Em sua cruzada pela
prisão de José Dirceu, a revista Veja desta semana dedica a capa à
biografia não autorizada escrita por seu editor Otávio Cabral; nela, o
ex-ministro da Casa Civil é acusado de sequestrar um estudante na
juventude, de manter uma vida tripla (e não dupla) quando vivia no
Paraná e de chantagear o ex-presidente Lula; na reportagem seguinte,
logo após atirar novas pedras num réu, Veja coloca a faca no pescoço dos
ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, alertando para o risco
de que eles livrem Dirceu da prisão; sutileza de sempre foi mantida na
era pós-Roberto Civita
247 - Para a
revista Veja, a prisão de José Dirceu, assim como seu aniquilamento e a
destruição completa de sua biografia, é uma questão de honra. Não fosse
assim, a revista não teria recorrido aos serviços do bicheiro Carlos
Cachoeira para tentar seguir – ilegalmente – todos os seus passos no
Hotel Naoum, em Brasília. Da mesma forma, a revista não teria feito uma
capa com fogos de artifício, quando o Supremo Tribunal Federal definiu
as penas dos réus da Ação Penal 470.
Dirceu é um alvo especial para a
revista porque ocupa um papel simbólico na história da esquerda
brasileira. Transformá-lo em bandido, em personagem inescrupuloso ou
numa espécie de monstruosidade moral é uma maneira, também, de
criminalizar a própria esquerda.
É nesse contexto que se insere a
biografia não autorizada "Dirceu", escrita pelo jornalista Otávio
Cabral, editor de Veja.
Até algumas semanas atrás, divulgava-se que o
livro não seria mais lançado, diante dos receios da editora LeYa. Agora,
"de surpresa", o livro chega às livrarias pela Record e também à capa
de Veja desta semana, cuja imagem é simbólica: o "monstro" pragmático
Dirceu tira a máscara do "herói" sonhador, que ele usara na juventude.
Abaixo disso, chamadas impactantes como num thriller policial: "Uma
biografia não autorizada conta a transformação do jovem militante em um
exímio manipulador político, homem de negócios e condenado que
SEQUESTROU - TEVE MÚLTIPLAS IDENTIDADES - CHANTAGEOU LULA.
Uau! Quanta maldade reunida num só personagem!
Sobre o livro em si, poucas
revelações bombásticas, a julgar pelo que está contido na reportagem de
Veja. Uma das revelações é a de que, enquanto viveu no Paraná com Clara
Becker e assumiu a identidade do empresário "Carlos Henrique", Dirceu
não mantinha apenas uma vida dupla, que ocultava da própria mulher. Ele
também teria tido uma amante em São Paulo, onde comprava roupas para sua
loja, e, portanto, tinha uma "vida tripla", segundo Veja.
Sobre o sequestro, ele diria
respeito ao estudante João Parisi Filho, membro do Comando de Caça aos
Comunistas, que teria tentado se infiltrar entre militantes do movimento
estudantil. Descoberto, ele teria sido levado a cárcere privado e
submetido a agressões físicas pela turma de Dirceu.
Em relação a "chantagem a Lula", o
livro conta que Dirceu obteve a presidência do PT depois de uma conversa
tensa – e sem testemunhas – com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Dirceu teria ameaçado abandonar o PT e revelar esquemas de caixa
dois do PT com empreiteiras, caso Lula não o apoiasse – o que não parece
ser tão verossímil. E como a conversa se deu sem testemunhas, quem a
terá revelado ao editor de Veja?
O que importa, no entanto, é a
caracterização do personagem. Dirceu é, na biografia de Otávio Cabral e
na reportagem de Veja, assinada por Thais Oyama, um monstro. "Um
anti-herói sem escrúpulos que, como tantos outros na história política,
escondeu a ambição atrás de um falso ideal".
Desmascará-lo ajuda também, na lógica de Veja, a desmascarar todos os ideais de esquerda. E basta virar a
página para descobrir que, na era pós-Roberto Civita, a principal
revista da Editora Abril mantém a mesma sutileza de sempre. A reportagem
"Supremo à beira da curva" diz que, "aprovado para a corte", Luís
Roberto Barroso enche os mensaleiros de esperança. No texto, a revista
faz um apelo para que ele e seu colega Teori Zavascki não livrem os réus
da cadeia.
Lembrando: Dirceu foi condenado pela
teoria do "domínio do fato". Sabia porque, segundo a maioria da corte,
seria impossível que não soubesse. Na formação de quadrilha, foi
condenado por cinco votos a quatro – o que lhe dá direito aos embargos
infringentes.
Mas o monstro precisa ser destruído, aniquilado e preso. É este o objetivo da biografia "Dirceu" e da capa de Veja desta semana.
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