Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno
Altman contesta tese de Clovis Rossi, colunista internacional da Folha,
que defendeu uma censura do Itamaraty à Venezuela de Nicolás Maduro: “O
presidente Nicolás Maduro tem reagido com firmeza e equilíbrio para
deter a onda de violência e os planos de sublevação. Cumpre obrigação de
preservar a democracia e a paz como manda a lei; estende as mãos para
quem não compactua com o golpismo, ao mesmo tempo que promete ser
implacável contra os que quiserem usurpar o poder pela força”, diz; “As
correntes reacionárias podem reclamar o quanto quiserem, e Clóvis Rossi
pode lhes oferecer consolo, mas a Venezuela não está isolada como o
Chile de Allende ou o Brasil de João Goulart, a bel prazer dos que
almejam destruir as instituições democráticas”, conclui
Por Breno Altman, especial para o 247
O jornalista Clóvis Rossi, um dos mais respeitados do país, escreveu
ontem, na Folha de S.Paulo, artigo intitulado “Hora de dizer a verdade a
Maduro”, criticando a posição atual do governo brasileiro acerca da
crise venezuelana. Seu texto considera, a partir dos números das últimas
eleições presidenciais, que o vizinho ao norte está “rachado ao meio”. E
conclui: apoiar o presidente Nicolás Maduro seria “dar às costas à
metade da população venezuelana, erro que nenhum país sério pode
cometer.”
Traz vício de origem o apelo à neutralidade e a eventual papel
moderador que poderia desempenhar a diplomacia brasileira. Rossi, com a
elegância de sempre, mas desconhecimento sobre o assunto, parece estar
abordando situação normal de conflito. Como se fosse, por exemplo, uma
competição eleitoral ou um rallypacífico de setores oposicionistas.
O venerando repórter atropela o próprio registro que encabeça sua
coluna, ao lembrar do golpe de Estado que derrubou Hugo Chávez em 2002,
para vender versão edulcorada e neutra dos acontecimentos em curso,
insinuando que se trata de um choque legítimo entre blocos políticos.
Nem mesmo o governador de Miranda e ex-candidato presidencial da
direita, Henrique Capriles, acredita nessa lorota. Faz questão de manter
distância regulamentar da aventura extremista apelidada de la salida
pelos white blocs do golpismo venezuelano. Ali está em curso, novamente,
operação violenta e articulada para apear do poder um presidente
constitucional.
Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia. Defender a
legalidade e a soberania popular é a tarefa fundamental dos governos da
região, a começar pela mais importante de todas essas nações. A
presidente Dilma Rousseff, ao subscrever nota incisiva do Mercosul e
declaração inequívoca da Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (CELAC), dá demonstração de grandeza e liderança.
Contemporizar com o golpismo, como sugere Rossi, seria atitude
pusilânime e apequenada.
Os interesses que se movem nas sombras do vandalismo oposicionista
são tão perigosos quanto os objetivos dos grupos ensandecidos que
fantasiam tomar Miraflores de assalto. A guerra cibernética e midiática,
manipulando informações e imagens, sinaliza que o discurso de Barak
Obama, alinhado à intentona da direita, não se esgota no palavrório. A
Casa Branca dá sinais que considera a derrocada de Maduro, já e agora,
um componente fundamental de sua geopolítica para o petróleo e a América
Latina.
O silêncio brasileiro, portanto, não seria apenas desfeita à causa
democrática que tanto sangue, suor e lágrimas custou ao continente.
Nações que desejam construir caminhos autônomos, em aliança com seus
parceiros naturais, devem ter na solidariedade uma política de Estado.
Fraquejar nessas horas significaria retirar os sapatos diante de quem
aspira retornar à época em que esse canto do mundo aceitava ser o
quintal de uma potência imperialista.
Por fim, a tese da “divisão ao meio” é falácia para subtrair
legitimidade de um governo soberano. Desde quando uma pequena diferença
eleitoral torna iguais quem ganhou e quem perdeu na escolha popular?
Está correto um jornalista do calibre de Clóvis Rossi omitir que o
chavismo venceu 17 das 18 contendas eleitorais que travou desde 1998?
Que elegeu 20 dos 23 governadores nas últimas disputas regionais? E 75%
dos prefeitos em consulta às urnas há menos de três meses?
O presidente Nicolás Maduro tem reagido com firmeza e equilíbrio para
deter a onda de violência e os planos de sublevação. Cumpre obrigação
de preservar a democracia e a paz como manda a lei, mas sua aposta
principal é convocar às ruas seus compatriotas, em defesa da
Constituição. Estende as mãos para quem não compactua com o golpismo, ao
mesmo tempo que promete ser implacável contra os que quiserem usurpar o
poder pela força.
Não poderia ser outra a atitude do governo que não ombreá-lo na
resistência legalista. As correntes reacionárias podem reclamar o quanto
quiserem, e Clóvis Rossi pode lhes oferecer consolo, mas a Venezuela
não está isolada como o Chile de Allende ou o Brasil de João Goulart, a
bel prazer dos que almejam destruir as instituições democráticas.
Brasil 247
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