador?”,
questionou a jornalista, sem deixar muito tempo para as reflexões pobres
de Aécio: “A gente fala muito de falta de planejamento, e se há uma
coisa que a gente sabe bem é que não houve planejamento naquela
situação”, afirmou a jornalista. A crise do “apagão” de 2001-2002 custou
ao Brasil R$ 45,2 bilhões, de acordo com dados do TCU publicados na
revista Época Negócios, em 16/7/2009.
O abismo e o desgoverno
Aécio então deu aquele sorriso peculiar de quem perdeu o rumo da
prosa. Foi apanhado desprevenido por uma entrevistadora astuta. Por um
momento pareceu perdido. Mas logo continuou, explicando que “não era
advogado de Fernando Henrique Cardoso”. Depois tentou corrigir a
ambiguidade que lançou sobre o nome de seu companheiro de partido e
garantiu que ele “não precisa um” (advogado). Elogiou os governos de
FHC, disse que sem eles Lula nada teria feito e ainda tentou lembrar à
editora de política do Jornal das 10 da GloboNews que em 2001 “houve
muito pouca chuva”.
Não era o dia de Aécio: Renata lembrou que o governo Dilma também
viveu um período de estiagem muito longo. Aécio então partiu para uma
série de acusações ao PT: sectarismo, irresponsabilidade fiscal,
intolerância política com a oposição, mas foi outra vez pressionado pela
jornalista. Que quis saber “por que tantas pesquisas, públicas e
privadas, registram uma imagem muito ruim dos governos do PSDB”. Aécio
finalmente admitiu as derrapadas no segundo mandato de FHC, e afirmou
que “mesmo assim ainda restou crédito ao seu governo, graças as suas
conquistas anteriores”.
O candidato do PSDB tentou usar a entrevista para aproveitar o mau
momento da atual administração. Veio para atacar, mas com retórica
frágil e sem o preparo intelectual de FHC, ele só desperdiçou tempo
precioso de exposição pública. Nada do que o candidato disse ajudou seu
partido ou sua candidatura. É verdade que a administração de Dilma
Rousseff não deu a sequência esperada aos melhores momentos dos dois
governos de Lula, mas querer estabelecer como verdade absoluta que
caminhamos para o abismo e o desgoverno é inaceitável, se partirmos de
pontos de vistas factuais.
Dever de casa
A verdade estava lá, na expressão de desamparo de Aécio Neves
interrogado sobre FHC e seu fracasso na gestão do setor elétrico. O
candidato esperava uma acolhida mais hospitaleira e favorável, em uma
emissora que faz oposição ao PT de forma sistemática e muitas vezes
desleal. O grande erro de Aécio foi acreditar que as grandes corporações
de mídia são entidades monolíticas e os profissionais que trabalham
nelas são lacaios dos patrões e seguem a linha editorial imposta por
eles sem reflexão. A coisa não é tão simples assim.
A chamada “grande mídia” é complexa e tem muitas faces. Desacreditar
tudo aquilo que é produzido por ela é uma imprudência pueril. Nos
jornais mais conservadores trabalham profissionais com visões de mundo e
opiniões que nem sempre coincidem com as dos seus empregadores. O
contrário também é verdadeiro: publicações liberais podem ter em seus
quadros gente conservadora que não segue a linha editorial de seus
chefes. Jornalistas e editores experientes sabem trabalhar nos limites
da autonomia relativa que a imprensa permite. Sabem usar as brechas nas
emissoras e publicações onde trabalham.
Aécio Neves ignorou isso e por pouco a entrevista não “azedou”
totalmente: em certo momento no segundo bloco, a entrevistadora afirmou
que o PT reconhece as conquistas de FHC. O político mineiro replicou: “O
PT não reconhece nada”. O candidato quis polemizar. Tentou provocar
discussão. Renata Lo Prete mostrou profissionalismo, não aceitou a
provocação e foi em frente com a entrevista. E o candidato desperdiçou a
oportunidade de mostrar as alternativas de seu partido para o atual
governo. O aspirante a presidente não fez o dever de casa, veio mal
preparado para a entrevista e ainda deixou bem claro que não tem frieza
para enfrentar quem o contrarie com boa argumentação.
***
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor
Jornal GGN - Blog do Luis Nassif
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