Ao sugerir com sarcasmo, em carta ao senador
Eduardo Suplicy, que ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares use "expertise à
recuperação de pelo menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos
cofres públicos", ministro Gilmar Mendes joga pesado; apesar das
condenações da AP 470, autos do processo mostraram que verbas de mais de
R$ 70 milhões para publicidade da Visanet foram efetivamente usadas
para esse fim; julgamento de cunho político não comprovou subtração do
dinheiro público, mas sim empréstimos bancários devidamente registrados
ao PT; intenção do magistrado parece ser a de tratar novamente como
verdade um episódio que os autos mostraram ser falso
247 – Mais do que condenar as vaquinhas feitas
por amigos dos ex-dirigentes do PT para o pagamento das multas
determinadas pelo STF, a carta dirigida nesta sexta-feira 14 pelo
ministro Gilmar Mendes ao senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ressalta uma
falsidade história.
No trecho em que, com ironia, Gilmar recomenda que o ex-tesoureiro
Delúbio Soares use seu "expertise" em arrecadação para angariar "pelo
menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos cofres públicos", o
magistrado insiste em repetir uma história não comprovada nos autos do
processo da Ação Penal 470. Afinal, foi apurado que o Fundo de
Incentivos Visanet, então dirigido por Antonio Pizzolato, usou verbas
publicitárias de cerca de R$ 70 milhões para fazer a propaganda de seus
cartões. Um dinheiro que foi aplicado na compra de espaços publicitários
em grandes veículos de comunicação, como a Rede Globo e o jornal Folha
de S. Paulo, por exemplo.
Quando cita a subtração de R$ 100 milhões dos cofres públicos na
carta a Suplicy, Gilmar ignora provas que igualmente foram desmerecidas
ao longo do processo, que acabou por ganhar todos os tons de um
julgamento político. O dinheiro em torno da AP 470 saiu dos cofres dos
bancos BMG e Rural em empréstimos devidamente registrados ao PT. Não
houve uso de dinheiro público.
Insistir e persistir numa versão que as provas desautorizam faz parte
da estratégia de destruição das reputações dos ex-dirigentes petistas
presos. Como se não bastasse estarem presos, eles merecem, ainda, ser
massacrados em suas integridades de homens públicos. A passagem em
destaca na carta de Gilmar a Suplicy cumpre esse papel à risca.
A comprovação de que não houve desvios no Fundo de Incentivo Visanet,
do Banco do Brasil, foi mostrada pela primeira vez em reportagem da
revista Retrato do Brasil, do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira,
publicada no ano passado. Com clareza, ali ficou clara que a estratégia
comercial da Visanet exigia ações de confidencialidade em várias
frentes, inclusive no trato com agências de publicidade de bancos rivais
entre si.
Confira abaixo trechos da reportagem da Retrato do Brasil, na qual
ficou clara pela primeira vez o que o STF não mostrou nos autos do
processo: o fato de, efetivamente, dinheiro público não ter permeado a
AP 470, mas sim recursos privados que serviram à formação de um caixa 2:
"Um dos segredos da Visanet nos lugares em que opera é colocar a
serviço da venda de seus cartões – e, portanto, do aumento de seu
faturamento – bancos rivais entre si, cada um interessado em emitir mais
cartões que o outro, disputando cada espaço do mercado", explica o
texto, que exemplifica: "se havia, como de fato houve nesse período, um
congresso de magistrados em Salvador e o BB queria fazer uma promoção no
local, isso não deveria estar escrito num plano a ser discutido dentro
da Visanet, onde estava o Bradesco, por exemplo, com mais ações que o BB
na empresa e igualmente ávido para vender cartões Visa aos juízes,
pessoas de alto poder aquisitivo".
Visanet
A estratégia empresarial explica, segundo a revista, porque "as
relações entre Visanet, bancos e agências de publicidade tinham de ser
mais frouxas, para que o negócio funcionasse melhor". "Os negócios foram
feitos assim e o truque funcionou, especialmente para o BB, que se
tornou, nos anos da gestão Pizzolato, líder no faturamento de cartões de
crédito entre os bancos associados à Visanet", conta a Retrato do
Brasil. "Os auditores foram procurar documentos onde esses documentos
não estavam. Notas fiscais, faturas e recibos da agência DNA e de
fornecedores que teriam feito para ela as ações de incentivo autorizadas
pelo BB foram buscados no próprio BB, onde não estavam. Como quem
procura acha, os auditores encontraram 'fragilidades e falhas':
descobriram que, nos dois períodos até então (...), as ações com
dinheiro do FIV [Fundo de Incentivos Visanet] alocado para o BB, com
falta absoluta ou parcial de documentos nos arquivos do próprio BB,
chegavam quase à metade dos recursos despendidos", lembra o texto.
"Ao procurarem os mesmos documentos na Visanet, os auditores os
encontraram. Evidentemente, a grande mídia – cujos colunistas mais
raivosos chamam os petistas de petralhas – divulgou apenas que os
auditores tinham achado, nos arquivos do BB, 'fragilidades e falhas' que
mostravam indícios de que os serviços da DNA para o BB poderiam não ter
sido realizados. A transformação das 'fragilidades e falhas' no
processo de controle dos recursos do Fundo de Incentivos Visanet pelo
Banco do Brasil num clamoroso 'desvio de dinheiro público' não se deu
por força de afirmações contidas nos frios relatórios da auditoria feita
pelo banco nesse fundo. Essa metamorfose ocorreu após a denúncia do
escândalo na Câmara dos Deputados, um local no qual o PT sofrera uma
grande derrota no início de 2005, com a perda da presidência da Casa,
cargo em que estava seu deputado João Paulo Cunha, um ex-metalúrgico,
como o presidente Lula", conta a revista.
Brasil 247
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