Advogada e pesquisadora da judicialização da política no país analisa julgamento da AP 470 e afirma se tratar de “julgamento político, sim”. Confiram:
Por Maria Luiza Tonelli
O julgamento da AP 470 confirmou-se realmente como “o maior
julgamento da história”. Ganhando o apelido de julgamento do “mensalão”,
foi um julgamento onde pessoas foram condenadas sem provas, como é o
caso de José Dirceu, fato atestado até pelo insuspeito Ives Gandra
Martins.
Provas não inseridas no processo (caso Visanet); ministros dormindo
no primeiro dia do julgamento (Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes),
enquanto advogados de defesa faziam sustentações orais; discursos de
ministros, num claro ativismo judicial, ultrapassando os limites de suas
atribuições ao condenar moralmente o partido político de réus do
processo (o PT no banco dos réus, comparado por um dos ministros até
mesmo ao PCC); falas de ministros menosprezando a atividade parlamentar,
num frontal desrespeito ao poder Legislativo; atentado a figuras
públicas da maior dignidade (como a condenação de Genoíno por formação
de quadrilha e corrupção ativa por ter ele assinado empréstimos,
devidamente quitados, em nome do PT na condição de presidente do
partido); prisões ilegais sem cartas de sentença e determinação do
cumprimento da pena inicialmente em regime mais gravoso do que foram
condenados; prisão de uns enquanto outros ainda estão soltos, como é o
caso de Roberto Jefferson; julgamento em pleno período de eleições sob
pressão da mídia, com o objetivo de prejudicar o PT (Roberto Gurgel
chegando ao desplante de declarar à mídia que esperava que o julgamento
tivesse repercussão nas urnas); comparecimento de ministros
participantes do julgamento e, durante o período do mesmo, a lançamentos
de livros destinados à propaganda contra os réus e seu partido (como O
país dos petralhas 2, do blogueiro da Veja, e o Mensalão, de Merval
Pereira, da Globo –este último brindado com prefácio do ministro que
presidiu o julgamento até a fase de condenação dos réus).
Enfim, conhecemos toda essa história de cor e salteado.
Portanto, é ingênuo ou age de má-fé aquele que não vê motivação
política nessa farsa muito bem montada com o claro objetivo de quebrar a
espinha dorsal de um partido político. Um julgamento de exceção, sim,
afirmam juristas reconhecidos aqui e fora do país. Um julgamento
político, sim.
Vídeos, matérias publicadas na imprensa, votos no STF com discursos
de ministros inflamados, tudo isso e muito mais constitui provas que
poderão levadas às cortes internacionais para que se esclareça o que foi
realmente e que sentido teve o dito “maior julgamento da história deste
país”.
As pesquisas de opinião que incluem Joaquim Barbosa como potencial
candidato a presidente da República são a prova cabal do conluio
jurídico-midiático dessa farsa que desde o início ignorou o direito ao
devido processo legal.
Réus foram denunciados, acusados, julgados e condenados por uma mídia
que, sob o pretexto da liberdade de imprensa, não respeitou o direito
constitucional à presunção de inocência até que a sentença tenha
transitado em julgado. Cidadãos foram linchados moralmente, e continuam
sendo, promovendo uma cultura de pura violência e de desrespeito aos
direitos humanos. Uma mídia que ruma contra a maré do processo
civilizatório, conquistado a duras penas.
Num Estado Democrático de Direito é inaceitável que alguém a tal
ponto envolvido num julgamento de clara motivação política possa sair
imediatamente em seguida candidato a uma disputa eleitoral de cago
executivo ou legislativo. Tal conduta coloca sob suspeita a garantia da
imparcialidade do julgador; um golpe na democracia e no Estado
Democrático de Direito.
Julgamento político, sim, e de exceção: resultando em sentenças
condenatórias baseadas em duvidosas interpretações doutrinárias e em
alegações frequentemente subjetivas, sem respaldo nos autos do processo.
Condenados num tal julgamento não são presos comuns, são presos
políticos. É o Estado, representado pelo voluntarismo de Joaquim
Barbosa, atuando de modo arbitrário e dando tratamento desigual a
condenados portadores de enfermidades, como é patente no caso de
Genoíno, se comparado ao de Roberto Jefferson.
Mas para que tudo isso?
O que será, de fato, que está sendo tramado e armado?
Quase 50 anos se passaram desde 1964. O espectro de um golpe não se
delineia mais com metralhadoras e na escuridão das casernas, mas com
luzes e câmeras em estranhos palcos e seus bastidores. Se vingará ou não
ainda não sabemos. Há momentos em que a resistência como direito
político é acima de tudo um dever moral.
Maria Luiza Tonelli é advogada, professora, mestre e doutora em
Filosofia pela USP, com pesquisa em Judicialização da política e
soberania popular.
Blog do Zé Dirceu
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