terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Maria Luiza Tonelli: “A ‘justiça’ dorme, mas a resistência continua”





Advogada e pesquisadora da judicialização da política no país analisa julgamento da AP 470 e afirma se tratar de “julgamento político, sim”. Confiram:


Por Maria Luiza Tonelli



O julgamento da AP 470 confirmou-se realmente como “o maior julgamento da história”. Ganhando o apelido de julgamento do “mensalão”, foi um julgamento onde pessoas foram condenadas sem provas, como é o caso de José Dirceu, fato atestado até pelo insuspeito Ives Gandra Martins.

Provas não inseridas no processo (caso Visanet); ministros dormindo no primeiro dia do julgamento (Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes), enquanto advogados de defesa faziam sustentações orais; discursos de ministros, num claro ativismo judicial, ultrapassando os limites de suas atribuições ao condenar moralmente o partido político de réus do processo (o PT no banco dos réus, comparado por um dos ministros até mesmo ao PCC); falas de ministros menosprezando a atividade parlamentar, num frontal desrespeito ao poder Legislativo; atentado a figuras públicas da maior dignidade (como a condenação de Genoíno por formação de quadrilha e corrupção ativa por ter ele assinado empréstimos, devidamente quitados, em nome do PT na condição de presidente do partido); prisões ilegais sem cartas de sentença e determinação do cumprimento da pena inicialmente em regime mais gravoso do que foram condenados; prisão de uns enquanto outros ainda estão soltos, como é o caso de Roberto Jefferson; julgamento em pleno período de eleições sob pressão da mídia, com o objetivo de prejudicar o PT (Roberto Gurgel chegando ao desplante de declarar à mídia que esperava que o julgamento tivesse repercussão nas urnas); comparecimento de ministros participantes do julgamento e, durante o período do mesmo, a lançamentos de livros destinados à propaganda contra os réus e seu partido (como O país dos petralhas 2, do blogueiro da Veja, e o Mensalão, de Merval Pereira, da Globo –este último brindado com prefácio do ministro que presidiu o julgamento até a fase de condenação dos réus).


Enfim, conhecemos toda essa história de cor e salteado.
Portanto, é ingênuo ou age de má-fé aquele que não vê motivação política nessa farsa muito bem montada com o claro objetivo de quebrar a espinha dorsal de um partido político. Um julgamento de exceção, sim, afirmam juristas reconhecidos aqui e fora do país. Um julgamento político, sim.


Vídeos, matérias publicadas na imprensa, votos no STF com discursos de ministros inflamados, tudo isso e muito mais constitui provas que poderão levadas às cortes internacionais para que se esclareça o que foi realmente e que sentido teve o dito “maior julgamento da história deste país”.


As pesquisas de opinião que incluem Joaquim Barbosa como potencial candidato a presidente da República são a prova cabal do conluio jurídico-midiático dessa farsa que desde o início ignorou o direito ao devido processo legal.


Réus foram denunciados, acusados, julgados e condenados por uma mídia que, sob o pretexto da liberdade de imprensa, não respeitou o direito constitucional à presunção de inocência até que a sentença tenha transitado em julgado. Cidadãos foram linchados moralmente, e continuam sendo, promovendo uma cultura de pura violência e de desrespeito aos direitos humanos. Uma mídia que ruma contra a maré do processo civilizatório, conquistado a duras penas.


Num Estado Democrático de Direito é inaceitável que alguém a tal ponto envolvido num julgamento de clara motivação política possa sair imediatamente em seguida candidato a uma disputa eleitoral de cago executivo ou legislativo. Tal conduta coloca sob suspeita a garantia da imparcialidade do julgador; um golpe na democracia e no Estado Democrático de Direito.


Julgamento político, sim, e de exceção: resultando em sentenças condenatórias baseadas em duvidosas interpretações doutrinárias e em alegações frequentemente subjetivas, sem respaldo nos autos do processo. Condenados num tal julgamento não são presos comuns, são presos políticos. É o Estado, representado pelo voluntarismo de Joaquim Barbosa, atuando de modo arbitrário e dando tratamento desigual a condenados portadores de enfermidades, como é patente no caso de Genoíno, se comparado ao de Roberto Jefferson.
Mas para que tudo isso?


O que será, de fato, que está sendo tramado e armado?
Quase 50 anos se passaram desde 1964. O espectro de um golpe não se delineia mais com metralhadoras e na escuridão das casernas, mas com luzes e câmeras em estranhos palcos e seus bastidores. Se vingará ou não ainda não sabemos. Há momentos em que a resistência como direito político é acima de tudo um dever moral.


Maria Luiza Tonelli é advogada, professora, mestre e doutora em Filosofia pela USP, com pesquisa em Judicialização da política e soberania popular.



Blog do Zé Dirceu

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